Pensando o Brasil na música de concerto





Reflexões: parte 2 (continuação)


Retomando o assunto da semana passada e, por necessário agora à abordagem do assunto, voltemos umas tantas décadas no tempo. Em 1909, foi fundado o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e, logo a seguir, o Teatro Municipal de São Paulo (1911). Os chamados “barões do café” da elite paulistana, em sua maioria encastelados nas mansões das avenidas Paulista e Higienópolis, não aceitavam que as grandes companhias de ópera fizessem o périplo Milão – Amazonas – Rio de Janeiro, saltando diretamente para o famoso Colón, de Buenos Aires, por cima de uma metrópole rica e próspera como São Paulo! Os principais teatros preparados para óperas no passado eram o Santa Isabel (1850), de Recife, o Teatro da Paz, de Belém (1869), e uma grande casa com todos os requintes, no Estado em que abundavam as seringueiras, durante o chamado “ciclo da borracha”, que lhe deu grande prosperidade, e leva seu nome: o Teatro Amazonas (1896).

Bem depois, do lado estético, 1950 foi o marco de uma grande rixa, época efervescente na música, um embate ferrenho entre os nacionalistas, alunos de Camargo Guarnieri (1907-1993) e os que foram seduzidos pelo “canto da sereia” do dodecafonismo de H. J. Koellreuter (1915-2005), modismo que aqui aportara com certo atraso: Schönberg compôs sua primeira obra dodecafônica, a “Suíte para Piano Op. 25”, entre 1921 e 1923. O Schönberg, após a 1ª Guerra, parecia ter entrado em verdadeiro hiato criativo, e seu sistema de construção lógica sobre séries de 12 sons, levou muitos compositores a essa técnica, com poucas preocupações quanto ao conteúdo.

Com Koellreuter e Guarnieri, as tendências da composição dividiram-se. De um lado, os que adotaram a novidade, e do outro, os defensores do que seria a música nacionalista brasileira. O tempo tratou de diluir a cisão entre os compositores e o país retomou seu rumo musical, sem traumas, tirando proveito da experiência dos grupos conflitantes e seus antigos membros, agora em seus próprios caminhos.

Do lado dos grandes conjuntos, em 1940 foi fundada a OSB, Orquestra Sinfônica Brasileira, pelo maestro José Siqueira, sob a batuta de Eugen Szenkar, e em 1954, surge a Osesp, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, anos mais tarde reestruturada por Eleazar de Carvalho, para, em plena maturidade, ser acolhida no melhor auditório do país, a Sala São Paulo (1999). A orquestra foi readequada para se tornar um grupo modelo para a América Latina.

No período pós-Sinfônica Brasileira, no ano de 1960, penúltimo da gestão Juscelino Kubitschek, foi criada a OMB, Ordem dos Músicos do Brasil, e regulamentada a profissão de músico via CLT, Consolidação das Leis do Trabalho. A categoria, até então, trabalhava precariamente e sem reconhecimento. Em 1964, o golpe militar interveio na direção da OMB de Eleazar de Carvalho e José Siqueira, e seus rumos foram desviados dos propósitos originais. A desculpa foi a de sempre, “infiltração comunista nos sindicatos” (Siqueira talvez, mas Eleazar, logo ele, tão avesso ao marxismo!), impondo um bedel de confiança do regime na organização, Wilson Sandoli, que a encabeçou por 40 anos! Voltando, em 1961, último da gestão JK, foi criada a Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC, hoje na UFF, Universidade Federal Fluminense. Em 1972, a Orquestra Petrobras Pró-Música acresce mais um grupo de qualidade ao Rio de Janeiro, e ressurgem orquestras em Campinas, 1929, reestruturada em 1975, e a de Ribeirão Preto, de 1938, também reconstruída.

Em 1997, foi criada a Amazonas Filarmônica, hospedada no suntuoso teatro, sob a batuta de Luiz Fernando Malheiro. No ano de 2008, ergue-se a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, sob a batuta de Fábio Mechetti, que recentemente foi acolhida na modelar Sala Minas Gerais, moderna, de extremo bom gosto e bem arquitetada e projetada acusticamente. A OFMG tem chamado atenção para o nível de seus concertos e solistas, graças à experiência e o conceito da classe musical ao regente. Recife se reergue no mesmo histórico e suntuoso Teatro Santa Isabel, de 1850, primeiro grande palco musical do Brasil, cuja sinfônica hoje se destaca sob a liderança do compositor de sólida carreira internacional, autor de raízes profundas na música brasileira e regente Marlos Nobre, enquanto novos grupos vão se consolidando, com nítido crescimento de qualidade, na capital de São Paulo e no ABC, como a Sinfônica de Santo André, entre outros.

Na área do ensino, o Conservatório de Tatuí, 60 anos completados em 2014, organizado como os melhores da Europa e EUA com seus 2.300 alunos, é considerado um paradigma do ensino de qualidade, e assume uma posição de destaque no cenário brasileiro. Foi transformado em organização social, assim como a coirmã paulistana Emesp e a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Aos 48 anos de fundação, a excelente Escola Municipal de São Paulo faz coro a essas unidades de formação que, a despeito da grave crise financeira por que o país está passando, continuarão a preparar os futuros músicos que, lembrando a reflexão de Schönberg do início deste texto, vão projetar, hoje, “aquilo que, presumivelmente, deverá acontecer” na música de concerto e orquestral brasileira.