O mundo gira, o Brasil acorda





O título acima, um “achado” de criação, é inspirado em um reclame antigo: a terra gira, a transportadora roda! Esse slogan de uma companhia de mudanças tornou-se ditado popular, e perenizou-se. Curiosos também os versos (1918) de Bastos Tigre, do tempo dos bondes: “Veja, ilustre passageiro, o velho tipo faceiro que o senhor tem a seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o o Rhum Creosotado!” (Aliás, onde anda a poesia nos anúncios de hoje?). Ao assunto, pois:

A humanidade anda rodando para trás, prova é a organização terrorista Estado Islâmico, nada a ver com Islã ou Maomé.  E o fundamentalismo que arrasta o Brasil, com tantos morcegos pendurados nas tetas da república? Corruptos acham normal suas pegadas, digitais e batons em golpes vultosos; no mínimo, deveriam se penitenciar diante do país – e devolver a César o que é de César. Escudam-se no ditado “o que não me mata, me faz mais forte” (“what doesn’t kill me makes me stronger”). No Japão, corrupção é crime bárbaro, chegam a cometer o haraquiri, suicídio com facão no ventre. Mas os “nossos” desafiam a justiça, arrotam bravatas, cospem arrogância e soberba, personagens de ópera bufa particular, a ópera cômica italiana. Um dos marcos desse gênero, “Così fan Tutte”, “Assim Fazem Todas” (1790), de Mozart, bem poderia ser lido nos dois gêneros: “Assim Fazem Todos”. Homens e mulheres encastelados no poder deixam mamar poderosos capitalistas a troco de gorjetas milionárias, Robin Hoods às avessas: saqueiam a nação em benefício da “nobilíssima” causa própria de se tornarem cada vez mais poderosos e opulentos. Todos filhos bastardos da chamada “Lei de Gérson”, parida ao acaso em um anúncio de cigarros estrelado por um jogador de futebol, “diploma legal” que não encontra amparo em qualquer código brasileiro – até mesmo porque se locupleta ao arrepio de alguns deles. Ingênuo, o campeão mundial aceitou dizer na propaganda: “o brasileiro gosta de levar vantagem em tudo”, e amargou ver, no futuro, seu nome atrelado ao pior mau-caratismo.

Se a “Operação Mãos Limpas” (“Mani Puliti”) italiana prendeu centenas de pessoas, não fechou de vez o pano da ópera cômica no país em que o gênero musical surgiu. Lá a corrupção ainda continua, ao estilo da máfia de origem medieval, da Camorra napolitana (séc. 19) ou da calabresa, exportadas até para os EUA, mas houve redução sensível na bacanal dos poderosos. Eu tinha certa ilusão quanto à “Mãos Limpas”, até que, com um amigo italiano, fui a um almoço na casa de uma insuspeita autoridade daquele país –  pessoa que, por óbvio, não identificarei. Afirmou-me que no Brasil as coisas andavam bem melhor do que em seu país. A segunda decepção foi culinária: no Brasil não se come pizza, mas uma papa de molho e queijo com coberturas enormes sobre massa comprimida e inflada. Mas pizza, esqueci-me de dizer-lhe então, aquela turma do andar de cima divide de todos os tipos.

Na Mauritânia norte-africana, o Império Romano chamava “moros” os de pele amorenada, e mais morenos ficaram após a conquista da região pelos muçulmanos (séc. 7). Já a frase de Cícero (103-46 a.C.) “O tempora, O mores”, caberia nos dias de hoje: “Oh, tempos, oh, costumes”. E moral (do latim “moraālis”), significa boa conduta, honestidade. O primeiro casal Moro italiano imigrou para o Brasil em 1877.

Sergio Moro, 43 anos, formou-se em direito em 1995, e em 1996 já passava em concurso para juiz federal. No ano seguinte, fez um curso na Harvard, e depois uma especialização em lavagem de dinheiro no U. S. Department of State. É mestre e doutor. No caso Banestado, decretou temporariamente a prisão de 97 pessoas por evasão de divisas. Foi juiz auxiliar no julgamento do “Mensalão”. Na operação “Farol da Colina”, prendeu temporariamente 103 pessoas. Auxiliado pelo Ministério Público e a Polícia Federal, é o maestro da operação Lava Jato, o mais profundo de todos os golpes de corrupção brasileira de altos coturnos. A estratégia de Moro foi precisa: além do cuidado de separar os que têm foro privilegiado para serem julgados pelo STF, colhendo antes provas robustas à custa de informações dos empresários ligados às falcatruas, obteve agora na Procuradoria Geral da República uma denúncia inédita, acatada pela Suprema Corte, contra um senador e ex-presidente da república e o presidente da Câmara. Pensava-se que os mais recentes membros indicados à corte poderiam pender para um lado – dos 11, apenas 3 não foram indicados nos dois últimas governos -, e “comeriam na mão de seus padrinhos”. E nem mencionam o “cria cuervos y te sacarán los ojos”. O acesso ao mais alto status no Judiciário implica em campanhas e visitas, não muito diferente da disputa por uma vaga na Academia de Letras. Mas os fatos têm desmentido, em sua maioria, um “toma lá, dá cá” geral.

Certa mudança na celeridade do STF eu pude constatar pessoalmente: um agravo de 1999 foi decidido a meu favor, após sete longos anos de espera! Um segundo, já neste ano de 2015, levou apenas dois meses, tirado o recesso judiciário, e destaco uma frase-símbolo para mim: “Este agravo somente serve à sobrecarga da máquina judiciária, ocupando espaço que deveria ser utilizado na apreciação de processos da competência do Tribunal”. Com cem mil processos na fila, é natural que o STF se concentre nos temas que repercutirão no futuro deste país. A esperança é grande. Não haverá milagre, mas é possível, nesse momento de amargura, sentir algum otimismo com esses novos ventos. O Brasil acorda.