Roda de samba resgata trabalho de cantora e lança novos talentos





Arquivo pessoal

Maria Helena Dias, a tia Bá, carrega título de ser incentivadora de nova geração

 

Uma vez por mês, há quatro meses, o “samba come solto” no número 656 da estrada municipal Joaquim Campos Vieira, no bairro Donato Flores. O endereço é a sede – por assim dizer – de uma roda musical que resgata o trabalho de uma das precursoras do gênero no município, ao mesmo tempo em que lança novos talentos.

Trata-se do projeto “Quintal da Tia Bá”, uma iniciativa encabeçada por Lucas Vagner Martins de Jesus e que recebe aval do tio dele, Carlos Eduardo Marinho. O primeiro representa a nova geração de sambistas de raiz da cidade; o segundo, é um dos remanescentes dos anos dourados do gênero.

O projeto consiste num encontro de músicos e amantes do ritmo que consagrou Angenor de Oliveira (Cartola), Nelson Antônio da Silva (Nelson Cavaquinho) e inspirou Maria Helena Dias, a tia Bá, como era popularmente conhecida. Considerada a “mãezona” do samba de raiz, Maria Helena carrega o título de ser responsável pela formação de novos musicistas.

Reuniões no quintal da casa dela resultaram na formação do famoso grupo Sambá. Os encontros instigaram os adultos de atualmente, na época crianças, que frequentavam as rodas de samba de raiz, como explica Marinho.

Segundo ele, grupos como Leva Neguinho e Ki Presença tiveram grande influência dos improvisos musicais que aconteciam na casa da sambista tatuiana. “A maioria da molecada que está no nosso projeto, nós carregamos no colo. Eles começaram no samba quando eram pequenos, por inspiração do que nós fazíamos nos encontros”, disse Marinho que tocou no Sambá.

De forma simplificada, o “Quintal da Tia Bá” representa um resgate do gênero musical, que compete com o samba comercial e urbano. A cantora cujo nome está no projeto tornou-se uma das maiores representantes do samba de raiz da cidade. Fez sucesso em quase todo o país entre os anos de 1980 e 1990.

A ideia de montar o Sambá nasceu dos encontros realizados no fundo do quintal da casa de Maria Helena. “Ela juntava o pessoal e fazia uma roda grande. Na época, lá era o único local para tocarmos o samba”, relembrou Marinho.

De acordo com ele, os que gostavam do gênero ficavam restritos a poucos espaços para ouvi-lo, dançar ao som dele, ou mesmo tocá-lo. O sambista ressaltou que, até então, os bares não representavam uma opção. “O pessoal não nos deixava tocar samba nesses locais porque havia discriminação”, afirmou.

Com o rótulo de marginalizados, os sambistas encontraram na casa de tia Bá um porto seguro. O reduto ficava na rua São Bento (onde, atualmente, funciona uma pizzaria – próximo ao antigo fórum da comarca) e recebia pessoas somente no período da noite.

Atendendo pedidos, os músicos começaram a levar as apresentações para outros locais. Não demorou muito tempo para que eles fundassem o Grupo Sambá e começassem a marcar presença em toda a região, criando um movimento.

Bá despontou no cenário artístico tatuiano na mesma época que Eliana de Lima ascendeu em São Paulo. Na região, Maria Helena seguiu passos parecidos aos da artista paulista. Ela puxou escolas de samba em Tatuí e em Capivari.

Com o Sambá, ela permaneceu na estrada por 15 anos. O grupo chegou a tocar em casas de show em São Paulo, tendo fama até mesmo em São Luís, no Maranhão.

Apesar do sucesso, Marinho contou que os músicos tocavam por gosto e não pelo dinheiro. Tanto que um dos componentes se profissionalizou. Tornou-se professor do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”.

Os demais tomaram caminhos distintos, obrigando o Sambá a encerrar as atividades. Bá faleceu anos depois (a data não é recordada com precisão pelos idealizadores do projeto), sendo homenageada neste ano. A criação do “Quintal da Tia Bá” se deu por conta de lembranças que Jesus tem da infância.

“Eu via o envolvimento do pessoal. Tinha essa referência porque frequentava a casa da sambista”, disse o coordenador da iniciativa e amante do gênero.

