Recursos obtidos são insuficientes para manter estrutura hospitalar





Mesmo os R$ 20 milhões anunciados como repasse projetado para ser feito ao longo deste ano pela Prefeitura não são suficientes para manter a Santa Casa em funcionamento. A afirmação é de médicos que compõem o corpo clínico do hospital, dada em coletiva convocada pela diretoria clínica na manhã de quinta-feira, 16.

Os profissionais revelaram à imprensa que há falta de medicamentos, alimentos, materiais para realização de cirurgias e redução das internações (reportagem nesta edição).

Na coletiva, também aproveitaram para detalhar os pagamentos feitos ao hospital e explicar por qual motivo, mesmo com tanto dinheiro repassado por meio da Prefeitura, a Santa Casa corre risco de fechar as portas.

As razões seguem a mesma lógica apresentada pelo diretor financeiro do hospital, João Prior, à reportagem de O Progresso. Na semana passada, ele disse que o principal motivo é o montante que sobra para a entidade filantrópica.

Do volume estimado, boa parte vai para o pagamento dos médicos, que atendem nos plantões, e para o custeio dos serviços.

Por mês, do R$ 1,6 milhão repassado pela Prefeitura (R$ 790 mil de contratualização, R$ 500 mil de subvenção e R$ 388 mil usados exclusivamente para pagamento dos médicos do pronto-socorro), somente R$ 731 mil ficam para o hospital.

Por enquanto, os médicos têm conseguido driblar a dificuldade, garantindo atendimento no ambulatório. Desta forma, os pacientes que precisam de avaliação de especialista continuam sendo acompanhados, mas ficam no PS e não são internados.

“Nós estamos indo lá, avaliando os pacientes, orientando as condutas, porque lá, pelo menos, eles têm a medicação”, disse o neurocirurgião Gianmarco Grandino. “São coisas que não conseguimos fazer aqui”, completou.

O médico apontou que essa decisão pode gerar uma “falsa impressão” de que os pacientes não estão sendo atendidos. Entretanto, isso acontece nos casos em que as pessoas não correm risco de morte e que podem ser acompanhadas.

Conforme a diretora clínica da Santa Casa, a médica ginecologista e obstetra Maria Laura Lavorato Matias, na segunda-feira, 13, a Prefeitura antecipou recurso para que a Santa Casa pudesse realizar o pagamento dos funcionários e evitasse uma greve. Na ocasião, também enviou uma “pequena verba”, que foi utilizada para compra de medicamentos.

Entretanto, a médica afirmou que, como o recurso corresponde à metade do que a Santa Casa gasta com remédios por semana, ele deve durar “alguns dias”. Sem opção, a provedoria passou para os médicos a responsabilidade de decidir em quais situações os medicamentos serão usados.

“Jogaram a bomba no nosso colo. Se formos internar todos que precisam, em dois dias, não tem mais nada e estaremos sentados discutindo o que fazer”, alertou.

No entendimento dos médicos, a exposição da situação ajudará a população a compreender a situação do hospital e dos profissionais. Grandino disse que houve repasse de recursos, como mencionado pela Prefeitura, mas que “grande parte dele não vai para o hospital”.

“Essa questão precisa ser divulgada para que não haja mal-entendido de que não há repasse. Há, mas ele não supre todas as nossas necessidades”, salientou.

Os recursos enviados ao hospital partem de diversas fontes e envolvem serviços que se misturam. O bolo é composto por dinheiro do governo federal, por meio do Ministério da Saúde, do governo estadual e por subsídio da Prefeitura. Cada valor integra-se a contratos específicos, que são três.

A Santa Casa recebe via contratualização (para atendimento a pacientes do SUS – Sistema Único de Saúde), subvenção (retaguarda ou plantão à distância para o pronto-socorro) e pelo contrato de terceirização dos médicos do ambulatório. Com a saída da Unimed, ela perdeu receita – estimada em R$ 300 mil por mês – e não conseguiu mais equacionar as contas.

Por não ter mais CND (certidão negativa de débito), o hospital não consegue realizar novos convênios com o governo do Estado. A expectativa da provedoria era obter dinheiro tornando a Santa Casa um “hospital estruturante”.

Em 2014, a provedora Nanete Walti de Lima explicou que o governo do Estado estava criando uma rede sustentável de hospitais para realização de cirurgias eletivas.

Trata-se de operações realizadas quando “não há pressa”, sendo opcionais, como uma vasectomia, por exemplo. Para dar conta da demanda, Nanete afirmou que o governo propôs a criação de uma rede pela qual as operações seriam realizadas.

Sorocaba e Itapetininga, que possuem hospitais regionais, são consideradas estratégicas. Tatuí entraria na rede como estruturante, para dar estrutura às unidades dos dois municípios. A implantação da rede visa melhorar o atendimento, aumentando o número de ofertas das cirurgias eletivas.

Entretanto, a expectativa não se concretizou pela condição financeira da Santa Casa e por conta de dívidas. Com a saída da Unimed, a Santa Casa teve queda no faturamento. “Isso balançou o hospital, tanto que, agora, estão tentando se valer de outros recursos”, disse o anestesiologista José Luiz Barusso.

Entre eles, o não repasse das AIHs (autorizações de internações hospitalares) e dos incentivos para realização de cirurgias de rotina. Conforme o médico, o hospital não está repassando esse valor aos profissionais há três meses. “Essa é a segunda ou terceira vez que isso acontece”, disse.

Barusso afirmou que, mesmo conseguindo realizar atendimento de urgência, elas não estão 100% garantidas. Isso porque o hospital não tem recursos para manter a funcionalidade. “Falta material, medicamento, comida, há atraso no pagamento de funcionários, que quase gerou greve”, enumerou.

Para o anestesiologista, é precisa haver “apoio público” para que a Santa Casa possa ser salva. Barusso lembrou que o Estado não pode colaborar por conta dos débitos do hospital.

A Santa Casa deve contribuições ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), IR (Imposto de Renda) e tem dívidas com empréstimo bancário de funcionário descontado em folha, mas que não foram pagos. Os débitos aumentam com os juros e a inflação.

O mesmo ocorreu com o recurso anunciado pela Prefeitura. Maria Laura disse que há aumento do repasse por conta de vários fatores. “Primeiro, por causa da inflação e, segundo, porque o preço da medicação aumentou. É como fazer compras no supermercado, que estão mais caras por causa da inflação”, disse.

Para Grandino, a saída para o hospital não está somente na Prefeitura, mas numa mobilização da sociedade. “A Santa Casa é de misericórdia. Precisamos ajudá-la de alguma forma. Ou nós nos mobilizamos e tentamos fazer algo, ou as portas do hospital vão se fechar, mesmo”, argumentou.

Por fim, Grandino disse que os médicos também estão preocupados com a situação da Santa Casa. Assim como a população, afirmou que os profissionais também dependem do hospital. Ainda disse entender que o poder público está “entrando com o máximo que pode” e que a única saída, no caso de não haver perspectivas de saneamento da dívida, seria uma intervenção.