Tribunal do Júri retoma trabalhos dia 6

Julgamentos serão realizados em plenário no mês que vem e março; casos são de homicídio, tentativa de homicídio e femicídio

O TJ (Tribunal do Júri) do fórum da comarca de Tatuí retoma os trabalhos no próximo dia 6 de fevereiro. Na data, os membros do júri popular serão convocados para participar da primeira sessão de julgamentos do ano.

A pauta, divulgada pelo primeiro promotor de Justiça, Carlos Eduardo Pozzi, conta com cinco casos. Entre eles, a revisão da pena do primeiro feminicídio ocorrido em Tatuí, a partir de recurso de apelação apresentada pelo membro do Ministério Público junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. O promotor não concordou com a sentença.

No dia 6, serão julgados Marcelo Silva Nilsen, Diogo Aparecido Barbosa Gaspar e Erique Siqueira. Os três são acusados de terem colaborado para o homicídio de Evandro Francisco Campos Soares, assassinado em 2011. A vítima foi encontrada “desovada” em um carrinho de feira, na avenida Donato Flores.

O crime ficou conhecido como caso do “Gato Felix”, apelido de João Batista de Siqueira. Ele e Alex Carriel (conhecido como Alex Boituva) teriam executado a vítima, sendo condenados a 18 anos e 17 anos de prisão, respectivamente.

“Eles mataram a vítima em um cortiço existente perto de uma área onde são realizados rodeios. Depois, pegaram um carrinho de vender verdura e levaram o corpo até a esquina, abandonando-o em um terreno”, relatou o promotor.

Antes de morrer, a vítima teria sido torturada por Siqueira e Carriel, com a ajuda dos outros três acusados. O crime teve como motivação uma traição amorosa.

Soares teria tido um envolvimento com a ex-mulher de Gato Félix, enquanto este estava preso. Ele foi tido por “talarico” – “pessoa que trai outra que está presa”.

“De acordo com o código de conduta ética do preso, assediar ou manter qualquer tipo de relacionamento amoroso com a mulher de alguém que está preso é uma falta grave. Pelo menos é o que a polícia apurou”, explicou o promotor.

No dia 20 de fevereiro, haverá sessão de julgamento de Sirleno Aparecido da Silva. Ele é acusado de tentar matar a própria filha, por asfixia, quando a criança tinha apenas oito meses de idade. Silva também responde por lesão corporal dolosa, ameaça e cárcere privado. O crime ocorreu no dia 24 de abril de 2014.

“Ele era extremamente agressivo, extremamente intolerante e maltratava a criança”, argumentou o promotor. Na noite dos fatos, Pozzi relata que a menina não parava de chorar. O comportamento irritou o pai, que, em um primeiro momento, colocou a mão no pescoço da menina, dando início à esganadura.

Depois de ser empurrado pela mãe, que presenciou o fato, ele teria pegado um travesseiro e tentado sufocá-la. “A mãe novamente interveio e conseguiu pegar a criança no colo e fugir para um cômodo da casa”, descreve Pozzi.

Silva, então, trancou a mulher e a cunhada dentro da residência, impedindo-as de sair. A Polícia Militar foi acionada e conseguiu deter o suspeito em flagrante.

Conforme o promotor, o caso apresenta uma peculiaridade e um comportamento considerado comum em situações de violência doméstica: as vítimas se sentem culpadas pela agressão e tendem a inocentar os agressores.

No caso da criança, a mãe da menina chegou a alegar, em juízo, que o caso registrado não havia ocorrido do modo descrito. “Passado o problema, serenado os ânimos, afastada do perigo, normalmente, a mulher começa a querer proteger o agressor. É impressionante como isso é recorrente”, afirmou o promotor.

Pozzi explicou que esse comportamento é visto não só nos casos de violência doméstica – quando dos registros feitos na Delegacia de Polícia ou junto à Polícia Militar –, mas no próprio Tribunal do Júri. Durante um julgamento, uma mulher foi a plenário pedir aos jurados pela absolvição do companheiro.

