Tatuianos integram operação no Panamá





Arquivo pessoal

Operações realizadas pela equipe de Tatuí incluem simulações de situações reais de combate

 

Os tatuianos Sérgio Schmidt e Eduardo Rodrigues, o “Chacal”, integram uma das duas equipes que estão em “combate” na República do Panamá desde a sexta-feira, 30. Eles embarcaram para o país caribenho na madrugada de quarta-feira, 28, e devem permanecer por lá até o dia 3, por conta da operação Thunderbolt.

Como parte dos exércitos, os dois terão de cumprir 20 missões que têm como objetivo principal a tomada do Forte Sherman. Trata-se de uma ex-base das Forças Armadas dos Estados Unidos naquele país, no final do Canal do Panamá.

Schmidt e Chacal ocupam a função de operadores e inscreveram-se para a operação voluntariamente. A Thunderbolt tem o aval do Exército panamenho e consiste numa iniciativa que reúne praticantes de “airsoft” de vários países.

O Brasil estará representado por outros jogadores. Todos inscreveram-se pela internet junto à organização, a Airsoft Combat Operation. “Ele é um esporte no qual as pessoas simulam um combate real”, explicou Schmidt.

O professor de história pratica airsoft há três anos, com um grupo de amigos, e defende o uso de equipamentos e paramentos militares (sendo as armas réplicas) como forma saudável de diversão. Durante as operações, os jogadores podem simular combates reais (que já aconteceram) ou criar missões fictícias.

As inspirações que simulam a realidade vêm de diferentes “fontes”. Entre elas, a tomada de Monte Castelo, pela FEB (Força Expedicionária Brasileira), em 21 de fevereiro de 1945, e a operação Neptune Spear, que resultou na morte de Osama Bin Laden, líder fundador do grupo terrorista Al-Qaeda.

“Nós também podemos criar toda uma ficção para jogar”, disse Schmidt. No caso do Panamá, a operação Thunderbolt faz parte da “segunda categoria”.

Ela foi criada com missões 100% “MilSim” (“Military Simulation” – ou simulação militar realizada por civis com fins de entretenimento). Em outras palavras, apesar de fictício, o combate deve chegar o mais próximo possível da realidade.

Na Thunderbolt, dois exércitos se chocam em uma “batalha de estratégia, inteligência, astúcia, coragem, mobilidade e conhecimentos militares”.

Os participantes têm de aplicar técnicas de emboscada e realizar manobras táticas, orientação por mapa, bússola, transposição de obstáculos naturais e camuflagem.

Iniciada na sexta-feira, 30, a operação prevê 20 missões durante três dias – terminando neste domingo. Schmidt e Chacal participarão de todas, como integrantes.

Eles serão comandados por outros operadores. A hierarquia das competições é definida pela internet, principal meio usado pelos praticantes do esporte para propagar a atividade e marcar combates de simulação.

Schmidt conheceu o airsoft por meio da internet. Chacal teve o primeiro contado a partir de amigos. O interesse em comum levou o professor e o tatuador a criarem um grupo local e que atende pelo nome de “Pé Vermeio Airsoft”.

Menos convencional, a equipe de Tatuí prioriza o entretenimento. “Existe uma diferença. Tem pessoas que procuram o airsoft para brincar, tem outras porque querem se aproximar da realidade, do MilSim”, contou Chacal.

Em Tatuí, ele participa e organiza missões para 20 pessoas. São praticantes da cidade e de outros municípios, como São Paulo. A atividade, invariavelmente, é ligada à preservação da cultura caipira. Daí, o nome da equipe.

Exatamente por ser menos rígido, o grupo não segue a hierarquia militar à risca. A depender das cidades, os integrantes preferem “ocupar patentes” e seguir à risca o militarismo. “Nosso grupo não funciona assim”, contou o tatuador.

Segundo ele, os membros do Pé Vermeio sempre se alternam no comando das missões. Essa forma é utilizada também fora do país. No Chile, Schmidt chegou a liderar 200 pessoas em missão no deserto do Atacama.

