Vírus da conspiração

Pouco tempo atrás, seria loucura imaginar que as teorias da conspiração – dessas de desenho animado, do naipe de vilões que querem “dominar o mundo” mesmo que antes tenham de explodi-lo – iriam saltar dos ambientes fechados dos manicômios e ganhariam as ruas mundo afora.

E não é que, de forma inacreditável, a insanidade coletiva – parecendo justamente um bem-sucedido plano diabólico de alguma corporação mundial de discípulos do capeta – não só faz parte do dia a dia do momento quanto já causa grandes desastres – fatais, inclusive.

Afora as teorias políticas conspiratórias da moda – sempre efervescentes nos extremos -, uma das crenças em grande orquestração “do mal” é a de que os remédios foram criados para causar doenças, não para curá-las.

Daí porque, certamente, a indústria farmacêutica corresponderia ao maior tentáculo de dominação mundial, por meio do medo e da dependência química, em favor do enriquecimento ilícito…

Sim, dizer que somente santos criam e vendem remédios seria exagero – não obstante, bem menor que sustentar a tese de que todos esses profissionais, na verdade, são sociopatas, cujo prazer maior, além de ganhar dinheiro sobre pobres enfermos, seria matar pessoas.

Só que essa teoria conspiratória, extremamente perigosa, está ganhando força e já atinge cerca de uma a cada cinco pessoas… A enquete semanal de O Progresso repercutiu exatamente este número, que não é meramente local.

A proporção é altíssima! Capaz, por exemplo, de causar o retorno generalizado do sarampo no país, até há pouco tido como erradicado em território nacional.

Prova do estrago destas teorias alopradas pode ser verificada agora, quando acontece a campanha de vacinação contra a gripe. E não precisa ir longe: aqui mesmo em Tatuí a situação é evidente, conforme reportado na edição desta quarta-feira.

O Dia de Mobilização Nacional – o “Dia D” – da 21ª Campanha Nacional de Vacinação Contra a Influenza, ocorrido no sábado passado, 4, não conseguiu atingir a meta de imunização, levando a Vigilância Epidemiológica a alertar sobre a importância da prevenção.

A expectativa da Secretaria de Saúde ainda é a de vacinar 90% do público-alvo (30.026 pessoas) até o final da campanha, dia 31. Para o sábado, conforme anunciado, a meta da VE era alcançar pelo menos 70% dessa população.

Contudo, durante o Dia D, foram aplicadas apenas 2.968 doses, atingindo 45,30% do total esperado para a meta geral da campanha – número considerado muito baixo pela Vigilância Epidemiológica.

Até o final do mês passado, 31,98% da população prioritária haviam recebido a vacina (10.669 pessoas). Portanto, era necessário acréscimo de pelo menos 38% para se alcançar a meta no Dia D.

Relatório atualizado diariamente pela VE mostra que os números estão subindo de forma lenta. No mais recente, divulgado terça-feira, 7, o acréscimo havia sido de 3,14%, atingindo 48,44% da população prioritária.

O total de vacinados considera o público estimado de idosos acima de 60 anos, crianças de 6 meses a menores de 6 anos, profissionais da área de saúde, professores da rede pública e privada, gestantes, puérperas e portadores de doenças crônicas e outras categorias de risco clínico.

A coordenadora da Vigilância Epidemiológica, enfermeira Rosana Oliveira, afirma que a campanha de imunização contra a gripe é uma das mais difíceis para se atingir a meta geral, por falta de conscientização da população sobre a importância da vacina.

“Estamos trabalhando intensamente. Fizemos plantão em asilos, em repartições públicas e nos postos de saúde, mas, mesmo assim, está difícil de o pessoal nos procurar”, completou. Para ela, a principal causa do problema é o mito de que a vacina provoca a própria gripe como reação.

A profissional lembra que, caso o vacinado desenvolva sintomas típicos de doença do trato respiratório (como nariz entupido, tosse e dor de garganta, por exemplo), isso não está relacionado com o imunizante, por ser ele elaborado com o vírus morto.

“Muitas vezes, a pessoa se vacina contra a gripe, mas já está com o vírus no corpo. Aí, coincide de ficar doente e achar que é da vacina. Mas, na realidade, não é”, apontou. Ela ainda alerta que a vacina contra gripe é segura e a intervenção mais importante para evitar casos graves e mortes pela doença.

“Precisamos que a população entenda que a vacina pode ajudar muito nos casos mais graves. Não quer dizer que, se a pessoa tomar a vacina, ela não terá mais nenhum resfriado; ela pode, sim, ficar resfriada mesmo imunizada, mas as reações são mais leves”, explicou.

Apesar do perigo e de todo o histórico real de sucesso das mais diversas campanhas de imunizações, a coordenadora local da campanha tem razão: a população precisa se conscientizar – ou, por outras palavras, necessita acordar desse torpor conspiratório.

Enquanto isso não acontece, a situação indica uma espécie de ironia – esta, sim, bem macabra. Por ela, o indivíduo que se previne não fica doente e, portanto, nunca sabe se, verdadeiramente, a vacina fez efeito. Entretanto, aquele que não se submete à prevenção, na pior das situações, morre – então na ignorância, sem saber que poderia ter a vida salva.

Pior ainda é a realidade de que, muitas vezes, a insensatez não prejudica apenas ao incauto, mas a todos, que podem ser contaminados, senão com a ignorância dos adeptos da conspiração, ao menos com os vírus transmitidos por eles.