Os Tatuí­s





Entrevista feita pelo Luiz Antônio Voss Campos, Voss, com os dois músicos remanescentes do grupo musical “Os Tatuís”, um dos primeiros da nossa cidade. São eles: Elizeu de Campos Vieira, baterista, e o Og Vasconcelos, que é clarinetista, saxofonista, organista e tecladista e que reside em Cesário Lange.

Bem, Og e Elizeu, vocês, hoje, serão os personagens centrais desta nossa linda história de amor à música. E vamos, neste bate-papo, conhecer um pouco de tudo que vocês viveram dentro desse universo musical, que levou à gravação do disco de vinil em 1964, com 12 faixas. Isso há 52 anos.

Estamos muito ansiosos para saber como foi a realização desse sonho para a coluna “A Voz do Voss”.

Há 60 anos, como surgiu essa história musical de vocês montarem um conjunto?

Og – Olha, na época, eram só orquestras. Então, quando começamos a formação do conjunto musical “Stars Night”, em 1956, eram ensaios na lavanderia do Chiquinho baterista. Depois, passou para a casa do Arnaldo Minghini, e começamos a entrar em bailes, pois o valor do conjunto, por ser maior número de músicos, era mais barato que a orquestra. E o negócio começou a dar certo.

Com a entrada da bossa nova, os músicos que também seguiam essa linha musical começaram a tocar esse estilo de música em bailes, e tudo foi indo bem até 1983.

Nessa época, já existia o Conservatório, ou vocês foram se conhecendo, conhecendo novos amigos no decorrer do tempo? Como funcionava essa descoberta de músicos para tocarem com vocês?

Elizeu – O Conservatório já existia, sim. Porém, era uma coisa elitizada, praticamente, uma coisa fechada. E os músicos que formaram essa banda “Os Tatuís” eram pessoas que gostavam de música.

Topavam fazer um som na esquina, num bar, na casa de um amigo. Era tocar por prazer, e isso era muito legal. O pessoal queria, mesmo, era curtir um som e deixar rolar as emoções.

Qual foi a primeira formação de “Os Tatuís”?

Og – O conjunto, na fase inicial, começou com Raul Martins (contrabaixo), Márcio Camargo Barros, de Cesário Lange (bateria), Ditinho Rolim (cantor), Og (clarineta), Arnaldo Minghini (acordeom), Elizeu (ritmos), Miguelito (violão elétrico) e Chiquinho da lavanderia (bateria).

E o nosso primeiro baile foi no Clube Recreativo (atualmente, Casas Pernambucanas), em 25 de outubro de 1958. Aí, começou o conjunto para linha de bailes.

Nota: Lendo a contracapa do disco de vinil, agora convertido para um maravilhoso CD, temos nessa gravação a formação do grupo que era essa: Og (saxofone), Elizeu (bateria), Cláudio Henrique Bertrami, “Tau” (contrabaixo), José Roberto Bertrami, “Bai” (piano e arranjos), Ivo Mendes (piston) e Areski Arato (organista e diretor). Esses quatro últimos, infelizmente, já faleceram.

Gostaríamos muito de ouvir de vocês como foi a emoção de gravar naquela época e fazer turnês pelas cidades e outros Estados? Como foi no Paraná, onde vocês viajaram e tocaram por dois meses? Como era viajar de jardineira (modelo de ônibus antigo), que tinha o bagageiro em cima onde eram levados os instrumentos? Como era essa emoção?

Elizeu – A coisa funcionava da seguinte forma: nessa época, os grandes eventos artísticos e culturais se davam nos grandes bailes. Esse conjunto foi o que musicou os melhores e maiores eventos, os maiores bailes em toda a nossa região. Inclusive, nós fomos ficando conhecidos pelo trabalho sério que era feito.

Só para você saber, em 1963, nós fizemos uma turnê de dois meses pelo Estado do Paraná e toda aquela região, inclusive, com apresentações em clubes e televisões daquele Estado.

Og – Naquele tempo, havia poucas estradas asfaltadas e, com a trepidação do chão, o bagageiro ia soltando. Então, a cada dez quilômetros, tínhamos que parar para amarrar e reapertar os nós, pois os instrumentos estavam todos na parte superior. E corria risco de cair pela estrada.

