Clóvis Teixeira Filho *
O Dia dos Namorados aqui no Brasil tende a ganhar novos sentidos neste ano, assim como foi no ano passado. O contexto de distanciamento social e finitude da vida, intensificados pela pandemia, mas também pela inabilidade com que lidamos com a situação no país, faz emergir os afetos possíveis e as redes de relacionamento.
A valorização de namoros e casamentos tende a se diversificar no apoio de amigos, nos laços familiares e nas pessoas que apreciamos, mas com as quais diminuímos o contato. Um Dia dos Namorados pandêmico e à brasileira.
Adaptado ao Brasil já em deslocamento à data de São Valentim no dia 14 de fevereiro, a comemoração aqui não poderia ser – ironicamente – em meio ao Carnaval.
Dessa forma, para aquecer as vendas do comércio em junho, o presentear foi uma estratégia de João Doria (pai do atual governador de São Paulo) para solucionar as angústias do seu cliente varejista.
O publicitário não abandonou os santos e sim apostou no já midiático Santo Antônio. Com a proximidade de datas – o dia do santo é em 13 de junho – se estabelece um ritual aos amantes e aos não amados.
Além das diferenças entre santos, a cultura brasileira traz complexidade e ambiguidade de difícil tradução. Tarefa administrada pelos produtores de memes na internet, com boas doses de sarcasmo.
Anteriores à circulação digital, outros pensadores resumem o contexto nacional. Roberto Da Matta nos apresentou o sincretismo brasileiro e seus rituais, entre Carnaval e procissão, além das personagens contraditórias tão presentes hoje em dia.
No amor, o escritor Nelson Rodrigues não foi diferente: retratou a hipocrisia, os melindres de uma classe média urbana, em contraste com seus comportamentos.
E a personagem Iracema, do escritor José de Alencar, mostra o choque de culturas por meio do romance, ainda que se tenha sobreposto à condição europeia, o que parece não ter acontecido com a data dos amantes.
Até em meio a uma vida seca o afeto possível brota nas palavras de Graciliano Ramos com a cadela Baleia. Assim seguimos, comemorando os afetos possíveis entre autoritarismo, machismo, samba e, agora, cervejas artesanais e nossos poucos vacinados.
Os cenários de incoerência nos acompanham. O homem que age pela emoção, que dá um jeitinho e uma carteirada, descrito desde os anos 1930, continua entre nós furando outras filas. Até ele diz também amar: ama a si mesmo e à sua família.
Já os divórcios aumentaram, segundo a Central Notarial. É difícil aguentar a si mesmo na quarentena, imagina o outro. Qual será a bandeira para os restaurantes nessa data, mesmo com ampliação de casos da Covid-19? Parece que as contradições não cessam e definham a comemoração do amar.
Somos seres sociais e temos uma exaustão atual comum a todos que retoma a importância do afeto, e não apenas na comunhão entre pares. A linguagem do consumo e seus rituais nos coloca agora em contato com nossas redes virtuais ou materiais em busca de acolhimento, de sorrisos e diversão para enfrentar mais uma crise.
Que nossos amantes, amigos, animais e objetos façam brotar novos paradigmas para as tristezas recentes, comemorando o poder da união mesmo com distanciamento.
(*) Doutorando em ciências da comunicação pela Universidade de São Paulo e coordenador de pós-graduação na Área de Comunicação do Centro Universitário Internacional Uninter