
Aqui, Ali, Acolá
José Ortiz de Camargo Neto *
“Além, muito além daquela serra, que ainda azula o horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.”
Assim principia seu romance “Iracema” José de Alencar, o mais importante romancista romântico brasileiro.
A história que desenvolve, misturando prosa e poesia, retrata o amor que surge entre lracema, índia da tribo Tabajaras, com o português Martim, no cenário da selva brasileira.
Ao se defrontar com o estranho guerreiro que “tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas, ignotas armas e tecidos ignotos”, a bela índia, num gesto de defesa, dispara uma flecha em direção ao desconhecido…
A seta atinge-lhe o rosto, e o primeiro ímpeto de Martim foi levar a mão à cruz da espada, “mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida”.
Ao ver a expressão terna do português, a índia arrependeu-se de seu gesto. “A mão que rápida ferira estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida; deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
– Quebras comigo a flecha da paz?
Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?”
Com esta história de amor, Alencar retrata a mais comum forma de união (miscigenação) havida no Brasil nascente. Inspirou-se, aliás, o romancista na história verídica do casamento entre Jerônimo de Albuquerque, nobre português, com a filha do cacique Uiba Uri, a indígena pernambucana Muira Ubi.
Dentro de seu projeto de adequar a literatura ao nacionalismo literário, José de Alencar escreveu também “O Guarani”, narrando, neste romance, a paixão de um índio (Peri) pela portuguesa Cecilia.
Aliás, dentro desse mesmo espírito, José de Alencar escreveu romances regionalistas (“O Sertanejo”, “O Gaúcho”), históricos (“As Minas de Prata”) e urbanos (“Senhora”, “Lucíola”).
Com isso foi retratando, de forma idealizada, muito de nossa autêntica realidade. A mestiçagem incrível do Brasil que o diga!
Até breve.
* Jornalista e escritor tatuiano.