“O réu deu uma facada no abdômen da mulher e foi absolvido. Uma colega minha (promotora) recorreu e o Tribunal de Justiça mandou fazer um novo júri. Eu fiz, e a vítima disse que gostava do agressor, que ele não tinha tido culpa e que não queria que ele fosse condenado. E ele foi novamente absolvido”.

Pozzi informa que a promotoria tem como obrigação realizar bem o trabalho que lhe compete e, com base nas provas, “pedir o que é lucidamente legal”.

“A vítima não quer que o companheiro fique preso, mas quer ser protegida porque, enquanto está sendo ameaçada e agredida, ela chama a polícia, mas o sentimento inverte quando o agressor vai preso”, explica.

Nos casos em que a agressão é recorrente, Pozzi mencionou que as vítimas começam a se sentir culpadas a ponto de pensarem ser responsáveis pela violência que estão sofrendo. “Isso tem um nome: chama-se síndrome do desamparo apreendido, com CID (código internacional de doença) e tudo”, vaticinou.

Outro efeito colateral da violência continuada é que a vítima perde a perspectiva de vida e cria dependência econômica e emocional com o agressor. Conforme o promotor, quando uma pessoa procura ajuda, mesmo nos casos em que o ofensor é réu primário, é porque a situação está insuportável.

Em geral, os agressores deixam a cadeia após determinado prazo e reconciliam-se com as mulheres. “E é esse sentimento que faz, muitas vezes, a mulher dizer para o juiz que ela é culpada e ele só se defendeu dela”, afirma Pozzi.

O promotor destaca que, na maior parte das vezes, o réu costuma ser mais forte que a vítima. Além disso, o relato dos fatos apresentados em defesa dos ofensores não é verossímil e as lesões que a vítima sofre são incompatíveis com a argumentação que ela apresenta para inocentar o companheiro.

Nos casos em que os depoimentos não condizem com os fatos, Pozzi conta que a Justiça condena com base em análise crítica e amparada por prova pericial. Também são levados em consideração depoimentos de policiais que atenderam as ocorrências e a dinâmica apresentada pelos laudos periciais.

Pozzi informa que as mudanças de versão são recorrentes. Em razão disso, nas audiências de conciliação, a primeira pergunta feita pelos magistrados é se o casal está junto.

Quando a resposta é positiva, as retratações sempre são esperadas. “Às vezes, não. Às vezes, as mulheres sustentam as versões iniciais e denunciam os agressores, e eu até parabenizo-as, porque haverá uma pena”, enfatiza.

As penalidades para esse tipo de violência estão previstas no artigo 129 do CPB (Código Penal Brasileiro), alterado por conta da lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha. O artigo nono prevê pena mínima de três meses e máxima de três anos, com propósito de evitar a reincidência.

Se condenado, o agressor primário sofre pena de regime aberto. O ofensor precisa comparecer ao fórum pelo tempo da pena, uma vez por mês, até cumpri-la.

A regra não vale caso ele tenha sido detido. “Mas, se ficou, é porque tinham outras circunstâncias que fizeram com que ele fosse à prisão”, diz o promotor.

Nos casos que não redundam em prisão, os condenados precisam comparecer em juízo para assinar uma carteirinha. Eles só vão ao regime fechado se, no período do cumprimento da pena, praticarem outro crime ou descumprirem as condições da execução. “Aí, tem a regressão”, informa Pozzi.

Quem cumpre o que é determinado pela Justiça tem a pena extinta. Em Tatuí, conforme o promotor, na grande maioria dos casos, não há reincidência. Se o agressor repete a violência, incorre em pena mais severa que a anterior.

A dosimetria varia conforme entendimento dos juízes. Nos casos de réus primários, as penas são mínimas, próximas ou um pouco acima da mínima. Vários fatores são levados em consideração para a formulação da sentença, como uma lesão no rosto, por exemplo, que pode causar constrangimento, além da dor.

