Tatuagem torna-se mercado promissor





Kaio Monteiro

Charles Tadeu Bueno Galvão Leme de Oliveira realiza no município média de 80 tatuagens por mês

 

Marcar o corpo com desenhos é uma tradição indígena que remete ao comportamento das sociedades tribais. Mais do que a reminiscência comportamental, atualmente, a tatuagem tornou-se questão de estética.

Os adeptos deixaram de ser “discriminados”. É o que opina o tatuador Charles Tadeu Bueno Galvão Leme de Oliveira, 34, dono de um estúdio no centro, com experiência de 11 anos na profissão.

Oliveira entende que a principal causa para a mudança de paradigma está relacionada à forma como a mídia trata as pessoas tatuadas. Segundo ele, antigamente, os personagens das novelas que exibiam os desenhos no corpo eram considerados os bandidos, ou vistos como “maus” pelo público.

Atualmente, observa, os atores que representam os “bonzinhos” exibem suas tatuagens pelo corpo. Isso faz com que a audiência se familiarize com o tema. “Não está mais criminalizada. Agora, tudo quanto é celebridade tem alguma no corpo. Tudo o que aparece na televisão o povo quer fazer igual”.

Apesar da mudança, Oliveira afirmou que ainda existe a discriminação para quem exibe as marcas. A maioria dos casos, ele diz, ocorre pelo “desconhecimento da população”.

“O pessoal não sabe qual a diferença de quem é tatuado porque gosta e de quem estava preso. Há essa confusão”, apontou.

Ele conta que, quando entra num estabelecimento comercial, por exemplo, “alguém o olha diferente, presta atenção e o segue”.

Oliveira ressaltou que a mudança de comportamento acontece gradativamente, mas que, “no futuro, 80% da população terão alguma tatuagem no corpo”. Com essa estimativa, informou, o mercado para novos profissionais seria muito promissor.

Ele revelou que faz, em média, cerca de 80 tatuagens por mês. No entanto, o número varia de acordo com o clima, pois no verão a procura é maior do que no inverno. Nos meses considerados de “alta”, ele faz cerca de cem trabalhos.

“Hoje, não tem classe social para a tatuagem. E, com a maior procura, muita gente nova está começando na área”.

De acordo com Oliveira, o preconceito em relação à tatuagem é “descabido”, visto que o ato de marcar o corpo com desenhos integra cultura milenar.

O tatuador disse que houve um caso, em 2012, em que cientistas encontraram uma múmia de 2.500 anos com tatuagens ainda visíveis na pele.

“Não dá para saber quem criou a tatuagem. Acho que esses desenhos eram feitos com pedra lascada e corante produzido com restos de animais e folhas”, especula.

Os antigos desenhistas, principalmente os orientais, traçavam e pintavam com agulha feita de bambu, revelou Oliveira. Ele disse que era um trabalho artesanal, com lasca de madeira e tinta na ponta.

Atualmente, a maneira mais comum de trabalhar é com a máquina de bobina rotativa. “Hoje, quase todo mundo usa essas máquinas. Mas tem alguns que fazem de uma maneira milenar. É raro, mas acontece no Japão, Índia e Indonésia”.

Século 21

A tatuagem, que já foi sinônimo de rebeldia juvenil, atualmente, atinge as mais diversas idades. No estúdio de Oliveira, há jovens maiores de 18 anos, adultos e idosos, que o procuram para eternizar desenhos na pele.

Ele conta que é comum receber homens e mulheres com mais de 60 anos. Eles pedem as mesmas tatuagens que os jovens. “Geralmente, querem fazer flores, nomes dos netos e homenagem para os filhos”.

Oliveira diz que o processo aplicado nos idosos é praticamente o mesmo utilizado nos jovens ou adultos. A única ressalva é se a pele da pessoa for mais fina. Quando isso acontece, existe um cuidado maior para não machucá-la.

De uma maneira geral, os pedidos mais frequentes são os desenhos de borboletas e tribais antigos. “Mas, tem milhares que podem ser feitos”.

