Marcela Lacerda *
Todos os dias abro as redes sociais da empresa para a qual trabalho, entre outras que curto, e foco em ver os comentários dos seguidores. Acho que as marcas têm por obrigação analisar todos os comentários por meio de um “social listening” ativo, mas de vez em quando entrar nas páginas e olhar com os próprios olhos materializa os fatos trazidos pela ferramenta.
O que me chama a atenção todos os dias é a crescente proliferação de “haters” e “cancelamentos” sem precedentes. A palavra haters cresceu cerca de 500% nas buscas ao longo da pandemia.
Além disso, crimes de ódio nos EUA aumentaram aproximadamente 150% neste período, segundo dados recentes do Center for the Study of Hate and Extremism (Centro de Estudos sobre Ódio e Extremismo, em português).
Antes de optar por me candidatar a uma viagem tripulada para Marte, comecei a tentar entender o contexto do ser humano neste momento.
Falo como profissional de marketing, e não psicóloga, antropóloga ou socióloga – esclareço para que os haters não venham para cima de mim. Minha intenção, aqui, é provocar uma discussão maior e também buscar leitores que possam ter, assim como eu, observado essa falta de limites do ser humano.
Desde que a internet entrou em nossa vida, a paciência das pessoas começou a acompanhar a velocidade de upload. Traduzindo: não queremos mais esperar nada, desde alguém pegar uma caneta e um papel para anotar algo, uma pipoca estourar no micro-ondas – e muito menos o ciclo todo para aquecer um prato. Eu me incluo nisso, já me peguei desligando o micro-ondas antes do tempo várias vezes.
A velocidade da internet mexe profundamente com nosso senso de timing e, pior, com nossa paciência e empatia. É sobre esse (potencial) fenômeno que quero falar um pouco.
Tenho percebido esse movimento crescer durante a pandemia, talvez porque tudo que era analógico – e não havia alternativa, a não ser se resignar (trânsito, por exemplo) – tornou-se digital de um dia para o outro e, obviamente, seguimos o timing do upload.
Outra alternativa é o fato de não precisarmos mais estar presentes para fazer comentários. Não estamos mais frente a frente, e o papel/tela aceita desaforo com muito mais facilidade.
Mas por que essa dúvida agora, Marcela? O ser humano sempre foi assim. Acho que não, e alguns dados me ajudaram a embasar minha percepção de que agora as coisas estão piores. Nossa taxa de feminicídio entre 2019 e 2020 cresceu quase 2% só no primeiro semestre. São 648 mulheres mortas somente por “ser mulheres”.
Somos um país essencialmente machista, mas que está tentando aprender aos poucos como viver em igualdade. Nesse cenário, surgiu a campanha do Bradesco, que tenta atender a essa necessidade.
A campanha era sobre as novas respostas da BIA, a inteligência artificial deles, quando é assediada. Na verdade, primeiro fiquei estarrecida com o fato de até um robô ser assediado moral e sexualmente, mas, vá lá…. pode ser que todos odeiem falar com BOTs e seja essa a causa do “hate”.
Essa percepção se desfez quando fui lendo os comentários, e era tanto ódio e escárnio, que eu realmente não entendi “na-da”. Talvez as pessoas achem uma audácia para a marca abordar algo que, em teoria, não tem nada a ver com ela.
Maaaas… qual a parte de que assédio existe que não ficou clara? Qual a parte disso que não pode “nunca” ser considerada “mimimi”? Ninguém tem mãe, mulher, amiga? (Nem as mulheres!). Fiquei absolutamente chocada com a falta de empatia.
No dia seguinte, abri o computador e fiz novamente o que faço todos os dias. Fui às redes da empresa – que tem um propósito lindo de inclusão e diversidade – e me deparei com um comentário tão cheio de ódio, que até me assustei.
Achei que a pessoa fosse me procurar na internet e brigar comigo aqui em casa. Tudo isso porque ela não aceitava o fato de que a nossa comunicação se valia do “x”, e não do artigo “a” ou “o” de gênero.
Comecei a criar algumas hipóteses, para as quais ainda não tenho confirmações. Isso tudo transcende a propaganda, o gostar ou não gostar, o medo de ser cancelado ou não, concordar ou não, se fazer ouvir ou não. Para mim, era quase um grito de socorro, dizendo: “Eu não estou feliz! Me resgatem!” Mas será?
Voltei, então, para a minha tentativa de entender o que acontece com os seres humanos nesta pandemia com relação às marcas. Levamos os bate-bocas para as redes sociais e levamos também toda a nossa frustração.
Não foi diferente com as marcas, que são cobradas pela perfeição, pela correção acima de tudo, por ter opinião, mas que ela seja igualzinha ao que a gente quer e acredita, porque senão, já viu né? Cancelamento na hora!
E que se dane a dor do outro, a marca não pode errar nem pensar diferente de mim. Mas tem de ter opinião, porque senão é tachada de planta e cancelada do mesmo jeito.
Marcas são feitas por pessoas. E pessoas erram, têm opiniões divergentes e continuam aprendendo até morrer (alguns menos que os outros). E, se até a tecnologia consegue aprender com o nosso comportamento (vide a BIA do Bradesco e a Lisa da Vialaser), por que será que estamos no movimento contrário? Por que não queremos mais aprender com os outros? Ouvir os outros? Evoluir e andar para frente?
Tenho algumas hipóteses: será que o mundo perdeu o propósito? Será que as pessoas não sabem mais que o limite delas termina quando o do próximo começa?
Não tenho a resposta ou opinião formada ainda, mas espero que possamos pensar em como os comportamentos humanos em relação às marcas e às pessoas estão se refletindo no quanto deixamos de ouvir, de aprender e de crescer. Para onde vamos com tanta raiva e falta de respeito?
* Diretora de marketing Latam da Vialaser.