Santa Casa tem dí­vidas de mais de R$ 18 milhões





Arquivo O Progresso

Hospital tem déficit mensal de R$ 566 mil, acumula dívidas e nã registrou verba suplementar no ano

 

Único hospital filantrópico do município e que atende gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), a Santa Casa de Misericórdia de Tatuí opera de maneira deficitária. A informação consta em relatório assinado pelo diretor financeiro da entidade, João Prior, e entregue à reportagem de O Progresso.

O documento interno contém informações nunca levadas a conhecimento público. A mais preocupante delas é com relação ao passivo financeiro. Fundada em 1985, a Santa Casa de Tatuí ainda não registrou problemas de continuidade operacional, apesar de necessitar de intervenção municipal, em 2008.

Entretanto, a instituição enfrenta uma de suas maiores crises – senão a maior. O motivo é a perda de arrecadação, com a saída da Unimed (que rendia R$ 350 mil brutos) e o aumento dos custos operacionais.

Esses fatores elevaram o acumulado de dívidas para mais de R$ 18 milhões. O valor incluído no relatório vem acompanhado de uma série de apontamentos feitos pelo diretor financeiro, como explicação para a situação atual.

Informações extraoficiais – não confirmadas pela diretoria – dão conta de que, com o caixa no vermelho, o hospital está tendo dificuldades para adquirir materiais de trabalho. Médicos ligados ao hospital informaram que, para conter gastos, a UTI (unidade de terapia intensiva) está operando com seis – dos dez – leitos.

Caso o panorama não mude, representantes do corpo clínico do hospital cogitaram solicitar reunião junto ao MP (Ministério Público), para adoção de providência.

No entanto, o hospital já iniciou entendimentos com a Prefeitura para contornar o problema. A solução poderá vir de uma empresa particular.

No documento, Prior ressalta que a Santa Casa vem passando por dificuldades financeiras.

Contudo, argumenta que o problema ocorre com todas as demais instituições do país. Ele classifica a questão como “um problema congênito” e diz que ela está relacionada a uma interferência do governo na Saúde, “notadamente, a partir da criação do SUS”.

Conforme ele, as Santas Casas eram tidas, “originalmente, como patrimônio das comunidades”. Como entidades filantrópicas assistenciais, tinham “a finalidade de atender aos doentes da comarca” nas quais estavam instaladas.

Dessa forma, as necessidades (financeiras) eram supridas quase que na totalidade com filantropias (doações). A partir do SUS, Prior alegou que isso mudou.

As entidades tornaram-se prestadoras de serviços suplementares de saúde ao SUS. Passaram, então, a receber por contratos realizados através das prefeituras.

No entendimento dele, essa sucessão de acontecimentos “vem instabilizando financeiramente as Santas Casas”, por três fatores.

Em princípio, Prior argumenta que a população deixou de apoiar financeiramente as entidades, por entender que isso passou a ser compromisso do governo.

Ele também menciona que as verbas do SUS, liberadas aos prestadores de serviços suplementar de Saúde, por meio das prefeituras, são insuficientes. Além disso, a tabela de valores repassados às entidades nunca foi reajustada.

Como último fator, Prior diz que as prefeituras têm dificuldades de suplementar essas verbas. Segundo ele, elas entendem “isso como uma regra” e um problema que tem de ser resolvido pelo governo federal.

Por todo esse panorama, o hospital de Tatuí está entre os que correm risco de parar de atender. No relatório, o diretor alerta para um risco de fechamento de setores de forma gradativa por “inanição financeira”.

Também diz não haver perspectiva de recuperação das finanças para este ano, considera ser “impossível administrar o hospital com o atual déficit mensal” e aponta a impossibilidade de renegociação junto aos credores.

O trecho final – e que resultou em mobilização por parte da Prefeitura – pode ser considerado mais alarmante. No parágrafo, Prior aconselha a diretoria a entregar a administração do hospital “a quem de direito, responsável pelos pacientes do SUS, antes que o mesmo comece a fechar setores”.

Vários são os fatores que contribuíram para a situação. O principal deles é a diferença entre o custo do paciente SUS para o hospital e o valor que ele recebe do governo. Atualmente, a Santa Casa trabalha com situação deficitária na ordem de R$ 627,38 por paciente atendido pelo Sistema Único de Saúde.

De acordo com o diretor financeiro, cada paciente custa R$ 2.218,10. Entretanto, o hospital recebe R$ 1.590,71 (valor resultante do repasse do SUS e da Prefeitura).

Prior enfatizou que a Santa Casa permanece aberta 24 horas por dia. Disse, também, que não há como controlar o fluxo de atendimentos, uma vez que é o único hospital e maternidade de caráter público da cidade.

Também ressaltou que “a atual administração, com apoio da Prefeitura, vem resgatando compromissos financeiros, juntamente com necessidades operacionais”.

