Os novos profissionais, os ofícios especializados e a economia local

Negociantes de bestas e fabricantes de açúcar despontam entre os viventes 

Foto mostra boiada rebocando Voiturette Ford, pilotado por Eduardo Dale em excursão pelo interior do estado de São Paulo em 1920; criação de animais teve início quase um século antes, em 1826 (Foto: Revista A Vida Moderna (1920), ano 16, n. 395, p. 22.)

Tatuí 200: Outros fatos, outras histórias

Cristiano Mota

À medida que Tatuí se desenvolvia, começavam a emergir sinais de mudança no tecido ocupacional da comunidade. Com o passar dos anos, os moradores diversificaram suas ocupações. Embora a lavoura ainda figurasse como atividade central na economia, novas profissões ganharam espaço. De um lado, essa ampliação refletia uma adaptação às demandas do cotidiano, de outro, indicava os primeiros sinais de uma economia em transformação.

Izabel Domingues, por exemplo, natural de Sorocaba e com 61 anos, vivia de “fiar algodão”, atividade na qual contava com o auxílio de Gertrudes, mulher parda de 42 anos. Ambas residiam no fogo de número 155. Já Joaquim Collaço, de 45, registrado na propriedade de número 11, sustentava a esposa, Anna Ribeiro, de 33, e os quatro filhos – José, Joaquim, Francisco e Manoel, de 15, 13, 8 e 3 anos, respectivamente – fabricando móveis e utensílios domésticos.

Entre os profissionais que atuavam com os novos ofícios especializados, destacava-se também Fernando de Queiroz, de 46 anos, morador do fogo 41, que exercia a função de ferreiro. O sorocabano transformava o ferro em utensílios domésticos, ferramentas agrícolas, armas e em outros equipamentos usados no transporte. Para manter a casa onde vivia com a esposa, de 26 anos, e um filho, de 11, contava com apoio de Custódio, um agregado de 51 anos, de cor parda.

Entre 1824 e 1826, o número de agregados presentes nos núcleos familiares

aumentou 57,89%. A esse grupo – que saltou de 38 para 60 pessoas –pertenciam, além dos pardos (“filhos ilegítimos” dos senhores), os irmãos dos proprietários, caso do fogo 145, de Vicente Leite. O jovem, de 21 anos, era solteiro e vivia com os irmãos José, Antônio, Anna, Izabel, Maria, Joanna e Antônia.

No sexto ano de sua constituição (contando a partir de 1820), a população tatuiana estava basicamente dividida em dois grupos étnicos. Os brancos formavam a maioria da população, totalizando 900 pessoas, entre solteiros, casados e viúvos – sendo este último o grupo menos numeroso. Havia mais mulheres que homens entre os viúvos: naquele tempo, viviam na freguesia quatro homens que perderam as esposas e 15 mulheres sem os maridos. Quando à população preta, a única informação disponível refere-se a indivíduos livres, que somavam dois moradores.

Em 1826, quando a freguesia contava com 1.398 habitantes, um deles se destacava: o vigário colado de Porto Feliz, Francisco Fernandes Novaes, residente no fogo número 7. Na época, ele vivia dos “rendidos da Igreja” e exercia suas funções com o auxílio de três agregados – os pardos Antônio, de 31 anos; Benedito, de 13; e Belizário, de 7 – todos naturais da vila de Sorocaba.

A presença do religioso é um marco, pois indica que Tatuí, além de possuir um templo em torno do qual a vida coletiva se organizava, dispunha também de estrutura eclesiástica formalizada.

Nessa mesma época, crescia o comércio de “moares”. Além de Jeronymo Antônio Fiuza – que havia sido promovido a capitão –, atuavam com esses animais o alferes José Maria de Camargo, natural de São Paulo, e os sorocabanos sargento Antônio Xavier de Freitas e Theodoro José de Camargo. Essa atividade surge na primeira metade do século 18 para prover a necessidade de transporte, em particular, por conta da região mineradora, e em razão da escassez de cavalos.

As primeiras fábricas de açúcar foram construídas em Tatuí por moradores que deixavam os antigos centros produtores – e as regiões mineiras em declínio – trazendo consigo suas famílias, recursos e escravos, vislumbrando oportunidades de prosperidade.

Esses novos investidores chegavam, pouco a pouco, à nova freguesia, motivados principalmente pela expectativa de lucro, proveniente, em princípio, do atendimento das demandas internas e, posteriormente, das necessidades de abastecimento criadas pelo comércio entre as vilas.

Em 1826, três dessas fábricas são listadas no mapeamento: a de André de Almeida Falcão, com 26 escravos; a de Ignácio Xavier Cezar, movida pelo trabalho de 21 cativos; e a de Antônio Rodrigues da Costa, com 15 escravos. Costa era administrador de uma quarta propriedade – com outros 15 escravos – que pertencia ao brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, outro personagem emblemático da história paulista, a quem muitos historiadores

atribuem a fundação de Tatuí. Na região, Jordão era dono do Retiro Dois Corações e das fazendas Bemfica e do Paiol.

Um ano depois, o número de “engenhos de cannas” subiu para quatro, absorvendo quase 50% da mão de obra escrava da freguesia, então composta por 236 indivíduos. A atividade canavieira era sustentada por 111 escravos (47%). Os demais africanos e seus descendentes estavam distribuídos em outras atividades: 110 (46,6%) trabalhavam nas lavouras (feijão, arroz, milho, amendoim, algodão e fumo), bem como na criação de gado e equinos; 14 (5,9%) atuavam nos negócios de “tropa arreada”; e apenas um (0,42%) trabalhava na construção de casas.

Ainda a respeito dos escravos, os registros oficiais da época apresentam números discrepantes. A tabela constante no mapa geral indica a presença de 214 cativos, sendo 124 homens e 90 mulheres, entre solteiros, casados e viúvos. Já a lista nominal, mais detalhada, aponta 22 escravos a mais.

Os pardos livres, na freguesia, totalizavam 216 indivíduos (97 homens e 119 mulheres de zero a cem anos), vivendo como agregados ou em fogos próprios. Percentualmente, os pretos cativos e os pardos livres representavam, respectivamente, 14,68% e 13,43% do total da população tatuiana. Já os brancos correspondiam a 71,89% dos habitantes, somando 1.156 indivíduos.