Foram dois meses viajando, uma grande aventura. Éramos nós naquela estrada com poucas pessoas que moravam à beira dela, como, também, pouquíssimos postos de gasolina e mecânicos. Se ocorresse um defeito ou algum problema mecânico, ficaríamos à espera de alguém que, talvez, passasse pela mesma estrada. Já imaginou?

Elizeu – Nesses dois meses, pegamos épocas de chuva e barro, e todos nós, em muitas vezes, tínhamos que descer do ônibus, arregaçar as calças, tirar os sapatos, enfiar o pé na lama e empurrar a jardineira (risos).

Como vocês faziam para conseguir os discos e as músicas de sucesso da época para serem tocadas e ensaiadas? A exemplo: Sérgio Mendes gravava uma música, as rádios tocavam. Como vocês conseguiriam esse material na década de 60?

Og – Eu e o Márcio, naquela época, entre 1959 e 1960, íamos sempre para São Paulo, e, quando surgiu a bossa nova, que nós começamos a nos interessar por aquele movimento musical que balançou o Brasil e o mundo, nós ouvíamos uma, duas, três, cinco, 20 ou 30 vezes a mesma música para “tirar de ouvido”.

Ou seja, aprender a música e passar no papel a pauta e as notas para cada instrumento. E ir para os ensaios, nos preparar para os shows e bailes. E, também nesse tempo, começaram a entrar no Brasil os discos de jazz, que foi uma grande escola para todos nós.

Quem nos deu a maior escola para ouvirmos e aprendemos a ouvir esse estilo de música foi o grande pianista tatuiano que, inclusive, tocou no “Stars Night”, que é o Mário Edison. Um grande músico, um nome muito respeitado na noite paulistana, que tocou muito tempo em “O Beco” e, atualmente, toca no restaurante famosíssimo em São Paulo, que é o Fasano.

Aprendemos a ouvir Art Van Damme, o Jorge Schermann e outros.

Vocês tocavam em muitos bailes na época, como eram esses bailes?

Elizeu – Os grandes eventos, os grandes bailes de debutantes, formaturas, aniversário de cidades eram datas de gala. Os bailes eram um grande acontecimento na cidade. Os rapazes mandavam fazer ternos, camisas novas, gravatas, engraxavam os sapatos, cortavam cabelo e barba. Iam superalinhados e perfumados.

As moças se preparavam durante toda a semana, nas cabeleireiras, com seus laquês, bobs, bigodins, vestidos, colares, brincos, sapatos e maquiagens. Na verdade, homens e mulheres iam para esse evento para “brilhar na noite”.

Como nós sabemos, por experiência própria, entre os músicos tem alguns “sangue de minhoca”, que são muito briguentos. Entre os músicos de “Os Tatuís”, quem era o mais bravo e o mais difícil de aceitar as ideias durante os ensaios?

Og – Entre nós, o mais complicado era o doutor Ivo Mendes, o pistonista. Ele não era fácil. Ah, se alguém falasse alguma coisa que ele não gostasse, puxava uma madeira e sai debaixo que o bicho pegava.

O estilo de vocês era só música instrumental, ou também havia músicas cantadas? E tinha cantores? Quem eram eles?

Og – No conjunto, quem cantava era o Ditinho Rolim, samba-canção, valsa, samba lento. Porém, quando surgiu o Rey Charles, cantando “Stella by Starlight”, eu comecei a cantar, também.

Mas, também, tivemos a participação do João José Bastos, “Bastinho”, que, depois de certo tempo, foi produtor musical na noite paulistana, ao lado de Aloísio de Oliveira.

Quem também cantou com nosso grupo foi o Gildo Ramos, “Gildinho”, que, inclusive, seguiu carreira solo e gravou oito CDs com muita música romântica.

A orquestra Trololó serviu de modelo para vocês, ou o estilo se baseava mais na bossa nova?

Og – A bossa nova foi uma bomba que caiu no mundo, pois, quando Frank Sinatra gravou “The Girl From Ipanema” (“Garota de Ipanema”), juntamente com Antonio Carlos Jobim, o mundo parou. E todos ficaram muito “chapados” com aquela harmonia doce e muito influenciada pelo jazz americano.

E até hoje a referência musical do Brasil é essa música que quase todos os americanos conhecem e sabem assobiá-la.

