Em artigo recente, o promotor de Justiça de defesa do consumidor, do Ministério Público de Minas Gerais, e coordenador do site e do “podcast” “Educação Financeira para Todos”, Lélio Braga Calhau, lembra que, em momentos de crise, há necessidade de se prestar ainda mais atenção quanto aos produtos e serviços oferecidos e prestados, de tal forma que o consumidor evite ser lesado.
Ele sustenta que a crise financeira está nos levando a reavaliar padrões de consumo e buscar novas formas de mantermos o equilíbrio financeiro. “Chegar ao fim do mês no azul está cada vez mais complicado com o aumento da inflação. De outro lado, os fornecedores também tentam manter as empresas funcionando (com lucro)”, aponta.
“Cortes de despesas, redução de colaboradores, melhoria da eficiência interna, entre outras ações, estão sendo implantadas por todo lugar. Quem não se rende a isso pode até correr o risco de fechar”.
“A criatividade, então, está sendo usada por ambos os lados: consumidores e fornecedores. Todavia, o consumidor deve ficar atento, pois alguns maus fornecedores estão tentando se aproveitar desse momento de crise para aumentar os lucros agindo com ‘práticas abusivas’ por meio de pequenos golpes. O consumidor não deve permitir que atos de picaretagem prejudiquem os seus direitos”, segue ele.
A lógica dessas “ações picaretas”, segundo o promotor, assenta-se no fato de que alguns fornecedores se aproveitam de que muitos brasileiros preferem não “comprar briga”, quando se veem diante de uma cobrança abusiva, “e vão aplicando pequenos golpes a dezenas, centenas ou milhares de pessoas seguidamente, causando prejuízos em toda a sociedade”.
Na sequência, o promotor reconhece que a Justiça é lenta e cara, da mesma medida em que a fiscalização peca pela ineficiência. “Não há fiscais, analistas, promotores e juízes suficientes para dar uma resposta em pouco tempo para atos ilícitos contra o consumidor (notadamente os pequenos)”, argumenta.
“Esses maus profissionais buscam enriquecer se aproveitando disso. É o que conhecemos no Brasil como ‘se colar, colou’. Eles lesam as pessoas, se um ou outro reclamar, ainda lucram muito”, avalia.
E segue: “O que quero dizer é que não aceitem picaretagem. Sejam assertivos, claros, diretos, educados, mas firmes na defesa dos seus direitos. Se a lei municipal diz que o taxímetro deve ser ligado pelo taxista na sua frente, exija isso e não abra mão do seu direito. Insista de forma firme, comunique saber os seus direitos e informe que irá acionar os órgãos de fiscalização. O fato de não ter fiscal no momento ou a demora de uma multa ser aplicada não são um ‘cheque em branco’ para maus profissionais tomarem o seu dinheiro de forma ilegal. Seja firme, não grite, não ofenda ninguém, mas exija de forma clara o respeito a um direito seu, como consumidor”.
Concluindo, o promotor reitera: “Bom fornecedor respeita o consumidor e mau fornecedor tem pavor de consumidor assertivo e consciente de seus direitos”.
Tudo correto e pertinente neste momento, quando, de fato, o “salve-se quem puder” acaba intensificando o já habitual oportunismo cotidiano.
Não obstante, apenas seria interessante observar que a picaretagem não pode ser reputada como qualidade exclusiva e inerente de um grupo em particular. Pior ainda: de supostos poderosos frente a fracos e oprimidos, numa visão tão maniqueísta quanto ingênua e ela própria oportunista (politicamente, em termos de populismo).
Essa “coisa” da malandragem, da Lei de Gerson (de “tirar vantagem em tudo”), não faz distinção entre consumidores “sempre” coitadinhos versus prestadores de serviços “100%” desonestos e comerciantes “invariavelmente” sacanas.
A eventual safadeza é do ser humano, não da condição em que ele se encontra, gastando ou ganhando dinheiro. Há consumidores, por exemplo, que não ficam frustrados quando encontram produtos vencidos em supermercados, identificando-os como oportunidade para poderem promover pequeno escândalo diante do caixa e, assim, auferirem alguma vantagem.
Da mesma forma, não seria malandragem menor a atitude do bonitão, jovem e sadio, que estaciona o carro na vaga de idosos ou deficientes, entre outras infinitas situações que bem indicam a índole questionável de boa parcela da população.
Além de infantil, essa visão que divide o mundo entre do “bem” e do “mal” (que não deve ser a do promotor, cujo artigo observa apenas um lado do problema) é uma interpretação obtusa da realidade.
Infelizmente, em grande parte estimulada pela satânica ignorância que graça nas redes sociais, o colorido do pensamento crítico tem se dissolvido em favor do “preto ou branco”, pobre dicotomia que envolve cada vez mais pessoas.
Afinal, patrões ou empregados, consumidores ou fornecedores, todos – absolutamente todos! – trabalham por dinheiro. E qual o problema nisso? Nenhum, vez que todos precisam de renda para consumir aquilo que lhes é de interesse e necessidade.
Importante é que o façam sem prejudicar os demais e, se possível, sem se deixarem iludir pelos discursos bobos, típicos do “politicamente correto”, que só têm estimulado o “coitadismo” e o consequente conflito social, redundando-se, assim, num crescente apartheid ideológico. Esse miserável oportunismo populista precisa ser refutado também, tanto quanto o oportunismo comercial.