A polêmica acerca do programa federal “Mais Médicos” tem suscitado manifestações (físicas, inclusive) extremamente opostas e contundentes, como todos já devem estar enfadados de saber, pois tomam o noticiário nacional há semanas.
A princípio, não têm nada em específico com Tatuí. Mas, têm. Como ocorre em qualquer outro município do país, a cidade enfrenta sérios desafios para sustentar a saúde pública com um mínimo de qualidade. Para tanto, “também” precisa de médicos.
E um aparte: não apenas o serviço público, mas o particular também carece de profissionais (aqui poderia caber um parênteses com um “bons” antes de profissionais, mas nem dá para exigir tanto diante da escassez).
Os planos de saúde particulares (ou concretamente particular em Tatuí, no singular) simplesmente impõem uma maratona para a marcação de consultas em algumas especialidades, justamente pelo diminuto número de médicos.
Entre estas especialidades, os profissionais mais conceituados sequer marcam novas consultas. Sem qualquer conotação crítica, mas tampouco dando margem à falsidade, qualquer usuário sabe disto. E ponto.
Voltando à saúde pública, um fato local exemplifica bem o panorama nacional. Até pior, porque ressalta não só a questão numérica, da falta de profissionais, mas também da falta de qualidade, da formação deficiente – a qual, por sua vez, pode ser determinante para a vida, ou morte, das pessoas.
A Prefeitura divulgou no dia 29 de agosto a classificação de concurso público que objetivava contratar 66 novos funcionários municipais.
A lista com a classificação em cada um dos cargos disputados está divulgada nos sites www.tatui.sp.gov.br e www.personacapacitacao.com.br.
Quando lançado, o edital previa vagas em 33 funções. Para ser classificado, o candidato teria de atingir 50 pontos dos cem atribuídos em prova composta por 40 questões.
Conforme os resultados, nenhum dos candidatos às funções de auxiliar de farmácia, médico hematologista, médico plantonista, médico psiquiatra, médico urologista e técnico de imobilização ortopédica obteve a “nota mínima” para a classificação, sendo desclassificados.
Para os cargos de médico gastroenterologista, ginecologista e pneumologista, que preencheriam cinco vagas, não houve candidatos inscritos.
Entre as funções em que os candidatos não conseguiram atingir a nota mínima, sendo desclassificados, 68 pessoas inscreveram-se para auxiliar de farmácia, com duas vagas; um para médico hematologista e um para psiquiatra, com duas e uma vaga, respectivamente.
Para médico plantonista, houve quatro inscritos para duas vagas; médico urologista, um concorrente para duas vagas; e para técnico de imobilização ortopédica, nove inscritos para uma vaga.
Das 40 questões aplicadas na prova, todas “de múltipla escolha”, 15 foram de língua portuguesa, 15 de conhecimentos específicos, 5 de matemática e 5 de conhecimentos gerais e atualidades.
Ou seja, “doutores formados” não conseguiram o mínimo necessário, médicos cuja formação exige estudo profundo antes mesmo da entrada na faculdade, e cuja formação acadêmica implica em acúmulo de conhecimentos impossível para pobres obtusos.
E ainda são azarados esses doutores! Com média de 50% para aprovação, daria até para arriscar uma loteria… Aí, como pensar que o país não precisa de mais profissionais?
Agora, há outros pontos inquestionáveis e outros tantos injustos. Há quem diga, entre os que aprovam o programa federal, que os médicos brasileiros ganham muito e querem trabalhar pouco.
Mentira. Essa profissão, além de ser de extrema responsabilidade, não remunera à altura do merecimento de quem tira a dor das pessoas e, em última instância, salva-lhes a vida (claro, estamos falando dos bons profissionais, não daqueles que não nos olham no rosto e parecem ter medo, ou nojo, de colocar a mão na gente).
Médico também trabalha demais. Só de ficar atendendo emergência (e mesmo celular) a qualquer hora já denota o comprometimento com um ofício que raros profissionais encaram (novamente, falamos de doutores fieis ao tal juramento de Hipócrates).
Dizem que os médicos “simplesmente” não vão para os rincões do país porque não querem, porque se recusam a deixar o conforto dos grandes centros. Outra injustiça desse discurso hipócrita do politicamente correto, tão reverenciado e utilizado pelo governo.
A verdade é que “apenas” médico não salva vida. Ele precisa de equipamentos, remédios, auxiliares, etc., etc… Enfim, estrutura para tanto inexiste fora dos grandes centros.
Graças a isto, o médico sabe que, se estiver atuando num lugar desses e “perder uma vida”, será ele o responsável, e não a falta de estrutura lhe imposta pela incompetência do governo.
Mais uma injustiça, apontada por meio de pergunta: os médicos que foram no aeroporto recepcionar os colegas cubanos com entusiasmadas vaias e cartazes marotos (os quais podem ter deixado pacientes gemendo em muitas filas de espera) teriam tomado a mesma atitude se os estrangeiros viessem dos Estados Unidos, França ou Inglaterra?
Provavelmente, não. Até porque não estavam lá quando os voos com os novos doutores partiram da Espanha, Portugal, Argentina… Foi preconceito, sim! Mesmo porque, pouco importa, neste aspecto da medicina propriamente dita, se o dinheiro pelo trabalho deles vai para o bolso dos profissionais ou para o governo deles.
Em resumo, se tem ser humano precisando e profissional faltando, não há como abrir mão de prestadores de serviço estrangeiros – a despeito da retórica insuportável do governo, o qual precisa, junto aos novos médicos, investir realmente na saúde pública como um todo, se quiser minimizar o problema de verdade.
Mas, para que não se avaliem estes apontamentos como algo negativo, contrários a uma profissão em particular, fica mais um exemplo de que corporativismo pode até ser conveniente para alguns, mas sempre ruim para a maioria.
Em jornalismo, cada vez mais profissionais – recém-formados ou não – entram no mercado de trabalho simplesmente sem saber escrever. Não falta gente, mas competência… Se a situação continuar nesta linha, logo mais, o Brasil terá de importar redatores de Portugal, Angola, Timor-Leste…
Em benefício ao bem comum, finalmente, é preciso reconhecer nossas deficiências. No caso da imprensa, pelo menos, jornalista trabalha com a pena, não com o bisturi.