De tanto serem repetidas, as palavras da moda, primeiro, perdem o sentido semântico e, em seguida, a própria relevância. Tornam-se banais, sem qualquer significado, chovendo no molhado da verborragia das “narrativas” do momento, sobretudo nas trincheiras tão esnobes quanto hostis das redes sociais.
Duas delas são, justamente, “narrativa” e “empoderamento”. A primeira, com sentido de descrição de um fato, já perdeu o valor original.
Tem ganhado, inversamente, a ideia do oposto, sendo termo comum à chamada “pós-verdade”, pela qual o que importa não são os fatos reais, mas as interpretações que deles se podem dar.
As “narrativas” consciente e meticulosamente orquestradas não apenas são fundamentais às “fake news”, como sustentam as inverdades que (apelando à velha fórmula), de tão repetidas, passam a ser críveis.
Exemplos: a “narrativa” de que a maior crise econômica não tem nada a ver com o governo eleito em 2014, sendo toda creditada à atual administração federal, personificada pelo impopular presidente Michel Temer. “Fake”!
Claro, trata-se de explícito investimento na suposta falta de memória do povo brasileiro. Daí a “narrativa” de que votar no candidato de Lula é votar em tempos melhores… Essa estratégia apaga o governo Dilma da “narrativa” histórica nacional…
Outro exemplo: a “narrativa” de que não houve uma real ditadura no Brasil, de que pessoas não foram torturadas, de que não existia corrupção, de que já não existe racismo, homofobia, tratamento desigual entre homens e mulheres…
Enfim, uma “narrativa” de que, hoje, muitos problemas são imaginários e de que, antes, tudo era paz e prosperidade. “Fake”!
Na verdade, a história real desse período ainda é incerta e muito sombria, até porque, dada a censura prévia, a imprensa não tinha como noticiar a corrupção e a própria Justiça sequer sonhava com a liberdade de processar qualquer um sem cerimônia, como acontece na atualidade.
No entanto, alguns discursos dispensam a “narrativa” furtiva, sendo perfeitamente explícitos e assustadoramente sinceros, como as de que: o país precisa de uma nova Constituição realizada por “notáveis” (não) escolhidos pela população; de que seria legítimo um “autogolpe”, caso o governo não tenha apoio em tudo o que pretende; de que as urnas eletrônicas estão infectadas por vírus comunistas; de que a eleição não seria legítima se vencida por adversários; de que, aparentemente, todos os problemas desaparecem com um buraco na testa; de que crianças criadas apenas com mães e avós são “desajustadas”…
Também é explícita, nessa “narrativa”, a intenção factual da imposição de uma nova ditadura no país. Isto parece já ser ponto pacífico e, surpreendentemente, aceito por um terço dos eleitores.
O “empoderamento”, por conseguinte, seria dado total e completamente ao governo, que poderia – a se considerar outras “narrativas” recentes – não ser tão sensível às demandas femininas (aliás, “demanda”: outra palavra da moda, já banal).
Não obstante, é neste particular onde se identifica um fato alheio às “narrativas” manipuladoras, um fato absolutamente real: as mulheres vão decidir estas eleições.
Elas (ou vocês, leitoras) passaram a compor o eleitorado brasileiro em 1932, quando a Constituição Federal lhes garantiu esse direito. Até então, obviamente, só os homens podiam escolher seus representantes (decerto, mantendo-se como os “notáveis” da época, mais capazes às decisões, frente à “incapacidade” feminina).
O primeiro exercício desse novo direito aconteceu um ano depois, exatamente para eleição que também deveria eleger os responsáveis por uma nova Constituição.
Ou seja, pelo voto popular e com a participação feminina, mudavam-se os rumos da política nacional e marcava-se grande avanço na condição da mulher como efetiva “cidadã”.
Oitenta e seis anos mais tarde, o contingente feminino responde por 52,5% do eleitorado, somando aproximadamente 77,338 milhões, enquanto os homens atingem os 69,9 milhões, equivalentes a 47,5% dos votos.
Mais que isto, as mulheres obtiveram outros tantos incontáveis direitos, tal como ganharam cada vez mais espaço e representatividade na vida pública e na própria política.
Contudo, queiram ou não queiram aqueles que cultivam a mentalidade sexista – senão pré-histórica –, as mulheres ainda têm muito a conquistar no país, embora seu gradativo “empoderamento” seja fato, não “fake”.
Daí a vital importância das mulheres neste momento histórico, posto que, pelas pesquisas mais recentes, em assombrosa marcha kamikaze rumo ao cadafalso democrático, a grande maioria dos eleitores está mesmo optando pelo conflito, por levar o país a uma guerra de extremos.
O único alento a segurar um fio de esperança é a insuspeita verdade de que as eleições serão decididas pelas eleitoras. Resta saber se as mulheres têm mesmo maior apreço à conciliação, à paz e à própria vida, e, portanto, o que farão com esse tal “empoderamento”.