As tatuagens mais comuns são de aves, carpas, dragões, escritas, estrelas, fadas, fênix, flores, ideogramas japoneses, religiosas, símbolo do infinito, entre outras. Esses desenhos podem apresentar diversos significados, explícitos – por exemplo, tatuagem de nomes – ou subjetivos.

A representação do sol, por exemplo, pode constituir, subjetivamente, informações relacionadas à vitalidade, fertilidade ou temas que contemplam a vida.

As tatuagens também podem concentrar mais de um significado, conforme análise de cada cultura. O dragão tem diversas vertentes sobre a simbologia. No oriente, o mito personifica a abundância, sorte, prosperidade e fortuna. Nos países ocidentais, a referência é traduzida como maligna.

Mas, Oliveira explica que o significado da tatuagem varia de acordo com a crença de cada pessoa. “Se alguém tem simpatia pelo palhaço, ele vem e pede esse desenho. Se um cara gosta de moto, faz o mesmo. O significado é pessoal”.

A tatuagem também é utilizada nos presídios como forma de identificar infratores pertencentes a facções criminosas, ou com objetivo de destacar o crime cometido pelo detento.

Alguns presos fazem os desenhos dentro da cadeia, segundo Oliveira. Eles utilizam aparelhos artesanais construídos nas celas, além de usar tintas tóxicas ao corpo humano.

O tatuador diz aconselhar o cliente, caso tenha o pedido de uma representação parecida com a tatuagem empregada pelos detentos.

“O problema é que os desenhos são os mesmos que a gente faz. Não posso perder um cliente porque é igual (a tatuagem) ao dos presidiários. Mas, acho que não tem ‘nada a ver’. Tanto que eu tenho carpa, que dizem ser de uma facção. Isso nunca me atrapalhou”, disse Oliveira.

Cuidados

Um dos principais cuidados que se deve ter é com a cicatrização dos ferimentos causados pela agulha da máquina de tatuagem na pele.

Em contato com o sol, a pele machucada tem a tendência de escurecer, explicou Oliveira. Com isso, as pigmentações das cores da tatuagem escurecem. Por isso, o tatuador indica fazê-la no inverno.

“Nessa estação, a pessoa vai andar de blusa e de calça. Assim, protege-se do sol. Ela também não vai entrar em piscinas, no mar e sauna, mantendo a melhor qualidade do trabalho”.

O tatuador também recomenda que os clientes evitem comer carne gordurosa, ovos e peixes, porque esses alimentos atrapalham a cicatrização. É necessário, inclusive, passar pomada que ajuda na recuperação da pele três vezes ao dia, durante dez dias.

Segundo Oliveira, a tatuagem causa o mesmo dano que uma microcirurgia. Ele diz que as indicações são as mesmas apresentadas pelos médicos aos pacientes após um procedimento igual a este.

“Quando eu termino as sessões, digo que os meus 50% foram cumpridos. Agora, os cuidados para que a tatuagem fique nítida são de responsabilidade do cliente”, afirmou.

As tintas usadas para a produção dos desenhos são de origem vegetal, que não apresentariam nocividade à pele. Isso evitaria o processo alérgico, destacou Oliveira.

“Em 11 anos que eu trabalho, nunca tive problemas com a tinta. O arriscado era antigamente, que o pessoal tatuava na casa até com tinta de parede”.

Oliveira diz a quem estiver interessado em fazer tatuagem para procurar um estúdio com alvará emitido pela Prefeitura e com o tatuador certificado por cursos profissionalizantes. O mais importante, segundo ele, é ver o portfólio do dono do estúdio.

“Não adianta: quem encontra preço não tem qualidade, essa é a lei do comércio. Se você for num lugar baratinho, pode fazer a coisa errada”.

Sobre a dor que as pessoas sentem ao se submeterem ao processo, Oliveira é enfático: “Toda tatuagem dói”. Porém, esclarece que a sensibilidade e o local do “incômodo” são diferentes para cada pessoa.

“No peito e na costela, falam que a dor é maior. Mas, tem gente que não sente nada; outros, choram”, finalizou.