“Sobretudo na mulher, que tem vaidade, a agressão no rosto se torna pública, pode causar um hematoma ou uma equimose que demora uma semana para sair. A vítima fica com a marca da agressão por dias. Obviamente, o juiz leva em consideração isso, e a pena fica próxima do mínimo”, argumenta.

Por outro lado, quem reincide fica sujeito a sanção maior, que parte de dois anos. Isso porque o agressor mostrou que a pena inicial não foi suficiente para fazê-lo parar e porque a sentença deve ter função de repressão.

Além de prever as penas mínimas e máximas, a Lei Maria da Penha também criou a qualificação de feminicídio, crime pelo qual responde Nelson Barbosa de Santana. O julgamento dele está previsto para o dia 27 de fevereiro.

Santana é acusado de ter assassinado Vanessa Dias dos Santos, a primeira vítima de feminicídio em Tatuí. Conforme o promotor, a mulher tinha rompido o relacionamento amoroso com Santos e morreu no dia 1º de agosto de 2015.

“Ela era uma alcoólatra, trabalhava na Cooperativa de Reciclagem de Tatuí e morava em um barraco, na cidade. Ela não queria mais a relação, porque ele era muito agressivo, perturbava demais. Ele, inconformado, começou a persegui-la, até o dia que a encontrou completamente embriagada”, relata Pozzi.

Conforme consta nos autos, Vanessa havia ingerido bebida alcoólica durante todo o dia. O suspeito, que tinha 63 anos, entrou no barraco da vítima, de 35.

Ele foi visto deixando o local por uma testemunha, dizendo que havia “acabado de fazer um servicinho gostoso”.

A frase foi mencionada no acórdão do Tribunal de Justiça em resposta ao recurso apresentado pelo promotor para demonstrar o “estado de espírito” do suspeito ao matar a vítima.

Vanessa levou várias facadas pelo corpo e foi encontrada sem vida e seminua. “Não explorei isso, em detalhes, mas não há informações se ele tentou manter alguma relação com ela. Mas não tinha vestígio de ter tido”, disse o promotor.

O primeiro feminicídio denunciado pelo promotor em Tatuí foi julgado, após pronunciamento, em 2016. A acusação juntou fotografias, feitas pelos investigadores, para demonstrar que havia indícios de luta corporal.

Entretanto, em audiência, o júri acatou o pedido da defesa. Conforme o promotor, os advogados do réu alegaram que ele estava sendo menosprezado pela vítima e que, em consequência disso, houve “violenta emoção”.

Basicamente, a defesa argumentou que Santana tinha sido “provocado pela vítima, em razão da violenta emoção, seguida de injusta provocação”. A alegação de que “houve privilégio” foi acatada por quatro dos sete jurados; três não concordaram.

“Isso significa dizer que houve uma diminuição da pena pela violenta emoção, seguida de provocação da vítima, afastando a qualificadora do feminicídio”, apontou Pozzi.

O promotor entendeu a pena de cinco anos em regime inicial fechado como “branda e muito desproporcional à gravidade dos fatos”. O veredito foi proferido em setembro de 2016.

“Fiquei inconformado com a decisão e apresentei ao TJ um recurso de apelação. O órgão deu provimento ao pedido e, no acórdão, os desembargadores disseram que o julgamento é manifestamente contrário à prova dos autos”, comentou.

Em princípio, porque houve comprovação de que a vítima mantinha relacionamento amoroso com o acusado. “E, também, porque não tem cabimento essa violenta emoção, seguida de provocação da vítima”, enfatizou Pozzi.

O TJ determinou que houvesse novo júri. A sessão poderá resultar em reformulação da pena. O promotor disse que, mesmo que não houvesse recorrido, Santana cumpriria a sentença. Entretanto, na avaliação dele, permitir que a decisão anterior fosse consolidada abriria um precedente.

“Eu daria azo para os jurados acatarem a violenta emoção nos demais crimes de feminicídio do Tribunal do Júri. Mas, a violenta emoção sempre vai ter. Agora, houve provocação da vítima? Na verdade, houve menosprezo à vontade dela de não querer a continuação do relacionamento”, analisa o promotor.

