No escurinho do cinema (Parte 1)





Bem, eu nunca escondi que sou apaixonado loucamente por Tatuí. E o mais incrível é que esse amor louco vem desde a minha infância. Essa loucura pela cidade, seus habitantes, suas histórias, seus heróis, sua pujança, suas lutas, suas músicas, seus doces, festas. Enfim, sua trajetória desde 1952, quando eu cheguei ao mundo pelas mãos e pelo amor do casal Maria Aparecida Voss Campos (de quem eu herdei o meu sobrenome, ou nome, sei lá?) e do meu querido pai, professor Diógenes Vieira de Campos.

Lembrei-me que, aos 12 anos, eu estudava na escola “João Florêncio”, com o professor Cândido Sobral de Oliveira, e surgiu um concurso de redação. Isso, no terceiro ano do “Grupão”, como era conhecido.

Acabei indo atrás de informações na Prefeitura, na Câmara, com pessoas ligadas à história dela, no museu e, resumindo, coletei os dados e fiz a tal redação. Para minha surpresa, acabei vencendo, e tive o prazer de participar ao vivo do programa do Pharaylio, na ZYL 5 Rádio Difusora de Tatuí, na praça Paulo Setúbal, ao lado da Igreja do Rosário, onde lia a minha redação, ao lado do meu pai, que, na época, andava de terno e chapéu de feltro. Um charme de homem!

E, daquele dia em diante, comecei a viver intensamente a minha vida focada na história, no dia, no tempo, no progresso da nossa “Cidade Ternura”. E, agora, aos 63 anos de idade, sinto uma sensação incrível quando passo por alguma rua onde tinha uma casa, ou um prédio, com estilo diferente, e ambos já não estão mais lá. Foram demolidos.

Confesso que sinto uma pontada dentro do coração, mesmo sabendo que o progresso pede essas mudanças. E assim é, e assim será. Mas, como diz o comercial de uma financeira, a vida passa e o tempo voa.

E lendo esse bissemanário em dois momentos distintos: na edição de 27 de dezembro de 2015 – “Wilson Bertrami relembra Natais passados”. Aos 88 anos de idade, ele relembrou fatos incríveis da sua vida e, em certo ponto do texto, comentou que: “A cidade tinha no centro três grandes cinemas. O cine teatro São Martinho era de uma beleza arquitetônica impressionante”. Inclusive, temos uma foto do Theatro São Martinho da década de 30-40, onde ele revelou ser lá o ponto de encontro da juventude de sua época.

No segundo momento, neste mesmo bissemanário, datado de 24 de janeiro de 2016, o texto “Simeão Sobral à espera da tocha olímpica. 2016 será especial para o aposentado que vai completar um século em novembro”, no qual, também, a certa altura, ele declara que: “Nós tínhamos o cinema São Martinho, que era o ponto principal de atração, e o jardim em frente à Matriz”.

Não bastando essas duas lendas tatuianas, vivas, graças a Deus, meu pai Diógenes, aos 95 anos de idade, a terceira lenda viva, também relata, com muita clareza e saudade, o que representou esse cinema na vida dele, nas matinês, aos domingos, onde, então, conheceu a minha mãe, numa história cheia de amor e carinho até hoje lembrada.

Fiz essa abertura histórica para, a partir deste momento, contar a minha vida nos três cinemas de Tatuí, ressaltando a sua importância, para que, hoje, graças à memória e meus arquivos, pudéssemos voltar no tempo e saber um pouco mais sobre a arte do cinema.

No jornal “Tribuna do Povo”, datado de 19 de novembro de 2000, à folha 8, o repórter João Levi relatou que: “O senhor Milton Stape, em uma palestra no Rotary contou, que: ‘Em 15 de novembro de 1908, um senhor chamado Antenor de Carvalho, que era cinematógrafo, passou por Tatuí. E concluiu que a cidade já comportava um deles.

Nos anos 20, Manoel Guedes construiu o Cine Theatro São Martinho, onde eram apresentadas peças teatrais e cinema mudo. E que era animado por uma excelente orquestra que fazia fundo musical dos filmes, com músicos como João Del Fiol, Bimbo Azevedo e outros.

Em 1926, um incêndio destruiu o cinema. Porém, como ele era muito caprichoso, reconstruiu as paredes e o telhado’”.

Em 1939, o senhor Alberto Stape comprou o cinema por 700 contos. Conta a história que, no dia da inauguração, um fato interessante ocorreu: um humorista chamado Mazzaropi, que estava com o seu circo montado no terreno do banhado (local onde está o Conservatório) pediu para fazer a inauguração.

