Situação da Santa Casa segue indefinida





Arquivo/O Progresso

UTI não teve atendimento afetado até o momento por conta do ‘caixa’

 

Embora uma solução esteja sendo discutida – com prazo de divulgação para esta semana –, a situação financeira da Santa Casa segue indefinida. De um lado, a diretoria do único hospital filantrópico do município prospecta crise sem precedentes; de outro, a Prefeitura afirma ter a solução por meio de um sistema de administração compartilhada.

Em meio a isso, pairam muitas dúvidas. Entre elas, o não credenciamento de uma ou mais operadoras de saúde para compensar o déficit financeiro com a saída do convênio da Unimed e como a Santa Casa poderá manter-se em funcionamento sem que o atendimento à população seja prejudicado.

No momento, o hospital opera sem perspectivas e informações a respeito da proposta apresentada pela São Bento Saúde. A empresa, administrada pelo frei Eurico Aguiar e Silva (Frei Bento), já enviou ao Executivo as exigências para assumir a gestão e as dívidas do hospital.

A Prefeitura recebeu a minuta no início da semana passada e encaminhou o documento para análise do departamento jurídico. O resultado deve ser divulgado nesta semana. Entretanto, a diretoria do hospital informou que não tomou ciência do conteúdo. A Santa Casa aguardava cópia da proposta.

“Está parado. Nós, aqui, estamos aguardando a proposta que o frei ficou de mandar. Só que ele mandou para a Prefeitura, e nós, da Santa Casa, não sabemos qual é o teor”, disse João Prior, diretor financeiro do hospital e defensor do aumento de repasses como solução para equalização do déficit financeiro.

A principal razão da curiosidade da diretoria é que ela precisa verificar se a proposta se enquadra no estatuto do hospital. A provedoria também quer saber se o modelo de gestão compartilhada estipula reajuste dos valores repassados pelo município dentro da contratualização, subvenção e pagamento dos médicos que prestam serviços para o Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”.

Para Prior, há um fato que mais chama atenção, além do montante que o Executivo repassa à Santa Casa para permitir o atendimento, principalmente, de pacientes SUS (Sistema Único de Saúde): o destino desse dinheiro. Mais da metade é utilizado para pagar os 55 médicos.

O cálculo do percentual realizado pela reportagem levou em consideração o orçamento mensal (base maio de 2014), citado pelo diretor financeiro em relatório entregue ao governo do Estado. A Santa Casa encaminhou cópia do documento ao secretário estadual da Saúde, David Everson Uip, no dia 18 de junho.

A reportagem de O Progresso teve acesso ao relatório e à análise realizada verbalmente pelo titular. Na reunião, Uip considerou que o valor repassado pela Prefeitura ao hospital no mês citado (de R$ 1.679.232,42) é suficiente para administrar o hospital, com um atendimento médio de 460 pacientes SUS por mês.

“Só que ocorre o seguinte: o grande volume que o prefeito (José Manoel Correa Coelho, Manu) passa – e isso eu tenho insistido em todos os relatórios que tenho feito – vai para os médicos. Vai direto. É verba destinada”, disse Prior.

A título de exemplo, a subvenção (de R$ 500.726,24) repassada pela Prefeitura em maio do ano passado gerou para a Santa Casa R$ 50 mil. Do total, R$ 450.726,24 foram destinados ao pagamento de vencimentos.

Esse dinheiro é empregado no pagamento de médicos que atendem na Santa Casa para dar retaguarda ao pronto-socorro. O hospital também recebeu R$ R$ 388.209,78 para pagamento dos médicos (via terceirização de contrato) que atendem no ambulatório. “Nós não ficamos com nenhum tostão desse dinheiro. Ele vai tudo para o contrato dos profissionais”, afirmou Prior.

O mesmo ocorre com o dinheiro da contratualização (acordo firmado para atendimento aos pacientes do SUS). Também em maio de 2014, a Prefeitura destinou R$ 790.296,24 ao hospital.

Contudo, a Santa Casa utilizou R$ 263.669,15 para pagar os médicos. O restante do valor – enviado pelo Ministério da Saúde e repassado pelo Executivo – ficou para as despesas.

Prior disse que a provedoria tem de administrar o hospital com os poucos recursos que sobram do montante. Conforme constado em relatório, em maio de 2014, a Santa Casa recebeu R$ 1.845.832,56 (somando R$ 166.600,11 provenientes de “outros recursos”, como emendas parlamentares).

