Um tatuiano pela ordem e a decência

Há exatos quatro anos, era de relativo consenso que a população estava cansada de “ofensas e ataques” na política. Daí as campanhas aparentemente comedidas do PT de Dilma Rousseff e do PSDB de Aécio Neves, as quais buscavam ressaltar supostos programas de governo – embora, claro, houvesse acusações e críticas entremeadas nos discursos e nas propagandas eleitorais.

Relembrando esse pleito e comparando-o ao atual, no entanto, têm-se a impressão de que os candidatos de antanho poderiam até ser agraciados com certificados de bom comportamento.

É fato que essa idiota e odiosa “narrativa” de “nós contra eles”, de “do bem contra do mal”, teve início de novo ciclo em 2014, impulsionando a onda que, agora, acaba por se tornar um tsunami de dissenso e baixarias.

Para acrescer ainda mais estragos à frágil orla democrática nacional, há o fenômeno das “fake news”, que se candidatam a ser determinantes no resultado destas eleições, graças a boa parte da população, que optou pela alienação e, assim, insiste em confundir rede social com veículo de “informação”  e não apenas de “comunicação” (é bem diferente).

De qualquer forma, sejamos francos: a escolha já foi feita e os votos deste domingo guardam apenas certo suspense quanto a alguns governos de estado. Mas, que fique claro: esta escolha, a princípio, não representa qualquer problema.

Longe disto, a alternância de poder é fundamental. Mas, fundamental para quê? Ora, para essa frágil democracia. Caso as instituições sejam respeitadas – particularmente os Três Poderes, tal como as liberdades individuais – e as receitas da Constituição venham a ser seguidas, a democracia se fortalece; caso contrário, ela morre.

Por este motivo algumas manifestações soam tão ameaçadoras quanto prenúncios de fatalidade, como a que bastaria um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal.

Brincadeira? Ótimo! Mas, ótimo mesmo, sem qualquer ironia! O sectarismo tem como vítima primaz o humor, e o humor é antídoto fantástico à infelicidade, tornando a vida menos difícil.

Além disso, o humor carrega imenso poder de instigar o questionamento, o raciocínio, a inteligência – razão maior, aliás, para ser odiado por todo e qualquer governo totalitário, de esquerda ou direita, independentemente.

Não por acaso, algo no extremo oposto ao riso, ao sentimento de felicidade, é, exatamente, o ódio. E, novamente, sejamos francos: o ódio está determinando o futuro do país neste momento.

O “nós contra eles” evoluiu de um discurso tacanho para uma quase luta armada, em que já não se enxergam cidadãos que optam por diferentes propostas e ideários políticos, mas inimigos a serem abatidos.

Muito, mas muito mais se fala em destruir o inimigo, o “eleitor do outro”, que em reconstruir o Brasil, já arrasado pela maior crise econômica da história e, agora, por uma cisão social que põe em risco, em última instância, a vida das pessoas. Este “abater” o inimigo, portanto e terrivelmente, ganha ares de literalidade.

Por sorte, ainda há quem se bata pela democracia e por um futuro menos tenebroso, como o ministro tatuiano Celso de Mello, do STF. Nesta terça-feira, o decano se pronunciou sobre as ameaças e comentários do coronel do Exército Carlos Alves, divulgados por um vídeo em que ataca a ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chamando-a de “salafrária, corrupta e incompetente”.

Com a palavra, Celso de Mello:

“O discurso imundo, sórdido e repugnante do agente que ofendeu a honra da ministra Rosa Weber, uma mulher digna e magistrada de honorabilidade inatacável, que exerce, como sempre exerceu, a função judicial com talento e isenção, de modo sóbrio e competente, exteriorizou-se, esse discurso imundo e sórdido, mediante linguagem profundamente insultuosa, desqualificada, por palavras superlativamente grosseiras e boçais, próprias de quem possui reduzidíssimo e tosco universo vocabular, indignas de quem diz ser oficial das Forças Armadas, instituições permanentes do Estado brasileiro, que se posicionam acima das paixões irracionais e não se deixam por elas contaminar. Paixões essas que cegam aqueles que, a pretexto de exercerem a liberdade de palavra, que constitui um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos desta República, resvalam para o plano subalterno da prática abusiva e criminosa da calúnia, da difamação e da injúria.

O primarismo vociferante deste ofensor da honra alheia faz-me lembrar daqueles personagens patéticos que, privados da capacidade de pensar com inteligência, optam por manifestar ódio visceral e demonstrar intolerância radical contra os que considera seus inimigos, expressando na anomalia desta conduta a incapacidade de conviver em harmonia e com respeito, no seio de uma sociedade fundada em bases democráticas.

Todo esse quadro imundo que resulta do vídeo abjeto que mencionei, vídeo esse que, longe de traduzir expressão legítima da liberdade de palavra, constitui ele próprio, verdadeiro corpo de delito comprobatório da infâmia perpetrada por referido autor das ofensas morais, leva-me a repudiar com veemência e a desprezar com repugnância tão desonroso comportamento em que incidiu o militar em questão. Não só para vergonha e ultraje de sentimento de decência que anima os cidadãos deste país, mas, sobretudo, para constrangimento da Força singular a que diz pertencer.

Muito mais importante que a figura a ser definida como o próximo líder da nação neste domingo é esperar que, a partir de segunda-feira, o tsunami conflituoso arrefeça e torne-se uma marolinha.

Só assim a democracia terá chance de não se afogar e os brasileiros poderão emergir destas eleições como cidadãos mais consistentes e não como inimigos.

Para tanto, contudo, o país precisará de muita boa-vontade, consciência e coragem, como demonstrou o ministro tatuiano em defesa da ordem, do Estado Democrático de Direito e da decência.