Porém, quem tinha sido convidado para aquele evento foi Procópio Ferreira. E, mesmo depois de famoso, o humorista não perdoava o episódio ocorrido em Tatuí.

O professor Milton Stape recebeu, do pai, a proposta de gerenciar os cinemas, pois ele era o mais velho dos três irmãos. Como estava com o pai desde os 11 anos, não hesitou, pois, naquele tempo, professor ganhava somente oito mil reis.

O Cine São Martinho foi reinaugurado em 5 de janeiro de 1939, com o primeiro longa-metragem em desenho animado: “Branca de Neve e os Sete Anões”.

No dia 1º de novembro de 1935, foi inaugurado o Cine São José, que apresentou seu primeiro filme, “Scarface”. Tanto o São Martinho como o São José possuíam as poltronas Pullman, numeradas e almofadadas, pois as pessoas poderiam reservar seus lugares para não perderem as sessões de sábado e domingo, que lotavam os cinemas. E elas ficavam na parte superior dos prédios. O São Martinho tinha capacidade de 200 lugares.

Quando Alberto Stape faleceu, em 1953, havia, ainda, duas prestações a pagar na compra do Cine São Martinho. Ele não chegou a conhecer o que seria o terceiro cinema, o Santa Helena, inaugurado em 1955 e administrado pelos três filhos.

Os três irmãos trabalharam no cinema de lanterninha à bilheteria, estudando ao mesmo tempo em que se formaram. Ficando para Milton Stape a tarefa de continuar o que fez por mais 40 anos, aposentando-se como empresário de cinema.

Os Stape abriram outros cinemas na região. Em Laranjal Paulista, Piedade, Cerquilho e Porangaba, formando uma pequena rede, pertencente à Empresa de Cinemas Alberto Stape Ltda.. Porém, surgiu a televisão e, com o surgimento do videocassete, foi o golpe final. E nem mesmo uma empresa de Botucatu, que mantinha uma rede de 40 cinemas e que tentou arrendar o São José e o Santa Helena, conseguiu livrá-los da falência.

O videocassete foi o golpe final. Bem antes de aparecer em cena, o vídeo já era conhecido por Milton Stape. Foi em uma visita a uma produtora em São Paulo, a Arte Filmes, que um diretor traduziu um telegrama da Itália, revelando a Milton Stape sobre um aparelho no qual se podia colocar o filme e assisti-lo na TV, em casa.

Parte dessa história eu citei na entrevista feita por Sérgio Carvalho na revista “A Região Hoje”, ano 2, número 3, janeiro/fevereiro de 1996, páginas 46 e 47, com o título “A Última Sessão do Cinema”.

Bem, em 1977, o Cine São Martinho foi vendido e passava pelo processo de demolição quando eu, com uma máquina sem muitos recursos, fotografei a sua fachada e a parte interna. E não escondo de vocês que até chorei de ver tudo aquilo no chão, e de tudo o que ele representou na minha infância e parte da minha linda juventude.

Chegando à minha casa, peguei uma folha de papel e me pus a escrever um texto com o título “O Guardião da Praça”, que foi publicado na revista “Aldeia Global”, ano 1, número 7, página 17, março de 1977. Texto que eu fiz questão de reproduzir, nesta coluna, com a mesma grafia de 39 anos atrás.


O Guardião da Praça

Luiz Antonio Voss Campos

Quem passa pela Praça da Matriz talvez não tenha tido tempo nem curiosidade de olhar para ele. Talvez o perigo pelo qual temos no nosso trânsito, ainda mais naquele trecho da cidade, com semáforos e grande movimento de carros, impeça-nos de vê-lo.

É um prédio atualmente “deixado ao léu” para valorizar, feio, sem atrativos que chamem a atenção dos transeuntes. Mas “quem te viu e quem te vê, hein?!!”

Esse prédio que já foi um dos mais bonitos de Tatuí, que assistiu a quantos namoros, quantas paqueras, quantos flertes. E as filas de pessoas nos dias dos melhores espetáculos.

Começava na sua bilheteria e ia até onde está o Banco Nacional (Casas Bahia). Quantas vezes havia necessidade até de guardas virem para acalmar os nervos dos mais esfuziantes.

Na matinê de domingo, às 14h30 da tarde, quantas crianças, até meninos nos seus 14 e 16 anos iam para ver a vibração da molecada na hora da famosa briga do “mocinho com o bandido”, na qual o chapéu do mocinho nunca caía, os revólveres que nunca acabavam as balas, e o herói, depois de lutar contra tudo e contra todos, saía-se vencedor sob os aplausos da plateia.

