Patriotismo tem sido uma das mais propagadas palavras de ordem do momento – senão a maior -, mesmo após o encerramento das eleições, e é perfeitamente compreensível. Supõe-se, não obstante, estar em ênfase por denotar apreço ao país, em detrimento aos males que o afligem, particularmente a corrupção.
Ainda supostamente, parte daí o sucesso do presidente eleito Jair Bolsonaro, que soube melhor colocar-se como o mais determinado a enfrentar os problemas iminentes do país. E, novamente, até então, ótimo.
Por outro aspecto, contudo, é de extrema necessidade o cuidado para que o ufanismo inflamado pelo pleito, agora, seja completamente canalizado, justa e exatamente, ao sentimento coletivo de nação, de pátria!
Para tanto, não há outro caminho senão a consciência de que, muito mais que enrolar bandeira no peito e cantar hino, ser efetivamente um brasileiro que ama a pátria é lembrar que este país – como poucos no mundo – é formado por um povo essencialmente “plural”, de muitas cores, credos, nacionalidades, “gêneros” e convicções.
Em outras palavras, ser patriota é, acima de tudo, não apenas respeitar o compatriota “diferente”, mas defender o direito às diferenças. Qualquer atitude discordante não seria outra coisa senão opressão e primeiro passo à escalada da segregação e à consequente violência.
Neste ponto, o país começa a enfrentar em outro nível um problema já existente, mas agravado por certa percepção distorcida da nova realidade. Falando claro: há pessoas (muitas, aparentemente) que tomaram para si de forma literal a questão do “abater o inimigo”.
Parecem crer que mais significativo ao Brasil não é o combate às crises econômica, de segurança e saúde públicas, mas acabar com quem não comunga de ideias perfeitamente iguais.
Exemplo tétrico disto aconteceu nesta semana, quando um estudante demonstrou acreditar que ganhara carta branca para acabar com negros e “vermelhos”.
O aluno, que está no décimo semestre do curso de direito da faculdade Mackenzie e, por certo, crê ser legitimo patriota, expressou suas ideias em vídeos postados no perfil dele em redes sociais.
Na segunda-feira, 29, eles começaram a circular entre outros alunos e ganharam repercussão nacional. O jovem sofista da supremacia branca acabou demitido do escritório de advocacia onde estagiava.
Em um dos vídeos, ele aparece dentro de um carro, vestindo uma camiseta com a foto do presidente eleito e dizendo que vai estar “armado com faca, pistola, o diabo, louco para ver um vagabundo com camiseta vermelha para matar logo”.
Para complementar e não deixar dúvidas quanto às proposituras que lhe parecem nortear um país mais digno e grandioso, ele sentencia que “essa negraiada vai morrer”.
“Data vênia” à elegância e consciência cidadã do futuro doutor, um aluno da mesma faculdade, negro, comentou à imprensa que outros estudantes de cútis não “iluminada” como a do ilustre colega haviam faltado às aulas nesta semana, com medo de serem agredidos.
“É uma coisa que a gente está vendo crescer no país, esse discurso, como se não tivesse mais barreiras, nem ética, nem moral, só uma desumanização e um ódio muito grandes. A gente tem que mostrar que isso tem que ser combatido”, argumentou o aluno.
Em declaração pública, o reitor da universidade, Benedito Aguiar Neto, afirmou que as opiniões e atitudes expressas no discurso do estudante agressor “são veementemente repudiadas” e aplicou-lhe preventivamente a suspensão.
Por consequência, demais alunos – de todas as cores! – promoveram ato, na terça-feira, 30, para protestar contra o racismo. “O protesto (desta terça) foi apartidário, pessoas de direita e esquerda estavam lá. Ele serviu para dizer que tem negros no Mackenzie, que essas vidas importam, que a gente não pode criar um ambiente acadêmico onde a pessoa se sinta confortável para fazer um vídeo ameaçando de morte minorias”, ressaltou o aluno negro.
Não só nas faculdades, o ambiente de conflito, de guerra, de hostilidades, de patriotismo equivocado precisa ser imediata e fortemente combatido. Já, na raiz!
Esse tipo de manifestação em favor da paz, portanto, é capital e mais que bem-vindo – completamente ao contrário daquele que, pelos derrotados, busca questionar o resultado das eleições, somente sustentando de forma irresponsável o dissenso e criando ainda mais confusão.
O novo governo foi eleito democraticamente e por desejo da maioria. Isto basta para calar bocas – amargas ou amarguradas, não importa mais. Interessa é que esse novo governo seja respeitado, tal como os direitos individuais de cada um.
Além, que todos se entendam como parte de uma única nação – inclusive, enfrentando os mesmos problemas, que não distinguem posicionamentos políticos nas filas do seguro-desemprego, do pronto-socorro, da vaga em creche…
Caso contrário, basta desviar um pouco o olhar das redes sociais e observar a história para prever a tragédia em que a continuidade dos conflitos pode redundar.
No mais, não é possível crer que a imensa maioria dos brasileiros, que acaba de eleger um novo governo a partir de um grandioso sentimento de patriotismo, concorde com a discriminação e esteja confundindo o amor à pátria com extinção do “diferente”.
Claro, como se diz, o exemplo deve vir “de cima”. Cabe às autoridades eleitas darem exemplo, sinalizando, de maneira inequívoca, que passam a cuidar dos interesses e bem-estar não de metade do país, mas de toda a nação, independentemente de cores, sexualidade, descendência, opções pessoais.
A partir de agora, o único vermelho que deve ser evitado com toda a contundência é o vermelho sangue. Portanto, o novo governo precisa atuar firmemente pela pacificação, não tolerando a leviandade, o sectarismo, a violência e a desumanidade, mesmo daqueles que lhe vestem a camisa.