Não falo de você, caro servidor público concursado, salário parco, abnegado! Mas quantas vezes nos deparamos com a informação “servidor não encontrado”? Ora, que tanto faz esse servidor que volta e meia não está? Abona o ponto? Licença-prêmio? “Temos problema com o servidor”, “nosso servidor está fora do ar”. Que tanto ele faz fora do ar? (Lembrei-me de uma música do Chico, “Boi Voador”, de quando o governo, em crise de abastecimento, mandava confiscar boi gordo no pasto. A TV flagrou gado na fazenda de um político em Pedregulho. Chico: “O boi ainda dá bode / qual é a do boi que revoa? / boi realmente não pode / voar à toa”).
Tantos problemas com servidores da empresa, de sites, dos bancos… Quanta angústia e ansiedade por causa do maldito servidor faltoso! E isso, quando não está doente, com um maldito vírus! E se não é o servidor, é seu chefe, o sistema: “estamos sem sistema”. Sofisticadamente, pode vir em inglês: “runtime error: system not found”. Todo mundo sofre desse TOC (transtorno obsessivo compulsivo) moderno, um vício similar ao das drogas, e sem ele não se vive!
Se você vai a um restaurante, enquanto aguarda o garçom retira o celular do bolso, e busca em um “app” a senha do “wi-fi” local. (Os neologismos das novas tecnologias já foram incorporados ao nosso idioma. Triste “última flor do Lácio”, como o chamava Olavo Bilac). Mas não se avexe: seus filhos estão fazendo o mesmo, e perca alguns segundos para olhar para o lado: esfomeados vizinhos de mesa também estão usando os seus. No consultório dentário ou do médico, na fila do banco… todos!
Descobri que era “drogadito” (brasileiro para “drug addicted”, viciado) tecnológico quando comprei aquele celular “tijolo”, que você só adquiria com uma procuração por instrumento público, pois o governo havia bloqueado novas vendas: não havia “sistema” suficiente. Carregava aquele trambolho de meio quilo na cintura, e, quando havia sinal, ficava feliz com aquela engenhoca ao receber um telefonema. É um vício insanável: nessa época, morava em São Paulo na vila Mariana e ia dar aulas na USP (levava, acredite, 20 minutos dirigindo!), e cheguei a voltar do meio do caminho por conta do danado. Retornei para buscar a engenhoca que havia esquecido! Droga perigosa, vicia no primeiro contato!
Ora, não morrerei disso, pensei, vou apenas ficar neurótico, com transtornos, e assumi o risco. Logo, chegavam os computadores pessoais, os PCs (“personal computers”), e eu comprei uma maravilha chamada TK3000, cuja memória era como uma pequena fração de qualquer chip de celular. Depois, fiz o “upgrade”, passei para um glorioso XP, com aqueles dois “disk drives” flexíveis – Obs.: leitor, se você não domina o inglês, ao menos de um pequeno vocabulário infame vai precisar para sobreviver. Daí, um 286, depois 386, 486, a perder de vista. Logo, o mundo se curvaria aos meus pés: a USP lançava, no CCE (Centro de Computação Eletrônica), um curso fascinante para os docentes. Fui de uma das primeiras turmas, e o que aprendíamos era uma coisa do demo: conversar via DOS (“Disk Operation System”), pois ainda não havia interfaces gráficas, como o Windows ou Mac. Imaginávamos estar na Nasa, comandando foguetes e invadindo espaços extraterrestres – todos apopléticos, mudos e extasiados.
O vício me pegou de vez e fui levado a drogas mais fortes. O Windows, os novos sistemas de e-mail, o ambiente gráfico… tudo fascinante, um “admirável mundo novo”, lembrando Aldous Huxley, em seu romance homônimo de 1932. Resisti, mas a tentação foi me possuindo e eu já me entregava de corpo e alma. Tempos depois, vieram as primeiras redes sociais, a comunicação instantânea com todos neste mundo, quem sabe até com outros?
Dizem que Bill Gates, ao morrer (é uma piada: anda está vivíssimo, é filantropo e adepto das causas humanitárias!), e, ao chegar a São Pedro, teve sua contabilidade terrena avaliada: “vejamos”, disse o dono das chaves do Céu, “você escravizou o mundo, ganhou oceanos de dinheiro impondo seus softwares, viciando pessoas”. “Mas”, continuou o porteiro do Céu, “foi um grande amante do ser humano, uma pessoa misericordiosa, não mediu fortunas para melhorar a vida na Terra. Não sei o que fazer”, continuou, “então vou lhe dar o direito de escolha. Ali na frente há duas salas. Na primeira, você verá em um telão como é o Inferno, e, na outra, o Céu”. Sentado na antessala do Inferno, Gates viu uma praia deslumbrante, pessoas deitadas em redes entre coqueiros, mulheres lindas de biquíni, garçons servindo drinques exóticos, céu ensolarado, um paraíso hedonista, do supremo prazer: o “dolce far niente”, o nada fazer dos vagabundos, em bom português. Na outra sala, ele viu o Céu: no telão, casinhas pequenas, pessoas vestidas de branco orando, regando pés de florezinhas coloridas, passarinhos, paisagem bucólica. Gates não teve dúvida: “perdoe-me, mas vou preferir o Inferno!”. “Pois não, se é essa a sua escolha”, disse São Pedro, puxando a alavanca de um alçapão que se abriu sob os pés. Caindo, vislumbrou seu final: fogaréu, capetas, tridentes, cenas dantescas. Ainda deu tempo de gritar: “Mas senhor, não era isso que estava no telão!”. E ouviu a voz tunitroante (que soa como trovão) lá de cima: “desculpe, mas não percebeu que aquilo era só um “screen saver”? (Proteção de tela, invenção a crédito do próprio Gates).
Pois é, leitor. Termino aqui com uma frase que ouvi há alguns anos: “a informática veio para resolver problemas que antes nunca existiram”.