O esforço visa buscar recursos para, numa primeira fase, tornar a Santa Casa operacionalmente rentável e, numa segunda, liquidar o passivo financeiro.

Entregue ao secretário estadual de Saúde, David Everson Uip, em reunião na quinta-feira da semana passada, o documento preparado pelo hospital também contém dados de “desempenho” – os atendimentos feitos no ano passado.

Em 2014, mesmo enfrentando dificuldades financeiras, a Santa Casa registrou mais de 3.000 internações de pacientes SUS. Elas resultaram em 26.790 dias de internações. Em média, 74 pacientes realizaram 6.240 cirurgias.

Pela maternidade, a Santa Casa realizou 1.987 partos. O hospital contabilizou, ainda, 65.264 atendimentos ambulatoriais, serviu 73 mil refeições, lavou e higienizou um total de 234 toneladas de roupas, atendendo Tatuí e região.

Conforme o diretor financeiro, o ano de 2014 foi “administrável graças a ajudas financeiras”. O hospital conseguiu receitas extras operacionais no montante de R$ 2.543.483,61, representadas por verbas conseguidas por emendas parlamentares, repasses de antecipação de devolução feitos pela Câmara Municipal, doações, promoções e renegociações com credores.

Este ano, o panorama é de “ainda mais dificuldades”. De janeiro a março de 2015, o hospital acumulou prejuízo de R$ 1.524.780,51. Em função do momento econômico do país, não registrou, até o momento, nenhuma verba suplementar.

“Não temos previsão de perspectiva, em curto prazo, de aumentos nas receitas. Pela previsão orçamentária, os prejuízos tendem a aumentar”, disse Prior.

O impacto para o hospital deverá aumentar por conta da convenção trabalhista do setor (que teve dissídio discutido em maio). Somando-se os “aumentos naturais” – com os custos de medicamentos e insumos –, o diretor avaliou que a equipe não possui mais condições de renegociar com os credores.

A Santa Casa tem déficit mensal de R$ 566.376,15, resultando em acumulado de R$ 2.564.589,65 até este mês. Pelas análises realizadas pela diretoria, Prior afirmou que “não há mais condições de administrar o hospital”.

De acordo com ele, é preciso correção para que a Santa Casa continue funcionando. Prior mencionou que a entidade continua operando com a tolerância de credores por ser entidade de caráter social e beneficente.

Apesar disso, o diretor financeiro declarou que o hospital atingiu um limite. “Corre o risco de, nos próximos dias, parar de receber pacientes por não manter as condições mínimas de atendimento”, relatou, no documento entregue a Uip.

O encontro, agendado pelo deputado Edson Giriboni, a pedido do prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu, aconteceu no dia 18, em São Paulo. O objetivo era solicitar apoio por meio de recursos via programa “Santa Casa Sustentável”.

Na ocasião, o secretário informou que não poderia incluir o hospital na iniciativa por conta de débitos relacionados a impostos. A Santa Casa tem mais de R$ 850 mil em dívidas que precisam ser quitadas para a assinatura de convênio.

O entrave poderia ser resolvido com a antecipação de devolução feita pela Câmara Municipal. O Legislativo envia para a Prefeitura, ao final do ano, a diferença entre o repasse destinado pelo Executivo e o total gasto com manutenção.

A ideia do prefeito era obter, com a Casa de Leis, perto de R$ 500 mil. Entretanto, o presidente do Legislativo, Wladmir Faustino Saporito, antecipou que o valor deve ser menor. A Câmara estima adiantar o envio de R$ 300 mil, considerando, inclusive, pendências, como pagamento de convênio de saúde a funcionários.

Por indicação de membros do governo do Estado, o prefeito e a provedoria da Santa Casa agendaram reunião com o frei Eurico Aguiar e Silva (Frei Bento), da São Bento Saúde. O encontro aconteceu em Tatuí, na manhã de sexta-feira, 26.

A proposta do Executivo e da provedoria é de terceirizar a administração do hospital. Por conta disso, o religioso, que é presidente da São Bento Saúde – empresa especializada na gestão de Santas Casas e hospitais públicos – reuniu-se com representantes da entidade para discutir possibilidades.

Na semana que vem, Frei Bento deverá apresentar uma proposta de gestão compartilhada. Segundo antecipou o prefeito, a administração envolverá Prefeitura, Santa Casa e São Bento Saúde.

A empresa ganhou notoriedade por promover recuperação financeira das Santas Casas de Aparecida do Norte e São José dos Campos. Também atua no Hospital de Bragança Paulista.

A reportagem de O Progresso tentou contato com a provedora da Santa Casa durante a semana. Entretanto, por conta dos compromissos de reuniões dela com a Prefeitura e o representante da empresa, não houve agendamento.