Salve o oxigênio!

Escafandristas, à maneira do filme “200 mil Léguas Submarinas”, sobre um livro de Jules Verne, trabalhavam nas profundezas do mar. Era preciso comprimir o oxigênio antes de descer o mergulhador e dotá-lo do suficiente para a missão. Na volta à superfície (ou ao submarino), a necessária e gradual descompressão para o nível adequado. Logo, sem saber, como em muitas descobertas e invenções, alguém se deu conta de que um fenômeno estava acontecendo.

Os escafandristas, à parte o mergulho abissal geralmente em águas turvas, sofriam enorme pressão nos ouvidos e no corpo, mas apresentavam algo mais em comum: não adoeciam, ao menos de muitos males que atacavam os que não trabalhavam nas profundezas do mar. Mas por que diabos acontecia isso? Durante muito tempo, tratou-se apenas de uma constatação sem maior importância, curiosidade sem norte que guiasse os pesquisadores para apresentar uma conclusão aceitável para a comunidade científica.

Paul Bert, um cientista francês, no final dos anos 1870 publicou “La Préssion Barometrique”, onde discorria sobre os efeitos da pressão aumentada e diminuída alternadamente no corpo humano. No final daquele século, Dr. Leonard Corning construiu a primeira câmara hiperbárica direcionada aos enfermos da mortal “influenza” que grassava pela Europa na Primeira Guerra. Os anos se passavam e a técnica se aprimorava, sendo estendida com compreensível euforia à sífilis, diabetes, infecções diversas e artrite. A comunidade científica, apesar dos dados coletados, mostrava-se descrente – como sempre faz com as novidades que não consegue pegar e apalpar. Não havia provas químicas em Corning que carimbassem as razões de seu propalado sucesso.

Já no hiato dos anos entre as duas grandes guerras, um brasileiro – sim! –, Álvaro Ozorio de Almeida, registrou em seus estudos o efeito benéfico de altíssimas concentrações de oxigênio puro sobre o câncer de animais. Depois, em humanos. A Marinha norte-americana passou a usar o oxigênio puro comprimido para tratar doenças da descompressão (JAIN, K. K. “Textbook of Hyperbaric Medicine”. Cambridge, MA: 2009. Hogrefe and Huber ed.). Textos como o de Moon & Camparesi (1999), entre outros, já haviam começado a abrir luz sobre os experimentos e asas à imaginação. Em anos mais recentes, não faltou quem procurasse oxigênio puro como espécie de panaceia moderna, mesmo sem ter qualquer evidência significativa em seus casos: HIV, esclerose múltipla, Parkinson, Alzheimer, esclerose amiotrófica e outras afecções graves. O que interessava a essa gente era apenas, a que custo fosse, escapar do desespero, da sombra do carrasco sobre suas cabeças, e nada mais. O efeito do tratamento é comprovadíssimo, sim, para melhor cura da anemia, abscessos dos tecidos e cerebrais, envenenamentos, queimaduras, gangrenas e uma longa lista de outros problemas.

Enquanto o Brasil dava tímidos passos rumo à medicina hiperbárica, os EUA passavam à produção em escala de toda sorte de equipamentos, desde os ambientes coletivos aos pequenos exóticos modelos pessoais, que mais parece abrigarem defuntos: esquifes de aparência lúgubre com tampa de vidro, como o usado em casa pelo cantor Michael Jackson para rejuvenescer, manter a pele e cabelos suaves e  estender seus dias (chegou a declarar, espalhafatosamente, que viveria 300 anos). As câmaras particulares existem no Brasil nos lares dos mais ricos, excêntricos e até no de ao menos um de nossos jogadores de futebol.

Em setembro de 2018 meu médico descobriu um abscesso interno na perna que deveria ser operado imediatamente. No mesmo dia, subimos à sala de cirurgia do hospital do convênio para o procedimento. Dias depois, após a retirada do dreno, ele achou por bem nos aliarmos a um coadjuvante inusitado para a rápida cura total: a câmara hiperbárica, e a mais próxima conveniada estava em Sorocaba, a 50 minutos de Tatuí. Pois logo iniciamos as 15 viagens de 50 minutos e as jornadas plenas de imaginação em um cilindro que mais parecia um submarino inerte, como que afundado com suas escotilhas no fundo de algum mar do Pacífico. A compressão de oxigênio puro chega a 2 ATM, ou Atmosferas (nos EUA até 3), razão pela qual é preciso fazer os ouvidos driblarem a pressão do oxigênio com movimentos dos maxilares, tal fosse uma decolagem de avião, para evitar certo tipo de “entupimento”. Alcançada a compressão, um filmezinho para distrair os confinados durante a sessão de uma hora e meia, fora preliminares. (Detalhe: no Brasil, somente em 1995 o CFM aprovou a técnica).

Cabe alertar os que sofrem de claustrofobia (leva-se mais de dez minutos para despressurizar a câmara e abrir a porta), hipertensão aguda, gravidez, diabetes descontrolada e outros. Esses devem conversar com seus médicos caso sofram de algum desses males. No meu “tubo” “viajavam” duas adolescentes na faixa dos 15 anos, um rapaz acidentado, uma senhora bem idosa em cadeira de rodas e outros dois. Minha cirurgia e debelo da infecção tiveram resultados surpreendentes e rápidos, claro que tendo a câmara coadjuvante de duas belas intervenções feitas pelo médico do hospital.

O Brasil possui – ainda – 85% da floresta amazônica, o chamado “pulmão do mundo”.  Era esse elemento precioso, que responde por “O2”, que nos dava uma vida saudável no passado; com o desmatamento, ele é sufocado pelos inimigos CO2, Pb, S02 e outros invasores armados. A defesa do meio ambiente não é modismo, coisa de ripongos nem pecha para fazer troça de ONGs. Trata-se do futuro do planeta.