O outono de Sara Winter

Henrique Autran Dourado

Sarah Domville-Taylor nasceu em Ludlow, Inglaterra, em 1870. Filha de um coronel britânico, foi criada em Londres por uma tutora, a baronesa Von Altenburg. Desde a adolescência aprendeu com ela o que de pior havia na Alemanha da época: ideias fascistas e antissemitas. Não tardou para Sarah ingressar na BUF (União Britânica de Fascistas), e militar no grupo.

Bela e sedutora, a jovem Sarah casou-se aos 20 anos com Robert Winter, de 22, jovem de família abastada, adotando o sobrenome do marido. O casal teve um filho, Arthur Trevor Winter, que depois rejeitaria a mãe e suas ideias. Sarah admirava Ormonde Winter, um militante fascista como ela, primo de seu marido e “protegé” do príncipe de York, futuro rei George VI, coroado em 1936.

Com a morte do esposo, Sarah, então com 28 anos, passou a dedicar-se a instituições de caridade e envolveu-se com o rico entourage do falecido. Organizava recepções, bailes e reuniões sociais muito comentadas na alta grã-finagem.

Apesar de socialite, Sarah continuou fascista, mas apenas depois da Primeira Guerra passaria a aderir à causa nazista. Em 1935, ingressou na Sociedade Anglo-Germânica, que apoiava o Partido Nazista alemão. Quando da anexação da Áustria por Hitler, em 1938, mandou hastear bandeiras com suásticas em suas propriedades.

Sarah nunca foi presa, ao contrário de outros companheiros pró-nazismo, pois tinha bom trânsito com figuras graúdas no Reino Unido – incluindo o todo-poderoso Winston Churchill, primeiro-ministro e ícone da luta dos aliados contra o Eixo.

Winter foi acusada de atos de espionagem contra o Reino Unido mas, como sempre, protegida pelo “crème de la crème” britânico – milionários, banqueiros e habitués da realeza -, escapou. Permanecia livre, amada por poucos e odiada por muitos. Um ano antes da derrota do Eixo para os aliados, na Segunda Guerra, Sarah tinha fé na vitória de Hitler, que já conquistara boa parte da Europa. Mas deixou o mundo em 1944 sem ver o naufrágio da aventura nazista. Foi sepultada em Worcestershire, condado de West Midlands.

Sara Fernanda Giromina nasceu na São Carlos paulista em 1992 e, desde cedo, deixou-se influenciar por estereótipos feministas internacionais. Aos 19 anos, fundou uma vertente brasileira do grupo ativista Femen, cuja principal forma de chamar atenção para seu ideário político eram manifestações topless, com seus lemas e reivindicações pintados nos peitos nus em locais de grande visibilidade, com certa “mise em scène” em suas prisões.

Viajou para a Ucrânia para conhecer Inna Shevchenko, 29, uma das líderes internacionais do Femen, de quem recebeu orientações. Mais adiante, por afastar-se das bandeiras do movimento, foi obrigada a retirar a “marca” Femen de seu grupo por outra líder, a ucraniana Olexandra Shevchenko. Mas não tardou a criar seu próprio clã, o “BastardXs”.

Aos 23 anos, após o nascimento de seu filho, Giromina abraçou o catolicismo e jurou criar o menino à luz dos Dez Mandamentos, repudiando antigas bandeiras como o aborto legal e o feminismo. Ao contrário, passou a atacá-los, no tom ultraconservadorista da extrema direita.

Buscando projetar-se a qualquer custo, tentou uma vaga pelo DEM na Câmara dos Deputados em 2018, mas recebeu apenas 0,22% dos votos válidos (as verbas de campanha ainda estão sob investigação por supostos desvios). Graças à militância ultraconservadora, em 2019 foi nomeada coordenadora de políticas da maternidade da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves – conhecida pela frase “menino veste azul, menina veste rosa”.

Sara Giromina adotou como “sobrenome de guerra” o de sua “alter ego” inglesa, Winter, uma reverência à militante do Reino Unido que do fascismo histórico passou a apoiar a via hitleriana, mais radical. Ainda criança, Giromina foi estuprada, sofreu maus-tratos e deixou-se entregar à prostituição durante quase um ano. Seu irmão declarou-a sociopata, pessoa de comportamento fora de sintonia com a vida em sociedade.

Como militante da extrema direita, Giromina advoga um patriotismo radical extremado típico do fascismo, e vez por outra surge vestida com uma camiseta estampada com o brasão do Império. São frequentes suas postagens nas redes sociais ostentando pistolas automáticas 9 mm ou 765, às vezes uma em cada mão. Mercê de uma ambição doentia por liderança, Sara criou outro grupo, mais radical, o “300 do Brasil” – que na verdade não agrega mais de 30 – e com ele fincou acampamento em Brasília. Disse que teve “inspiração em passagem bíblica” na organização de marcha com feitios da Ku-Klux-Klan.

Familiarizada com o entourage do Poder, é defensora intransigente de todos os atos do governo, atacando tudo que não seja ele. Por ameaças consideradas criminosas pelo MPF ao ministro do STF Alexandre de Moraes, foi denunciada por ofensa e injúria, tendo fixada multa de valor pedagógico, R$ 10 mil. Em âmbito do inquérito que investiga a organização de manifestações contra a Constituição e o Estado de Direito, no dia 17 de junho Giromina foi presa, em conformidade com a lei. Reclusão preventiva de cinco dias, depois renovada. Um habeas-corpus impetrado em seu favor visando à sua soltura imediata foi denegado pela ministra Carmen Lúcia, do STF.

Seus protetores não a ampararam como faziam os nomes influentes de sua musa britânica, afinada com milionários e até o primeiro-ministro. Giromina, agora sozinha, não sabe que no Brasil a democracia, sob a égide do Estado de Direito, é pétrea e indissociável da Constituição Federal.