No mesmo período, contabilizou R$ 2.134.429,89 em pagamentos, o que incluiu os médicos, despesas hospitalares, mão de obra, despesas operacionais e não operacionais. Ao fim de cada mês, a conta dá negativa, em média, em R$ 566.779,85. O prejuízo vem acumulando-se e gerando instabilidade.

Com a sobra dos repasses, a diretoria disse que tem de se virar para conseguir manter a Santa Casa atendendo. Até o ano passado, as contas conseguiam fechar por conta de recurso extra – em torno de R$ 350 mil brutos – repassado pela Unimed, que mantinha atendimento na Santa Casa. Com a inauguração de hospital próprio, o convênio encerrou o contrato e os repasses.

Sem perspectivas de reposição, a Santa Casa alega ter prejuízos. Em especial, por conta dos pacientes SUS. Prior afirmou que eles custam para o hospital, aproximadamente, R$ 1 milhão por mês, mais que o valor que sobra dos repasses realizados via Prefeitura e que o hospital tem para se manter em pé.

Diante desse panorama, o diretor financeiro enviou proposta à Prefeitura. Em outubro do ano passado, Prior pediu ao prefeito, por meio de ofício, que reajustasse os valores da contratualização, da subvenção e do contrato com o PS.

Com isso, a Santa Casa esperava receber R$ 287.224,84 a mais. “Nós não poderíamos mais assinar a contratualização nos mesmos patamares dos anos anteriores”, afirmou Prior. De acordo com ele, não há atualização dos valores há três anos.

Entretanto, o pedido não pôde ser atendido pela Prefeitura. O diretor financeiro da Santa Casa disse que o prefeito não autorizou o aumento. “Ele disse que não tinha dinheiro, mas está nos forçando a continuar”, afirmou.

“Então, na verdade, o que está acontecendo é que a Santa Casa está sendo ré da Prefeitura. Não pode parar, porque não pode deixar de atender (nesse caso, os pacientes SUS), mas o dinheiro que vem não dá”, complementou Prior.

A provedora Nanete Walti de Lima acrescentou o fato de que a dívida vem se acumulando. De janeiro até agora, o hospital acumulou – com base na projeção do relatório de junho deste ano – R$ 3.400.679,10 em déficit. No entanto, os débitos são ainda maiores: passam de R$ 18 milhões – valor que se juntou, conforme a diretoria, ao longo dos anos.

Mesmo assim, Nanete disse que a Santa Casa ainda não deixou de prestar atendimento. A provedora negou o fechamento de dois leitos da UTI (unidade de terapia intensiva) como confidenciado por médicos da diretoria clínica à reportagem.

Também segundo ela, a Santa Casa não dispõe de dez leitos de UTI, mas, sim, de oito. “Só que seis estavam operando na semana em que houve a publicação (no jornal)”, argumentou Nanete. Segundo ela, dois leitos estavam em manutenção, razão pela qual deixaram de receber pacientes provisoriamente.

A Santa Casa precisou encaminhar um respirador pulmonar e uma cama (que havia quebrado) para reparos e manutenção. Para isso, teve de usar parte do que recebe.

Além de gastar com manutenção, Nanete afirmou que as dificuldades administrativas aumentaram. Em particular, por causa do dissídio salarial dos vários profissionais da Saúde (enfermeiros, técnicos em enfermagem, porteiros, secretárias, entre outros), que prestam serviços dentro do hospital.

Somente com salários e cesta básica, a despesa ultrapassa R$ 568 mil por mês. Por volta de R$ 450 mil são utilizados para custeio, como compra de medicamentos, material de procedimento médico (luva, sutura e prótese, entre outros).

“Temos uma despesa de mais de R$ 1 milhão e recebemos R$ 576 mil. O nosso prefeito está à espera de um milagre que não existe, achando que o Estado vai melhorar o repasse (SUS), ou que a população vai colaborar”, alegou Prior.

Para o diretor financeiro, a situação da Santa Casa é “urgente e insustentável”. “O hospital não aguenta mais”, alegou. Temendo o fechamento de alguns serviços, disse que encaminhou e-mail ao prefeito pedindo a antecipação de recurso – que já é realizada –, mas sem um desconto.

Atualmente, Prior disse que a Prefeitura envia 95% do valor repassado pelo SUS (da contratualização) no início do mês, como forma de auxiliar o hospital. Em geral, o dinheiro é enviado ao município entre os dias 10 e 12 de cada mês e, depois, entregue à Santa Casa. O Executivo antecipou o prazo para o dia 5 de cada mês.

