Não por acaso, entre todos os serviços públicos prestados pelos governos em suas três instâncias – federal, estadual e municipal -, os maiores recursos são direcionados à Saúde e à Educação.
Basicamente porque ninguém quer sentir dor – tampouco morrer antes da hora -, tal como espera que o estado garanta um futuro melhor para seus filhos por meio de um ensino público de qualidade.
Também não por acaso, desde sempre na história do país, há insatisfação quanto aos serviços prestados em ambas as áreas – com mais “ou” menos justiça, deve-se reconhecer e ressaltar.
Muitas variáveis interferem nos resultados – ou, melhor dizendo, na qualidade do atendimento de saúde e na formação educacional -, levando a outras infinitas ponderações, por consequência.
Uma delas, exemplificando: a Educação certamente não é perfeita, mas acolhe a praticamente todos aqueles que a buscam, deixando raros brasileiros fora da rede, partindo das creches até o ensino médio.
Ainda oferece uniformes e alimentação, fora o exemplo constante de abnegação e amor mesmo pela profissão, “em geral”, demonstrado pelos professores.
Outro exemplo: não fosse o tão “malfalado” SUS, o Brasil teria se tornado um imenso cemitério durante a pandemia de Covid-19 – por mais que o negacionismo ainda presente queira enterrar a cabeça na terra (plana) do extremismo.
Portanto, vale observar pelo menos um dos aspectos dos desafios enfrentados pelo sistema de saúde, comentados em artigo pelo coordenador médico do Hospital São Marcelino Champagnat, José Arthur Brasil. A ele:
“O trabalho dentro de um hospital é complexo devido a diversas camadas de atendimento que são necessárias para abranger as necessidades de todos os pacientes. É preciso gerenciar altas complexidades, como cirurgias de emergência e a necessidade de utilização de UTI, bem como demandas eletivas para procedimentos pré-agendados e consultas marcadas com especialistas. No entanto, é o fluxo do Pronto Atendimento (PA) que escancara o maior desafio da rotina hospitalar.
O Pronto Atendimento é o local que concentra queixas distintas de pacientes que buscam atendimento com graus de complexidade diferenciados. Em uma mesma porta de entrada, encontram-se pessoas com dor de cabeça, dor de garganta, diarreia, até pacientes com crises renais graves, dores agudas no peito e suspeita de infarto, confusão mental e a possibilidade de Acidente Vascular Cerebral, hemorragias. Por essas peculiaridades é que o Pronto Socorro (PS) é um setor altamente delicado de atendimento em saúde.
Ninguém procura o hospital se está bem. Todos possuem queixas legítimas, estão sensibilizados e precisam ser bem atendidos. No entanto, um paciente que está apenas com cefaleia simples, sem outros sinais de complicação, não terá prioridade frente a casos de pacientes com dor no peito, por exemplo.
Uma das explicações para a grande demanda e complexidade de atendimento no PS é a falta de estrutura de qualidade nas Unidades Básicas de Saúde. Muitos dos pacientes que procuram o setor de emergência hospitalar têm queixas que deveriam ser atendidas em consultas da especialidade de família ou clínica médica. São atendimentos que deveriam ser realizados pela atenção básica em saúde.
Há diversas campanhas governamentais, iniciativas municipais, principalmente, para alertar cidadãos sobre a busca mais efetiva de atendimento de saúde.
Instituições particulares e beneficentes também têm se engajado, mas não é apenas a informação que precisa ser repassada de forma precisa. De nada adianta o cidadão saber aonde deve ir, se o atendimento não ocorre.
São muitos os cenários em que o paciente busca atendimento no setor primário, mas não consegue uma consulta ou mesmo tem seu agendamento marcado para dali alguns meses, o que também dificulta o acompanhamento eficaz.
A própria relação dos brasileiros com a saúde também impacta nesse fluxo. Muitos pacientes não possuem mais um médico de referência, que conhece seu histórico de saúde e seria um ponto de contato nesses momentos e de distribuição da carga de atendimento. Assim, quando há alguma queixa ou algo que chama a atenção na saúde, é nos prontos atendimentos que eles buscarão apoio.
Para além de apontar dificuldades, é preciso buscar soluções. Investir em ferramentas de gestão do PA parece o melhor caminho. Uma triagem eficaz é ponto crucial para que isso ocorra.
Os profissionais que estão à frente desta tarefa precisam ser muito bem treinados tecnicamente, mas também possuir habilidades comportamentais como paciência, empatia e boa tomada de decisões quando o cenário fica mais complexo.
Grande parte das instituições de saúde trabalha com o Protocolo de Manchester, que é um método de classificação para determinar quais são os atendimentos prioritários na emergência. Com ele, quem chega ao PA é identificado por cores, dependendo da urgência de atendimento.
Pacientes com vermelha devem ser atendidos imediatamente. Aqueles com a cor laranja exigem atenção, e devem ser atendidos com prazo de 10 minutos, aproximadamente. A cor amarela indica casos não imediatos, em que a espera pode chegar a 1 hora. A identificação verde é para pacientes menos graves, com espera estimada em 2 horas. E a cor azul é para quadros simples de saúde, com espera de até 4 horas.
Esse protocolo foi inventado no início da década de 1990 e começou a ser implantado em hospitais do Reino Unido. O método é eficaz, mas, ao longo dos anos, vem dividindo experiências com outros formatos de classificação e atendimento.
Um deles é o chamado Fast Track, conceito que abrange a necessidade de acelerar processos médicos e garantir celeridade no atendimento ao paciente. Para funcionar, é essencial que a avaliação no Pronto Atendimento seja criteriosa.
Na prática, o Fast Track alivia a demanda no PS ao prever um espaço separado em que pacientes com menor complexidade são encaminhados.
Nesse local, todos são atendidos com mais rapidez, já que as queixas são simples e preveem também protocolos mais fáceis de administrar.
É como se houvesse a possibilidade de acelerar o atendimento a partir da identificação de que o problema de saúde não necessita de internação ou de intervenções invasivas. A ideia é trazer a eficiência como ponto central para o paciente, sem deixar de lado segurança, qualidade e atendimento especializado.
Sabemos que daqui para frente outros tantos protocolos e iniciativas que buscam melhorar a experiência do atendimento do paciente surgirão. A inteligência artificial deve cada vez ser mais aplicada e servir como um apoio nesse sentido.
A própria relação com a saúde vem mudando no mundo todo. Mas o que não vai mudar e precisamos ter clareza é que os pacientes estão ali em busca de acolhimento.
Todos os pontos de melhoria e inovação devem buscar oferecer assistência e resolutividade que garantam a cada um que está ali ser visto em sua individualidade.
Cada esforço que contribui para a otimização de recursos hospitalares e para a diminuição da pressão no sistema de saúde é válido. E o trabalho é coletivo. Precisamos todos — pacientes, profissionais e gestores — nos unirmos nesse caminho.”