
Raul Vallerine
Com o tempo você aprende a se dar ao luxo de esquecer as horas, e aproveitar a vida sem a tirania enlouquecedora do tic tac do relógio! (Edna Frigato)
Parar o tempo” pode ser interpretado de várias maneiras, desde a literal suspensão do fluxo temporal até a ideia de momentos de felicidade ou concentração intensa que parecem congelar a percepção do tempo. Na ficção científica e em histórias fantásticas, a paralisação do tempo é frequentemente um poder ou magia que permite ao usuário agir livremente enquanto o resto do mundo está congelado. No entanto, a ciência, até o momento, não comprovou a possibilidade de parar o tempo.
Desde tempos imemoriais que o Homem tenta aprisionar o tempo, seja em relógios, seja em ampulhetas ou quaisquer outros engenhos. Contudo, o tempo sempre lhe escapa, e continua, impávido e sereno, o seu destino. Imagine um encontro entre o Tempo e o Relógio!
Certa vez o tempo e o relógio se encontraram, embora estejam todo o tempo juntos. O tempo, revoltado há muito tempo, disse ao relógio tudo aquilo que, há tempos, vinha guardando.
Que ele, tempo, tinha saudades daqueles tempos em que não existiam relógios e todo o mundo tinha tempo. Mas quando o homem, ingrato, fabricou o relógio que começou a marcar tempo, ninguém mais conseguiu ter tempo.
O homem ficou reduzido a horas, minutos e segundos. – Antes, naqueles tempos, disse o tempo: – Todo o homem tinha tempo de apreciar a Natureza. Vivia com o sol de dia, dormia com a lua à noite.
Quando a lua, caprichosa, não queria aparecer, era m bando de estrelas que piscavam, brincalhonas, dando tempo para o sol nascer.
Mas agora, nestes tempos, ninguém mais tem tempo de ver se a lua vem sorrindo para a direita ou para a esquerda, se está de cara cheia ou de mau humor, sem querer aparecer.
O tempo prosseguiu, com um sorriso de tristeza: – Antigamente, que tempos, os homens nasciam no tempo certo em que tinham que nascer. Não havia incubadora para os fora de tempo, nem cesariana para os que passavam do tempo.
A Natureza sabia, em tempo, quando era tempo. Hoje, o homem já obedece a você, mesmo antes de nascer. Os médicos estão apressados e sem tempo para perder.
O relógio só ouvia e, apressado, prosseguia no sei tic-tac, sem tempo de retrucar, com medo de se atrasar.
– Noutros tempos – disse o tempo, o homem crescia sem pressa, com tempo de amadurecer. Comia sem ter horário, dormia quando tinha sono.
Fazia amor ao relento, como flores que se beijam, como aves que se aninham.
Envelhecia aos pouquinhos, como um calmo entardecer. Depois, dormia o sono profundo e, no outro despertar, abraçava-me com carinho, no infinito, no infinito…
O tempo enxugou uma lágrima, talvez de orvalho. A voz, que estava embargada, tomou uma conotação de revolta:
– Hoje, vai logo para a escola, e traz para casa um horário. Quando aprende a ler as horas recebe do pai um relógio, e, assim, ensinam-lhe, bem cedo, a maneira mais correta de nunca ter tempo na vida.
O tempo não se preocupava mais com o tic-tac do relógio que não retrucava para não se atrasar. Continuou a sofismar com voz mais branda:
– Come apressado, sem tempo. Dorme ainda sem sono, pois, de manhã bem cedinho, você começa a gritar, arrancando-o da cama, quando ainda queria dormir.
Amor? Nem sei se ainda faz. Há gente que nem tem tempo. Quando faz é no zás-trás. Quando, vê já envelheceu, sem ver o tempo passar.
Na hora do sono profundo, enterram-no apressados, para a vida continuar. E, no outro despertar, chega tão apatetado que não consegue me achar.
Ao relógio, sem nunca poder parar, só restava se calar. Além do sentimento de culpa, que passou a carregar, a partir desse tempo, quando bate as doze badaladas no silencia da meia noite, o canto é tão melancólico que até parece chorar.