Em março, Pozzi participará de mais dois julgamentos. No primeiro, dia 6, o promotor atuará na sessão que tem como réu Sebastião Edvan da Frota. Ele é acusado de ter tentado matar Marcelo Pinto de Oliveira com um revólver.

De acordo com o processo, o crime ocorreu no dia 12 de outubro de 2002, por volta das 4h30, na rua Iaia Peixoto Sobral, no Jardim Gramado. Frota teria atirado na vítima, com um dos projéteis vindo a atingi-la no lado direito da barriga.

“Esse caso é resultante de uma briga entre duas pessoas, que haviam feito ingestão de álcool. Um tentou matar o outro por vingança de desavença anterior”, apontou Pozzi.

Já no dia 20 de março, seis pessoas que fariam parte do chamado “tribunal do crime” sentarão no banco dos réus. Serão julgados: Lucas Lima Silva, Janderson Euzébio Rosa, Luís Carlos de Proença Júnior, Tainara Rodrigues Antunes, Geovani Rodrigues de Paula e Eduardo da Silva Bertoldo de Paulo.

Eles são acusados de tentativa de homicídio contra Ailton Correa de Oliveira. O crime ocorreu no dia 15 de abril de 2015, em Cesário Lange, cidade de origem de todos os envolvidos. “Eles (os suspeitos) pegaram um estuprador e iriam matá-lo, mas o estuprador conseguiu fugir e feriu os algozes”, conta Pozzi.

O promotor informa que todos os envolvidos na execução frustrada acabaram sendo identificados. Eles teriam se juntado para “julgar” duas pessoas por estupro a uma jovem.

“Foi um estupro bastante cruel. Duas pessoas barbarizaram uma moça e esse pessoal (os acusados), inconformado com o crime, foi atrás dos acusados para sentenciá-los”, contou.

Um dos estupradores conseguiu fugir antes mesmo de ser pego pelos suspeitos. O homem seguiu para o Nordeste, mas já está preso e condenado.

Na data do crime, o bando conseguiu deter apenas Oliveira, também identificado pela polícia e com mandado de prisão expedido pela Justiça. “Quando eles tentaram matar um dos estupradores, já havia mandado de prisão contra eles. Quer dizer, não houve omissão da Justiça”, sustenta o promotor.

Pozzi acrescenta que o caso já estava esclarecido, mas que, mesmo assim, o grupo quis “substituir-se à Justiça”. “Eles resolveram fazer com as próprias mãos e aí, mal comparando, se substituíram ao juiz e ao executor”, observou.

O grupo capturou Oliveira e colocou-o em um veículo. A intenção era executá-lo em Cerquilho. Como não acharam local apropriado, os suspeitos voltaram para Cesário Lange e, nos limites com Bofete, decidiram matar o homem.

Durante o “cumprimento da sentença”, Oliveira conseguiu escapar. Ele tomou a faca de um dos agressores e acabou ferindo dois deles. A vítima ainda levou um tiro, mas conseguiu fugir, parando em um posto da Guarda Civil Municipal.

A Polícia Militar foi acionada e conseguiu deter parte do grupo. Posteriormente, com o andamento das investigações, os demais foram identificados.

De acordo com a acusação, todos os autores da tentativa de homicídio têm envolvimento com o tráfico de drogas, o que teria sido uma das motivações torpes do crime.

Além da questão do justiçamento, Pozzi aponta que a vítima, em depoimento, disse que a chefe do tráfico ficara irritada por conta da presença da polícia.

Como o crime de estupro praticado pela vítima de tentativa de homicídio começou a ser investigado, a presença dos policiais civis atrapalhou o faturamento. “A última coisa que traficante deseja é que a polícia fique por perto, porque espanta os usuários, faz mal aos negócios”, argumentou o promotor.

Pozzi chegou a incluir essa informação como motivação torpe para o crime. Entretanto, o TJ considerou que não haveria necessidade de ter dois motivos, uma vez que o justiçamento em si já caracterizaria a sustentação da tipificação.