“Nós usamos isso para pagamento do pessoal, só que, quando chega no dia 12, ele (Manu) corta. Se mandasse isso no começo e, depois, o valor do SUS, nós ganhávamos uma sobrevida. Mas, ele não dá mais (dinheiro)”, afirmou Prior.

Para agosto, o diretor financeiro disse que precisará de pelo menos R$ 850 mil para que o hospital não pare. No entanto, a projeção de recebimento – do valor a ser repassado pela Prefeitura – está bem abaixo disso: deve ser de R$ 593 mil.

Prior alertou que o cálculo não vai fechar em positivo. A diretoria fez as contas e estimou que a Santa Casa gastará, somente com os salários, R$ 545 mil. Esse valor cresceu quase R$ 15 mil por conta dos dissídios discutidos em maio, mas que o hospital terá de repassar em agosto (juntando maio e junho).

Acrescentados os valores necessários para compra de medicamentos e pagamento das cestas básicas ao montante previsto, o resultado já é outro déficit. Neste mês, o hospital precisou remanejar o valor destinado ao pagamento das AIHs (autorizações de internação hospitalares) para os remédios.

A medida – que vem sendo criticada pelos médicos, por meio de rede social – tem sido adotada de forma recorrente pela provedoria. Além do descontentamento dos profissionais de saúde, o remanejamento gerou atrasos. O hospital deve R$ 45 mil para a equipe da UTI e R$ 60 mil para os demais (valores referentes aos repasses de AIHs que deixaram de ser feitos).

A opção da provedoria tem como intenção prorrogar o máximo de tempo possível uma paralisação no hospital. Por sugestão de Prior, Nanete informou que utilizará o valor relativo às AIHs para pagar os funcionários (já com os reajustes do mês e em atraso) para evitar que haja colapso.

A diretoria teme que, caso os demais funcionários não tenham os vencimentos reajustados, os sindicatos realizem paralisação e outras medidas que poderiam atrapalhar a negociação do hospital com os fornecedores.

“Por isso, eu mandei um e-mail ao prefeito na quinta-feira da semana passada (dia 2), dizendo a ele que precisamos de R$ 850 mil no começo do mês, mas sem desconto no dia 12. Do contrário, algumas coisas vão acontecer nos próximos dias, e vamos começar a parar atendimento”, alertou Prior.

O diretor financeiro estima que as primeiras paralisações devam envolver os médicos. Com isso, cirurgias eletivas via SUS deixarão de ser realizadas no hospital.

“Eles terão razão, porque nós não pagamos. Mas, fizemos uma opção de pagar os funcionários para evitar um movimento (de sindicatos) na porta”, disse.

A expectativa da diretoria para a recuperação do hospital é que a São Bento Saúde entre em entendimento para a gestão compartilhada. Caso isso não ocorra, Prior afirmou que o hospital deixará de atender pacientes SUS. “Nós não temos responsabilidade sobre os pacientes SUS, quem tem é a Prefeitura”, declarou.

Prior classificou a situação da Santa Casa como “muito crítica”. Reiterou, ainda, que “a responsabilidade maior pelos pacientes é da Prefeitura”. Com a proposta apresentada em junho ao Executivo (que previa reajuste dos repasses), a diretoria espera tornar o hospital “administrável”.

Nas contas da diretoria, se o hospital tivesse reforço no caixa – por meio dos reajustes de repasses – desde janeiro, a equipe estaria “nadando em águas rasas”. No caso do PS, Prior disse ser preciso atualização do valor por conta do custo que o ambulatório gera à Santa Casa, de R$ 150 mil por mês.

“Só que ninguém paga isso. Nós fornecemos sangue (que custa para ser processado) para o pronto-socorro, para acidentes e para atender pacientes para procedimentos hemoterápicos (que vão até o ambulatório receber sangue)”.

Na prática, Prior afirmou que “o sangue sai de graça para a Prefeitura, mas caro ao hospital”. “Uma bolsa, para ser coletada, analisada e embalada, custa R$ 282”, informou.

Para tentar minimizar o déficit mensal, a provedoria informou que está trabalhando em alguns projetos. Um deles refere-se à realização de festas e eventos beneficentes, ainda em estudo. A intenção é que haja alguma programação em agosto, quando acontecem as celebrações de 189 anos do município.

Outro projeto diz respeito ao credenciamento de novas operadoras de saúde. Conforme a provedora, pelo menos três empresas estão negociando com o hospital. “Já estou vendo um dedo de luz no fim do túnel”, concluiu Nanete.