O poder das palavras

Em artigo anterior, usando a “livre associação” da psicanálise para abrir o tema, lembrei-me de muita coisa de seu criador, Sigmund Freud (1856-1939). E achei essa pérola do grande analista, que traduzo livremente: “Palavras têm uma força mágica. Elas podem trazer tanto a maior alegria quanto o mais profundo desespero; elas podem transferir conhecimento do professor para o aluno; palavras habilitam o orador a conquistar sua plateia e ditar decisões. Palavras são capazes de despertar as emoções mais fortes e influenciar os atos de todos os homens”.

Palavras também podem trazer o chamado ato falho (“lapsus linguae”), algo que estava escondido e ressurge no momento “errado”, à nossa revelia. Vemos isso diariamente em alguns políticos, que primam pelo pouco cuidado que têm nos seus discursos. Essas escorregadelas podem acontecer por ignorância, por falta de pensar antes de falar ou porque simplesmente fogem ao controle de quem as diz, e escapam até em discursos escritos.

Um exemplo recente foi capturado por Claudio Tognolli, da  “Jovem Pan”, doutor em jornalismo pela USP: disse Lula “não preciso ter estudado geografia pra saber que os quatro maiores inimigos do PT são três: Moro e Lava Jato”. Ora, burro ninguém pode dizer que ele é, pelo menos, pois ninguém sai da pobreza e com muito pouca escola de uma cidadezinha a 250 km de Recife para se tornar uma celebridade mundial. Chamá-lo de ignorante (que ignora), mal letrado, não estudado, é outra coisa (assuntos políticos não são aqui pertinentes). Mas citou a disciplina geografia para cometer três deslizes em aritmética básica, primeiro “ato falho”: Lula parece ter trocado uma de suas maiores lacunas de estudo, a geografia, por outra, a álgebra. E mais: “quatro erros são três” (ele costuma citar “quatro pontos” – truque para ganhar tempo e organizar o pensamento). Ou quem sabe foi o inconsciente a lembrar-lhe o duro trauma da perda do dedo mínimo da mão esquerda – justamente aquela com que define seu ideário? E mais: três eram apenas dois, Moro e Lava Jato.

Ao anunciar a realização das Olimpíadas no Brasil, Dilma disse, amparada na tradicional soberba de poder que divide com seu mentor, que “o Brasil é o primeiro país latino a sediar uma Olimpíada”. Mas em 1968, ano do famigerado AI-5, o México, também latino, sediou os Jogos. A prepotência comprometeu o rigor necessário a quem vai fazer uma afirmação dessa magnitude. Mais: “quando nós criamos uma bola dessas, nós nos transformamos em ‘homo sapiens’. Ou ‘mulheres sapiens’”. No caso, o ato falho foi provocado pela insistência em “primeira mulher na presidência”, “presidenta” e afins. “Homo”, em latim, refere-se ao ser humano – “homo sapiens” foi o primata do paleolítico inferior que nos deu origem. Não significa “macho”. A frase poderia ter soado como uma saudável “boutade” se tivesse dito “mulier sapiens” (em latim, com sotaque). Mas deixou escapar a gafe.

Deslizes de George Bush eram como os de seus colegas de presidência brasileiros, e estão amplamente documentados em “The Bush Dyslexicon” (MILLER, Mark Crispin. NY: Norton, 2002). Naquele mesmo ano, declarou à agência de notícias AP, no dia 27 de janeiro: “Estive na guerra. Eu criei gêmeos, mas era melhor ter ido para a guerra”. Tentou posar de cidadão modelo, que vive pela sua pátria. A declaração midiática de ufanismo bloqueou seu raciocínio e trouxe um entendimento inverso, um absurdo desapego aos filhos – e a família é um dos grandes ícones do povo americano! Em 2001, saiu-se com esta: “Educação não é minha prioridade” (aplausos da claque). Pouco depois, talvez ajudado por algum sopro amigo, disse: “Educação é minha prioridade”. Preferiu o ridículo para tentar retificar o deslize. E foram centenas de lapsos durante anos.

Há palavras que se bastam, dizem tudo: amém, por exemplo. “Assim seja” é tão poderoso, é a aceitação dos desígnios divinos, do destino, do futuro, até, e se mostra maior do que tudo. Há o “sim” dito pelos noivos no casamento, (“ken”, em hebraico, “oui”, “yes”…). Palavra que simboliza a promessa de convivência até a morte, sela o acordo nupcial em público e antecede o beijo, que simboliza o amor mútuo dos noivos. Outras palavras podem ter vários significados, e dependem muitas vezes da companhia de um olhar, que, ele sim, pode dizer tudo: um “obrigado”, com os olhos atravessando, desarmado, até a retina de quem ouve. “Desculpa” também precisa dos olhos, para que adquira significado profundo, caso contrário é apenas mais palavra gratuita.

José Maria Escrivá de Balaguer foi o criador do Opus Dei, organização apoiada pelo ditador Franco (1892-1975) como contrapartida à maçonaria, que estaria acobertando a oposição. Balaguer, que foi canonizado em tempo recorde por Paulo II (antes, prelado da organização), inspirou um popular livrinho: “Pensamentos”. Em um de seus aforismos mais conhecidos, Balaguer diz que se deve reservar uma hora por dia para dizer apenas “não”. Tão metodicamente quanto a necessidade de se usar o cilício, uma espécie de corrente que machuca a perna do filiado ao Opus para fazê-lo compartilhar, uma hora por dia, o sofrimento de Cristo pela coroa de espinhos, prática antiga, do início da era cristã.

O “não” que é realmente importante deve ser usado com parcimônia e voz baixa pelos pais que conduzem a educação de seus filhos com correção. Mas caiu em desuso, infelizmente. Assim cresceu parte de uma geração que perdeu o rumo, já que seu “sim” só compreende a desordem e o desrespeito.