Tatuí­ terá ‘exército’ contra abuso sexual





A noite de quarta-feira, 18, marcou o início da formação de um “novo exército”. A frente de trabalho, convocada em evento realizado no Nebam (Núcleo de Educação Básica Municipal) “Ayrton Senna da Silva”, reuniu representantes da sociedade civil, das secretarias municipais da Educação, Saúde e Indústria e do Judiciário.

Em um primeiro momento, ela tem como objetivo combater o abuso e a exploração sexual cometidos contra crianças e adolescentes; em um segundo, de estender atendimentos, também, às vítimas de outras violências e garantir punições.

Em Tatuí, o “alistamento” começou a partir da união de forças e em conversas de mulheres que frequentam o curso PLP (Promotoras Legais Populares).

“Nós queríamos fazer uma manifestação e levamos isso para a Justiça Restaurativa”, contou a integrante do grupo e assistente social Mirna Iazzetti Grando.

A proposta era promover mobilização no dia 18, devido ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes. No encontro, o grupo tomou conhecimento de que havia intenção semelhante por parte de outros profissionais, como a coordenadora do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) Norte, Débora Cristina Franco Nunes Rosa.

Por sugestão dessa profissional, o grupo de mulheres repensou a ideia e decidiu juntar forças. “Nós levamos isso para a assistência social do município, e o Alessandro Bosso abraçou a causa grandiosamente. Unimos forças”, relatou Mirna.

Em seguida, o grupo conseguiu apoio das secretarias da Educação e Saúde e promoveu, no dia 2 deste mês, reunião na qual propôs a criação de um protocolo para atendimento às vítimas. “Isso tudo surgiu não de uma impressão, mas de uma angústia que está assolando o município”, apontou.

Para ela, a adesão das duas pastas municipais garante viabilidade à proposta de união dos setores que recebem as vítimas. Em conjunto, incentiva denúncias. “A proposta é que nós sigamos em frente”, complementou.

No que depender do grupo das PLPs, o trabalho deverá caminhar com apoio até ser “autossuficiente”. Pelo menos é o que informou a coordenadora do curso no município, Heloísa Saliba e Borges.

Para que isso aconteça, durante todo o mês, as alunas e as formandas pretendem percorrer escolas, postos de saúde e instituições para ministrar palestras.

O objetivo é treinar professores, coordenadores e as equipes que mantêm contato com as crianças e adolescentes no sentido de levar conhecimento a eles.

Como primeiro passo, o grupo ofereceu treinamento para os educadores e diretores, a cargo da psicóloga Lucilia Grando, coordenadora do Cras Centro.

Para os envolvidos, o legado principal será que, uma vez estabelecida a comunicação entre a rede de suporte às vítimas e de combate aos crimes, a prevenção se estenderá a outras violências. Elas incluem proteção às mulheres, idosos e deficientes físicos, por meio de protocolos e assistência efetiva.

Visando engajamento da sociedade, Heloísa Borges participou, durante todo o dia 18, de mobilização. A ação representou um ato de primeira “convocação” da população para o combate ao abuso e à exploração sexual. Na ocasião, o grupo ocupou a Praça da Matriz.

A ideia era promover um “megaevento”, que acabou prejudicado por conta da chuva. “Foi muito interessante. Algumas pessoas andaram pelo comércio. Eu mesma entrei em várias lojas e ‘monopolizei’ as pessoas”, contou Heloísa.

Depois da trégua da chuva, o evento seguiu com apresentações de grupos dos Cras Norte e Sul. Houve performances de percussão e dança.

No Nebam, a programação teve sequência com palestra ministrada pelo juiz da Vara da Infância e da Juventude, Marcelo Nalesso Salmaso. A convidados, o magistrado falou sobre violência, causas, consequências e formas de combate.

Também devem receber orientações funcionários e equipes que atuam na rede municipal da Saúde. Eles serão preparados para agilizar a comunicação entre os setores.

Esse trabalho será formatado na semana que vem, quando os organizadores farão uma “reunião de avaliação”. Heloísa destacou que o principal objetivo é garantir que qualquer criança e adolescente receba o mesmo atendimento, independentemente da região em que resida e da condição social.

Outro propósito é combater o abuso, a exploração e a violência para que esses crimes diminuam. Para isso, haverá trabalho de incentivo às denúncias.

A lógica é criar um sistema que possa ser usado para detectar os casos o mais rápido possível e evitar situações que dificultem o apoio. Entre elas, a vergonha, a falta de conhecimento do adulto em reconhecer o problema e de orientações sobre providências a tomar, órgãos a procurar e como lidar com a questão.

O Judiciário integra o grupo de trabalho como um apoiador, como explicou Salmaso. Para o juiz, o mais importante do movimento crescente no município é a união do poder público e da sociedade em torno do combate às causas dos abusos, exploração e violência.

Por meio de um trabalho conjunto, o magistrado entende que não só a questão passa a ganhar mais importância, mas a prevenção. A partir desse entendimento, Salmaso defende ser possível “desarmar as molas propulsoras que acabam empurrando as pessoas para a violência e a transgressão”.

“Essa é uma questão muito séria. As estatísticas mostram que 80% das pessoas que abusam foram abusadas. Se nós não começarmos a olhar para essa questão de forma a darmos suporte para a vítima de abuso sexual, para que ela elabore tudo isso, no futuro, ela vai acabar sendo um abusador”, argumentou.

O resultado é que, em alguns casos, a pessoa pode passar de vítima a perpetuadora do abuso, da exploração e da violência. De forma a quebrar esse ciclo, o juiz propôs mais que reflexão. Salmaso defende a criação de um fluxograma para atendimento e prevenção.

O trabalho ficaria a cargo de um “exército”, convocado no evento pela representante da Educação municipal, Maria Luci Diccini. Ela compôs mesa diretora dos trabalhos e discursou em nome da titular da pasta, Ângela Sartori.

“Representando a secretária, quero dizer que abraçamos a causa deste combate. Somos um exército imbatível, que vai defender os direitos das nossas crianças e dos nossos adolescentes. Precisamos ter muita coragem. Desejo sorte, e que todos nós nunca batamos em retirada. Estejamos sempre avante”, declarou.

Também manifestaram apoio à causa os secretários municipais Marcos Bueno (Indústria, Desenvolvimento Econômico e Social) e Umberto Fanganiello Filho, Tuta (Saúde). Bueno falou em nome do prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu, que não pôde comparecer por compromissos profissionais.