Elizeu – Esse conjunto, Os Tatuís, teve a felicidade e a bondade de Deus de encontrar músicos dedicadíssimos, como Og e o Márcio, que fizeram toda uma pesquisa musical de altíssimo nível, o que nos auxiliou em muito.

Og e Elizeu, como eram os equipamentos microfones, como era afinar a bateria num dia chuvoso, frio e ao ar livre. Como você fazia para afiná-la?

Elizeu – As peles da bateria eram de origem animal. Então, para se conseguir fazer “chegar à afinação”, era necessário fazer um foguinho em jornal e dar uma passada pelos gongos até que as peles iam ficando mais esticadas e secas (risos).

Og – Com relação aos microfones, o som era meio oco, pois não havia separação de frequências dos agudos, médios e graves. Porém, nós tivemos uma sorte danada que, entre 1961 e 1962, vieram para o Brasil os microfones dinamarqueses B&O, e também o Philips, que eram usados na TV Record. Nós íamos à televisão e comprávamos.

Os amplificadores eram todos à base de válvulas e, durante o baile ou o show, dava até para fritar ovo de tão quente que ele ficava.

Vendo a história dos irmãos Bertrami, tanto o Zé Roberto como o Cláudio, “Tau”, que tiveram uma passagem grande por “Os Tatuís” e, depois partiram para o mundo da música, como vocês avaliam essa estada deles? Para vocês dois que viram eles ainda meninos tocando, contem-nos um pouco dessa história. Ou eles eram ainda muito jovens quando subiram no palco com vocês?

Elizeu – Eu nunca vi tanto talento junto. Os dois eram muito criativos, ouviam tudo que tinha na época em termos de bossa nova e jazz.

Og – Em janeiro de 1963, o Zé Roberto tocava piano junto com o Mário Edison, e ele fazia um som oitavado, como o pianista muito famoso da época, chamado Valdir Calmon. E, quando surgiu o “Tamba Trio”, eu falei, durante um ensaio com um disco na mão: “Zé Roberto, leve esse disco e ouça até furar”.

Ele não conhecia muito outros estilos e, após esse disco, passou a tocar todas as faixas do disco. Além do que, ouvia muito o pianista Oscar Peterson, de quem ele tirava de ouvido tudo.

Era um grande músico, com uma grande capacidade de improvisação, e, a cada dia, ambos sabiam mais e mais. O seu irmão Cláudio dormia e acordava ouvindo Rey Brown, um grande contrabaixista do jazz americano.

Elizeu, pra você, quem era o maior baterista do Brasil naquela época? Og, e pra você, quem era o maior organista?

Elizeu – Pra mim, foi e sempre será o baterista carioca Milton Banana. Foi nele que me espelhava.

Og – O organista que eu curti do Brasil era o Ed Lincoln, e o internacional, o Jimmy Smith, pois, quando eu comprei, em 1967, o órgão Hamoond e a caixa com os falantes giratórios chamada Leslye, o som tomou outra dimensão. Uma verdadeira usina de timbres e naipes.

Como surgiu a história da gravação do LP? Onde vocês foram gravar e quanto tempo foi de estúdio?

Og – O Areski era muito amigo do Sidnei Moraes, que era violonista e vocalista do grupo vocal “Farroupilha”, e que era proprietário da gravadora com esse mesmo nome, Farroupilha. E, em um baile no Tênis Clube de Campinas (para vocês verem como os bailes eram famosos), em um mesmo clube, nós estávamos tocando na boate e no salão superior, o conjunto do Sidnei.

De repente, eles vieram nos ouvir tocar e surgiu ali a ideia e o projeto para gravarmos um disco com 12 faixas. Nessa época, o Sérgio Mendes havia gravado um LP com o sexteto Bossa Rio, que foi e sempre será um dos melhores discos de bossa nova instrumental.

O produtor do nosso disco foi o próprio Sidnei. Gravamos no estúdio da rua 7 de Abril, em São Paulo. Levamos dois meses para gravá-lo, e ali surgiu a ideia de mudarmos o nome do grupo de “New Sound Six” para “Os Tatuís”.

E isso gerou um pouco de gozação por parte dos piracicabanos, pois, quando íamos tocar lá, eles falavam: “Vocês são de Tatuir, onde os passarinho faz pirpir e o peixinho faz timbur?”.