No início deste ano, Jesus iniciou uma mobilização entre os amigos. O grupo manifestou desejo de realizar encontros parecidos com os da década de 1980. A tecnologia possibilitou o primeiro passo. “Fiz um grupo no WhatsApp e falei para a rapaziada da ideia de nos reunirmos”, relatou o coordenador.

Por meio do aplicativo de mensagens para celular, os músicos e amantes do samba de raiz sugeriram repertório e ideias para dar corpo à primeira reunião. “O objetivo era valorizar o samba que não toca mais nas FMs”, disse Jesus.

Até para preservar a característica do gênero, o coordenador disse que o grupo priorizou o “gogó” (fazem apresentações sem uso de microfone ou retornos). Os cantores são acompanhados por instrumentos, como: banjo, pandeiro, rebolo e tam tam, num espaço cedido gratuitamente para os músicos.

Em princípio, o local receberia somente o grupo de amigos dos idealizadores. Entretanto, a quantidade de participantes surpreendeu os coordenadores logo na primeira edição. A reunião de “número um” contou com 120 pessoas.

“A nossa intenção nem era chamar a atenção dos demais. Era fazermos uma reunião de amigos para tomarmos uma cerveja e curtirmos um samba”, disse.

Atraídos pela sonoridade, os amigos dos amigos foram se agregando. Aumentaram tanto que, na quarta edição, realizada neste mês, eles passaram de 200 participantes. “Foi aí que meu tio (Marinho) deu a ideia de colocarmos o nome de quintal da tia Bá para batizarmos”, contou o coordenador.

O quintal não representa um novo grupo de samba, mas um evento de reunião de amantes do gênero. Seus participantes não têm cachê e não cobram entrada de quem quer aproveitar o gênero musical e “matar as saudades”.

A presença é livre e a participação “mais efetiva”, também. “Quem quiser canta e quem quiser toca”, disse Marinho. Os encontros são mensais e contam com presença de músicos de cidades, como: Boituva, Capivari, Tietê e Sorocaba.

Por conta do aumento de público, a coordenação pensa em realizar ações sociais. Entre elas, a arrecadação de alimentos não perecíveis para doações a entidades locais. Os idealizadores devem entrar em contato com as instituições e com a Prefeitura para viabilizar as campanhas e tornar os repasses oficiais.

Os encontros são agendados por meio da internet. O grupo mantém uma página em rede social (www.facebook.com/quintaldatiaba), pelo qual posta as datas dos encontros. Quem adiciona o endereço tem a possibilidade de acompanhar as postagens e de participar de iniciativas em paralelo, como a que criou a camiseta oficial do projeto, comercializada com ou sem nome do integrante.

A quinta edição do projeto está agendada para o dia 11 de outubro, véspera de feriado do Dia das Crianças e de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Os músicos começam as atividades sempre às 14h, encerrando a reunião às 21h. O horário atende a necessidades dos componentes, uma vez que muitos dos cantores e instrumentistas integram bandas com shows agendados.

Além do samba e da confraternização, a figura de Bá é relembrada nos encontros. Pelo menos no segundo deles, os idealizadores falaram sobre a trajetória da cantora. Em respeito ao trabalho dela, também pediram autorização à família da sambista para que pudessem realizar a homenagem.

“Ela era uma mãezona do samba. Tudo mundo que gostava de batuque e estava envolvido conhecia a Bá. E ela sempre ajudou as pessoas”, contou Marinho.

A cantora ganhou concursos de interpretação, sendo um deles, festival do Conservatório de Tatuí. Também recebeu prêmios fora da cidade, mesmo não tendo lançado trabalho autoral. O ex-companheiro de grupo da sambista disse que ela também ajudou a revelar novos talentos, um dos objetivos do projeto.

Outra intenção é reforçar, no interior, a importância do samba de raiz no Estado de São Paulo. Com os encontros, Marinho afirmou que o grupo permite aperfeiçoamento para os novos sambistas e até um incentivo ao Carnaval.

O modelo de Tatuí deve ser replicado na região, com embrião em Tietê. Na cidade vizinha, os músicos levarão samba para a festa de São Benedito, no dia 27 deste mês.