“Respeitamos muito os militares, não tentamos desvincular o airsoft do militarismo, mas nosso foco é uma brincadeira mais séria no final de semana”, disse.

A seriedade está no fato de que os praticantes precisam ter responsabilidade para usar as armas, que são réplicas de modelos originais. Elas vão desde pistolas a submetralhadoras. Entretanto, nenhuma delas dispara projéteis reais. São municiadas com “bb’s” (bolinhas feitas de plástico).

“Como tem gente que joga futebol na rua, amador, e tem gente que joga em clube, profissional, nós levamos a sério o esporte. A diferença é que, no airsoft, não existe equipe profissional, ou vencedor, porque tudo é a honra”, disse o professor.

É por essa razão que as operações terminam “sem vencedores”. O saldo de quem participa das simulações de batalhas militares é sempre o término das missões.

Isso acontece porque a própria dinâmica do esporte permite que uma ou mais equipes cheguem ao final das atividades atingindo respectivos objetivos.

“Nós preferimos fugir dessa coisa de competição. Sempre tem grupos mais competitivos, mas, no Panamá, a questão é de resistência”, considerou Schmidt.

Na véspera da viagem, o professor não pôde revelar quais missões iria cumprir. “Ainda é segredo, porque corremos o risco de espionagem”, comentou.

Em Tatuí, a equipe treina em três espaços: o prédio do antigo Hospital Avançado, na rua Rotary Club, na vila Dr. Laurindo, uma escola desativada, na Colina Verde, e o espaço da fábrica de tecelagem São Martinho.

O grupo local faz encontros semanais, aos finais de semana, e é integrado por professores e profissionais liberais. Todos têm idade acima de 18 anos, exigência por conta da manipulação de equipamento que simula armamento real.

Para ocupar os três locais, os praticantes solicitam autorização prévia. A Polícia Militar, a Polícia Civil e até a Guarda Civil Municipal são avisadas dos treinos com antecedência. Os comunicados evitam eventuais transtornos.

Também ajudam o grupo a ser reconhecido e a propagar a prática esportiva. Esta é a missão que o Pé Vermeio quer cumprir durante o ano.

A expectativa é de que a atividade ganhe mais adeptos – não o grupo – para abertura de locais de prática e a elucidação sobre a cultura da “não violência”.

Schmidt defende que o airsoft não estimula a prática de crimes. Ele e o amigo consideram que o conhecimento nas táticas e no uso dos equipamentos tem efeito contrário ao pensamento que é atribuído à coletividade.

Para começar

Novatos no esporte precisarão de disposição para começar a participar de operações. Além do entusiasmo, é necessário investir na compra de equipamentos. O principal deles é a AEG (“automatic eletric gun” – arma automática elétrica).

Elas utilizam bateria, um motor com sistema de engrenagens e pistão para comprimir uma mola e expelir o projétil – neste caso, as bb’s. Essas, não precisam de autorização do Exército para serem adquiridas e têm modelos variados.

Outras exigências são a compra de itens de segurança, como óculos e máscara (indicada, mas não considerada como essencial). Depois, o operador – como é chamado o jogador – pode agregar itens e outras indumentárias.

O conjunto de peças pode incluir botas, granadas (que simulam as reais) do chamado “loadout”. A utilização delas vai depender das operações nas quais o jogador participa. Schmidt e Chacal competiram em São Paulo como “mulambos”.

“Nós estávamos todos esfarrapados, com roupas costuradas. A pessoa vai adquirindo os itens como colete e rádios, de acordo com a possibilidade financeira e conforme o gosto pela coisa vai aumentando”, afirmou o professor.

Também em 2015, a equipe tatuiana deve buscar a “regularização”. O próximo passo do grupo é constituir clube com ata e vinculação à Federação Paulista.