Um fato importante é que, nesse disco de Sérgio Mendes, nós temos a participação do saxofonista que ministrou aulas no Conservatório de Tatuí, no tempo do maestro Neves, que foi o Hector Costita.

Como foi para vocês a emoção de se ouvir tocando nos rádios e nas casas de famílias, onde, nas vitrolas, pelo menos em Tatuí, todos tinham o tal disco de “Os Tatuís”?

Elizeu – Era uma pancada emocional. Até, às vezes, pensávamos que não éramos nós. Uma verdadeira alegria dominava a nós seis, pois, de repente, de um barracão apertado de ensaio, íamos para os maiores e famosos clubes e salões do Estado e também fora dele.

Og – Na época, existia um crítico musical e apresentador no programa de rádio bossa nova e jazz chamado Fausto Canova. Ele era muito respeitado e exigente, e, quando ele tocou o nosso disco, abriu o microfone e disse aos ares paulistanos: “Músicos da capital, tomem cuidado com essa turma do interior. Eles estão chegando, vão arrebentar de fazer sucesso. Estudem, pois o pessoal de Tatuí é muito bom”.

Bem, passados 52 anos praticamente, vocês dois fazem parte da história musical de Tatuí. E até acredito que foram referência para os demais grupos musicais da época. Como exemplo, “Os Tonais”, “Os Pinguins”, “Os Filtsoms”, “Solfaseis”, “Happy”, “Six Boys” e os “The Jhonnies”, que era minha banda. Inclusive, compramos de vocês aquele lindo uniforme vermelho de gola preta e aparelhagem de som com os dois microfones B&O.

O que vocês recomendariam para quem está estudando música e pretende entrar no cenário nacional, já que nossa cidade é a “Capital da Música”?

Elizeu – Seriedade, dedicação, humildade, estudo e talento.

Og – Ouvir muito jazz, bossa nova, que são as maiores escolas para todos os estilos. Essa turma nova tem que ouvir música de qualidade, pois, infelizmente, a música atual está muito pobre, enjoativa, passageira, e não deixa um rastro de nada que se possa aproveitar.

Bem, haveria possibilidade de, se alguém quiser uma cópia desse disco de “Os Tatuís”, que graças ao nosso amigo Gildo Ramos foi convertido em CD, podemos fornecer? Vocês autorizariam que eu o copiasse, pois gostaria de repartir essas emoções com meus amigos?

Elizeu – Sem problema nenhum, e ao contrário: será um prazer saber que mais pessoas que não viveram aquele momento poderão vivê-lo agora.

Og – Tudo bem, e espero que gostem. Porém, lembrem-se que foi há 50 anos.

Bem, para encerrarmos esta nossa conversa, quero, antes de tudo, agradecer a Deus, que nos fez sermos músicos, amarmos a música e nos deu esta linda oportunidade de conversarmos, sabermos de vocês dois como foi essa trajetória das suas vidas.

Agradeço a você Elizeu e ao Og por terem prestigiado nossa cidade com esse nome, “Os Tatuís”. E por terem nos deixado esse legado musical. À senhora Tili, esposa do Elizeu, que muito gentilmente nos recebeu em sua casa, e ao Brunno Vogah, do jornal O Progresso, pela fotografia.

Foi um bate-papo cultural, musical e, agora, para encerrarmos, peço a vocês que façam suas considerações finais:

Elizeu – Tenho pouca coisa a falar. Sempre tivemos nosso Deus fazendo a parte da coisa, ânimo, muito ânimo pra correr atrás das coisas boas. A vida é linda.

Og – Vou pelo mesmo caminho do Elizeu. A nossa turma, Deus nos deu a melhor época, na parte da amizade, amor e romance. Sempre agradecemos, pois muitos casais que conosco dançaram, se conheceram e até se casaram em muitas regiões do Estado de São Paulo e de outros lugares do Brasil, como Minas Gerais e Paraná.

Agradeço, e muito, porque você, Voss, viajou e cantou comigo de 1972 a 1982. Sempre levamos a boa música, grandes emoções e lições de vida.

Voss

Agradeço, também, ao Gildo Ramos, que foi quem resgatou esse disco do vinil ao CD. Ao pessoal do jornal O Progresso, ao Ivanzinho, que mais uma vez abre esse espaço para mim. Espero que gostem. Muito obrigado e até breve!