O Nobel de economia e a bolha brasileira





A economia é uma ciência bastante inexata, e sujeita a correntes teóricas e filosóficas de diversos matizes. A começar pelo escocês Adam Smith (1723-1790), economista e filósofo, pai do liberalismo; Keynes (1883-1946), o homem da macroeconomia da escola de Cambrigde – sim, por divergirem eles têm escolas instaladas nas grandes universidades -; o escocês Kenneth Galbraith (1908-2006), também da linha de Cambridge, foi assessor do presidente Kennedy e publicou uma severa crítica à economia norte-americana (“A Sociedade Opulenta”, de 1958). Seu livro “A Era da Incerteza” (“The Age of Uncertainty”) foi transformado em um dos mais belos filmes de animação: a moeda, o crescimento da economia mundial e o capitalismo. O filme está disponível no Youtube em diversos capítulos, com o título em português. Antes dele, o alemão Karl Marx (1818-1883) abraçou mais ramos do conhecimento, além da economia: filosofia, história, ciências sociais e literatura. Muito embora tenha sido um dos ideólogos do comunismo, Marx criou teorias empregadas até mesmo pela chamada direita: mais-valia e menor valia, poder econômico e poder político, entre tantas outras.

A teoria econômica tem diversas “escolas”, mas o rigor científico nelas é o das propostas, e não a conclusão matemática final – seja sobre assunto passado (história), a análise do presente e, do futuro, ou aquilo que presumivelmente deverá acontecer. O Brasil tem grandes economistas formados no MIT (Massachusetts Institute of Technology), como André Lara Resende e Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, além de nosso ex-secretário de cultura e ex-vice-diretor do BID, João Sayad. A pomposa Harvard University nos deu Gustavo Franco, ex-BNDES, assim como Henrique Meirelles, ex-Bankboston e ex-Banco Central. Mas as disputas hoje ficam entre Chicago e Yale.

O prêmio Nobel de Economia 2013 foi dividido em 14 de outubro entre dois baluartes da Universidade de Chicago, Eugene Fama, 74, o festejado Lars Peter Hansen, 60, e um da Yale University: Robert Schiller, 67. Vou me deter em Schiller, que tem pesquisado o mercado de ações, além de ser um estudioso do mercado imobiliário brasileiro. Diz ele que os preços do mercado de imóveis no Brasil, muito especialmente no Rio e em São Paulo, são alarmantes. Pensa que o fenômeno japonês de 1980 pode se repetir, ou ainda a famosa “bolha imobiliária” que estourou nos EUA em 2006, ameaçando a volátil economia americana e sacudindo o mundo inteiro. Schiller havia alertado sobre o risco da “bolha” americana, e foi atacado. Hoje, passado o tsunami da “bolha”, Schiller é merecidamente contemplado com o maior prêmio que um cidadão do mundo pode receber.

Na semana passada, nesta mesma coluna, escrevi o artigo “A pior qualidade de vida em poucas lições”. Eu não conhecia Schiller, e menos ainda poderia adivinhar o resultado do prêmio Nobel. Tratou-se de uma coincidência entre minhas intuições amadoras e a erudição de um gênio em seu ramo, que não “toco” nem “de ouvido”.  Na coluna, tratei do excesso de aberturas ao financiamento, por parte do governo, de uma queda nos juros que foi (e já não é mais tanto) atrativa, da ampliação do uso do FGTS, da queda do IPI para estimular a indústria da construção – resumindo, um estopim para o “estouro” de uma possível bolha brasileira (se Schiller não garante, como disse, quem seria eu, pobre mortal?). Se o preço dos imóveis no Rio e em São Paulo começar a desabar, haverá fuga do mercado, inadimplência e o abandono de prestações altíssimas para imóveis cujo valor pode cair em queda livre, ao estilo do fenômeno americano, com uma deterioração nos preços finais dos imóveis que poderia por em risco a economia do país. O velho Marx dizia que a história se repete, e da segunda vez como farsa. Tomara que não.

No texto, citei os apartamentos de luxo de mais de 20 milhões na vila Olímpia, em São Paulo, e dos que ficam na orla de Ipanema e Leblon, no Rio, que chegam a R$ 26 milhões para os “top”, enquanto um castelo em Toulouse, na França, é anunciado por R$ 3,6 milhões. Passamos pela rua 25 de Março, no centro de São Paulo, onde uma lojinha de 100 m2 pode valer R$ 1,2 milhão, até o suprassumo do absurdo: um apartamento de R$ 266 mil na vila Olímpia com ótimo acabamento (perto de restaurantes finos, vizinhança de primeira, comércio chique) – só que com míseros 19 m2 – barracos dos menores empilhados em uma favela vertical de luxo. Nos últimos cinco anos, em São Paulo, o tamanho médio dos apartamentos caiu quase 25%, mas o preço subiu 124%, bem mais do que o dobro.

Esse tratamento de altíssimo risco para conter o índice de desemprego, desovar material de construção, estimular a aquisição de imóveis e ampliar o uso do FGTS para a compra de moradia própria, tem sido o combustível de boa parte das cifras de nossa economia. Porém, volto ao Schiller, com sua argúcia e precaução: essa ciência, economia, é a história do passado, o cálculo e observação do presente e a filosofia do futuro (e não a “futurologia” de que falava um grande economista, fiel soldado da ditadura, Delfim Netto). Por isso, Schiller nos deixa o benefício da dúvida quanto à “bolha” brasileira, dizendo que “não cravaria isso”. Porém, quem vê esse momento, mesmo que com óculos de amador, sabe que é impossível os preços subirem mais. Quando muito, cairão a um patamar aceitável. Resta esperar e torcer para que a suposta “bolha” seja como aquelas que dão no pé, quando o sapato é apertado: incha, estoura, dói um pouquinho mas logo passa.