A formalização, entretanto, não é um fator decisivo para que os jogadores possam participar de missões no Brasil e fora dele. Tanto que, em abril, Schmidt e Chacal participarão de outra, em Brasília. A rota desse semestre inclui Espírito Santo e Minas Gerais, que tem operação pela Força Tarefa Nacional.

As participações são feitas mediante inscrição. Para “servir” no Panamá, os amigos desembolsaram US$ 180 cada, o equivalente a R$ 463. Os valores, entretanto, nem sempre atingem esse patamar. “Em geral, não cobramos participação pelas missões que fazemos, apenas convidamos”, contou Chacal.

Sem inchar

A meta do grupo não é expandir em número, mas difundir o esporte. Por isso mesmo é que o Pé Vermeio conta com quantidade restrita de membros. “Nós tentamos fechar um pouco para evitarmos problemas”, disse Schmidt.

Também existe a questão do esclarecimento. O professor afirmou que o esporte não incita a violência e não é perigoso, desde que as orientações sejam seguidas.

“Claro que existe um risco, mas quando há falta de informação. Meus filhos, por exemplo, são loucos por armas. Eles não praticam porque não têm idade, mas eu os ensino, porque eles veem as réplicas em casa. Se um dia eles precisarem usar uma arma, farão com segurança”, declarou o tatuador.

“Os maiores acidentes ocorrem quando você mantém uma pessoa na ignorância”, adicionou. Chacal disse que o uso dos equipamentos é regulamentado. Para adquirir a arma, é necessário ter autorização do Exército.

Em defesa do esporte, Schmidt disse que a simples compra do equipamento não representa risco. Tê-lo em casa, tampouco. “Não é porque eu tenho uma faca que eu vou sair por aí ameaçando as pessoas”, citou.

Dinâmica

Basicamente, as missões são recriadas ou “montadas”. No segundo caso, é preciso “inventar uma história” e pensar em mais de uma perspectiva.

A explicação é que as missões precisam ser completadas por mais de um grupo e de diferentes maneiras, de forma a manter os participantes na competição.

Para isso, é preciso ter conhecimento do campo (área onde o combate vai ser travado) e de táticas de guerra. As missões têm duração variada, podendo ir de meia hora a três. As exceções são quando elas passam de cinco horas.

Como a munição de airsoft não marca o operador, como no paintball, é preciso que ele próprio se retire do combate em caso de ser atingido “de forma fatal”. Quando isso acontece, o jogador deixa o campo e espera o reinício da missão.

Esse retorno é possível nos jogos com “respaldo”. Esse é uma espécie de área na qual o jogador permanece por alguns instantes e, depois, retorna para a batalha. Uma segunda modalidade simula o combate de forma “mais real possível”.

Nesse caso, o jogo conta com a figura de um médico. Ele faz o atendimento ao operador ferido e realiza todo o procedimento médico (simulando um socorro). Por isso, os jogadores podem ser enfaixados ou receber ataduras falsas.

O médico também determina se o jogador pode ou não continuar no combate e de que maneira. “Quem levou um tiro no braço não pode atirar, mas pode andar. Quem sofreu tiro na perna, pode se arrastar e continuar atirando”, explicou Chacal.

A eliminação acontece quando o disparo atinge o jogador na cabeça ou no tronco. “Daí, o médico tem que fazer a remoção e a pessoa está fora”, adicionou.

O nível de “realismo” depende da proposta das operações. Em Belo Horizonte, a organização utilizou até soro falso para atender os jogadores feridos.

“A principal vantagem do airsoft é permitir a superação. Quando fui para o Chile, achei que não iria aguentar e me surpreendi comigo mesmo”, relatou Schmidt.

Chacal teve experiência semelhante numa operação de cinco horas de duração. Na ocasião, ele participou das missões com um dos braços quebrado.

No Panamá, eles esperam ter mais sorte. Lá, o desafio será dominar a base do forte. “Se não conseguirmos, vamos ter de dormir na praia”, disse o professor. Os “soldados” retornam a Tatuí em voo marcado para à 1h45 de terça-feira.