Pedaladas e tombo





Em defesa à presidente afastada Dilma Rousseff, muito se acentuou, entre diversos argumentos, a suposta (ou possível) ausência de crime de responsabilidade, sobre o que o marketing político do ex-governo tentou barrar o processo – ou, ao menos, “impopularizá-lo” – a partir do discurso de “golpe”. Não deu certo.

Óbvio que o mais importante é o país voltar às atividades normais, até porque estava, de fato, paralisado desde a reeleição de Dilma. Melhor (ou pior): estava era retrocedendo em todos os aspectos, inclusive, no social, perdendo todas as tais “conquistas” que tanto o PT ostenta sistematicamente como sendo de sua única responsabilidade.

Contudo, ainda que a retomada da normalidade seja o primordial, não deixa de ser pertinente observar algumas questões, começando pelo fato de que as tais “pedaladas fiscais” – causa oficial do impeachment – passam a ter outra dimensão daqui para frente.

Verdade seja dita: crime, é. Porém, tinha causado maior estrago até então? Não. Pelo menos não no sentido de tirar do poder algum político significativo. Isto é inusitado e sustenta, com coerência, a tese do golpe e a gritaria do governo anterior.

O discurso se baseava na ideia de que, se outros fizeram o mesmo antes, por que somente a “presidenta” deveria ser punida com tal rigor? Fato: houveram outras pedaladas antes.

Mas, se a lei não precisa ser seguida, para que ela ainda existe? E ainda: se ela precisa começar a ser seguida, não seria melhor “de cima para baixo”, então tendo início pela punição da figura de maior poder no país?

Na prática, isso foi o que aconteceu. Contudo, a dúvida passa a ser a seguinte: e os demais políticos que cometeram as mesmas espécies de “pedaladas” e ainda serão julgados? O natural seria que, todos, também perdessem seus mandatos. Será que isso ocorrerá?

Outro ponto – este claro e inequívoco – é que, até mesmo pela questionada fragilidade da sustentação jurídica que embasou o impeachment -, o afastamento se deu não pelas próprias pedaladas, mas pela cisão entre Executivo e Legislativo.

Em outras palavras, a presidente afastada perdeu a grande maioria do apoio, da sustentação que possuía na Câmara Federal e no Senado. Não fosse por isso, simplesmente, o primeiro relatório sobre o impeachment teria sido reprovado pelos deputados federais, e fim do processo.

Sucede que a presidente é, também, muito imperita até na articulação política – para não dizer nas relações pessoais – e conseguiu perder todo o apoio entregue a ela pelo ex-presidente Lula – tal como a própria Presidência.

Sim, não há dúvida: a debandada de apoio também é derivada da crise econômica, senão quase totalmente causa dela. Isto porque, “ao final e ao cabo”, o político precisa do voto do povão para se eleger.

Se a população não estivesse perdendo o emprego em massa, ou baixando as portas de seus pequenos negócios, não teria imposto o terror sobre os deputados e senadores, e, por consequência, a proposta de impeachment não teria sido mais que uma bufa malcheirosa.

A indignação pela corrupção – queiram ou não admitir – é bem menos incômoda que a falta de dinheiro, que a impossibilidade de pagar as contas do mês. Não fosse assim, nem mesmo Lula teria sido reeleito. Haja vista ao mensalão, já de pleno conhecimento público quando da campanha de 2010.

A situação econômica, naquela ocasião, estava tranquila. Crédito fácil, juros domados, inflação sob controle, Bolsa Família em dia… E daí a corrupção? Daí, nada! Votos no Lula!

Anos se passaram e novos “escândalos” foram descobertos e denunciados, na imprensa e pela Justiça. Petrolão! Prisão dos mais importantes líderes do Partido dos Trabalhadores. Acabou a história de 12 anos do PT no governo? Não.

Já estava mais que clara a implicação de incontáveis megaempresários com um esquema de corrupção colossal, em boa parte fornecedor das verbas necessárias para a própria campanha de reeleição. E essa campanha fracassou por conta disso? Não.

Mas, por que não? O povo não fica todo indignado quando exposto aos malfeitos? Fica, sejamos justos. Mas, se ainda assim estiver com as contas em dia e podendo contrair novos carnês, vá lá… Votos na Dilma!

Para azar de todos, o problema é que o governo estava “artificialmente” segurando a crise, que não teve como deixar de estourar imediatamente após a contagem desses votos. E, aí, a indignação manifesta, então com sincera profundidade.

O impeachment nasceu não das transações bancárias de criminosas irresponsabilidades, sobre as quais a população pouco entende, mas do bolso vazio de cada brasileiro que perdeu a “qualidade de vida”, a qual depende muito, senão totalmente, de dinheiro.

Se entre as causas da corrupção, certamente, está o egoísmo, que essa situação extrema pela qual passa o país sirva, também, para inspirar as pessoas a buscarem um conveniente aprendizado: de que seria muito positivo observar o que se passa ao redor e acima do próprio bolso.

Tivesse assim acontecido, o país não estaria passando por este trauma, dado que o governo afastado teria perdido as eleições.

De qualquer maneira, ainda que de forma traumática e um tanto perigosa, a mudança de governo é vital para a sobrevivência do Brasil – pelo menos desse que passamos a conhecer após o fim da hiperinflação, com um pouco mais de justiça social, liberdade e oportunidade para todos.

Essa realidade não é legado de um partido em particular – muito menos desse que deixa o governo. É fruto, principalmente, dos erros e acertos proporcionados e permitidos pela democracia. Essa, sim, que precisa ser defendida, sempre, com os bolsos cheios ou vazios.