Quando o gongo soava às 14h28 era o primeiro sinal; às 14h29, o segundo sinal; às 14h30, o terceiro sinal, as cortinas se abriam e começava a nossa viagem pelo fantástico mundo dos filmes. Esquecíamos-nos de tudo, e quanta folia! Quanta alegria! Quantas balas! Pipocas! E chicletes!

Ah! E o tempo dos gibis? E a gente trocava um por dois ou dois por um, e sempre achava que era um “negocião”.

Acabava a sessão às 16h30, a saída da massa humana era até bonito de ver: a multicoloração das camisas, novas transas, e o sol com seus raios amarelos quase que nos cegava, anunciando que a tardinha já vinha calma e lenta.

Lembro-me que um dia, à noite, nos meus oito ou dez anos – não me recordo – fui até a praça para comprar “não sei o quê”. E, quando cheguei, vi o mais belo espetáculo de toda a minha infância. Aquela infinidade de luzinhas que se acendiam e apagavam consecutivamente, dando a impressão que mil luzes corriam pelo retângulo iluminado.

Cheguei em casa e, nesse dia, até sonhei com a maravilha que havia presenciado.

Tatuí, naquele tempo, era mais calma. Na praça, havia o Clube Recreativo (atualmente, Casas Pernambucanas), a praça com seus bancos convidativos e ELE, e nesse círculo ficavam os que na noite, após o jantar, não faziam nada. A televisão desse tempo era melhor, não tinha essa “bestificação visual”, que causa crises nervosas a todos os que assistem e tornam “fanáticos”.

Você já percebeu que as pessoas comportam-se perante um aparelho na “hora da novela”? Ficam mudas e estúpidas, sofrendo e atraindo a dor dos personagens para si.

E quando “dava na telha”, íamos para lá. Talvez nem o nome do filme sabíamos. Mas era bom, pois causava maior impacto. E, lá dentro, quase sempre aparecia um amigo para conversar ou assistir ao filme. Nesse tempo, as pessoas eram mais pessoas (mais gente), havia maior diálogo.

Sessões populares: duas por “não sei quanto” e a sessão das moças (às quartas-feiras), só filme de amor (comprava-se ilusão por tão barato), e você teve o orgulho de assistir a inauguração da “fonte luminosa”. Quantas cores! Quantos sorrisos estampados na face das pessoas que por lá passavam!!!

Mas o tempo foi passando e a técnica mundial aperfeiçoando tudo. Começou a concorrência com a TV, pois, com a facilidade apresentada, todos quase que compravam.

E você? Você foi perdendo a disputa, acabando de uma hora para outra por sofrer modificações, e daí para o inevitável foi um pulo!

Você foi VENDIDO, e eu sinto cada vez que passo defronte a você, o seu murmurar silencioso, clamando: “Piedade, piedade”.

Mas qual nada, atualmente os nossos corações serão surdos e nada escutamos.

E você, coitado! Fica esperando a hora do fim, para acabarem de vez com essa sua agonia.

O que será? Você será esquecido? Creio que nunca, mas só o tempo dirá.

O destino ainda foi bom com você… Outro dia, com uma lufada de vento, arrancou uma chapa que cobria seu nome e deixou, apesar de pequeno, o seu nome como num túmulo gravado: São Martinho.

******

Os mais velhos já sabem que onde era o Cine São Martinho virou Banco Itaú, e onde era o Cine São José virou Supermercado Barbosa, na rua Santa Cruz, próximo à Praça da Santa.

Nessa história da vida dos cinemas em Tatuí, eu gostaria de me lembrar do seu Henrique Olivieri; do Jaime; da dona Inezita, que vendia balas dentro do cinema; do baleiro defronte ao cinema, que, aos domingos, montava sua banquinha com balas de café, abacaxi e coco; do pipoqueiro seu Justo; do Zé Antonio de Fati Ferreira; o Zé do cinema, que está com Luis e Miguel desde a reinauguração do Cine Santa Helena; e, também, do meu amigo Luis Alfredo Teles, Xará, que era o homem que trabalhava na projeção e, às vezes, levava os rolos de filme de um cinema para o outro.

Enfim, muitas pessoas que fizeram a história dos cinemas mais rica na minha juventude, que eu também não citei, mas que se sintam representados.

E, agora, vamos à parte boa e cultural desta matéria nostálgica sobre os cinemas de Tatuí. Do que restou aqui em termos de cinema.