O ano da imprensa

Conhecida como o berço de Alexandre, O Grande, a Macedônia ganhou a atenção mundial no ano passado por sediar uma cidadezinha com mais de 40 mil habitantes, Veles, que veio a ser conhecida como a capital mundial da “fake news” (eleito o termo do ano de 2017, aliás, pelo dicionário em inglês da editora britânica Collins).

Os falsos blogueiros/jornalistas dessa cidade – em sua maioria, garotos em torno dos 18 anos – chegaram a ser determinantes para a eleição de Donald Trump, tal o bombardeio de notícias falsas que despejaram sobre os incautos eleitores ianques.

E pouco importa para essa juventude a tal “ideologia política”, se é que isso ainda existe… Interessava, mesmo, não necessariamente o capitalismo, mas o simples e imprescindível “capital”.

Ou seja, a molecada publicava blogs cheios de invenções – não raro, aberrações – e ganhavam pelos cliques. A consequência disso, na pior das hipóteses, seria a Terceira Guerra Mundial – algo a aterrorizar a humanidade enquanto o tão caricato quanto ameaçador presidente norte-americano sustentar-se no poder.

Momentaneamente, os grandes instrumentos de pesquisa na internet, tal como as redes sociais, estão (aparentemente) buscando inibir a ação dos fabricantes de falsas notícias.

Não obstante, elas vieram para ficar – inclusive, utilizadas e, portanto, incentivadas pelo próprio Trump, que acusa tudo o que vê na imprensa de “fake news”, caso as notícias não lhe sejam do interesse.

A situação chega a tal ponto em que nova expressão se cunhou para identificar as mensagens sobrepostas à opinião pública e, por consequência, ao senso-comum: a “pós-verdade”. Basicamente: não importa ser fato ou não, importa a “impressão” de ser verdade.

Obviamente, o maior instrumento de comunicação popular do momento também é o maior meio de transmissão das “fake news”: as redes sociais.

Por conta disso, vale observação – entre tantas outras fontes confiáveis – sobre recente artigo do cientista político pela USP, diretor do Cepac (Centro de Pesquisas e Análises da Comunicação) e consultor da Fundação Espaço Democrático, Rubens Figueiredo, publicado na “Folha de S. Paulo”.

Ele argumenta: “Redes sociais têm poder monumental de espalhar notícias, viralizar piadinhas, destruir reputações e fazer brotar artistas que se transformam em fenômenos de audiência de uma hora para outra. Mas não são as principais formadoras de opinião na sociedade moderna, como alguns analistas apressados e superficiais apregoam. A tendência é que percam espaço como produtoras de conteúdo no futuro próximo.

As redes criam modismos, acentuam tendências e são fundamentais para mobilizar pessoas quando há um sentimento latente na sociedade (como em junho de 2013). Mas elas operam num ambiente no qual a opinião pública, em determinado momento, está estabelecida.

As redes não alteram, ‘per se’, valores e comportamentos. Podem pôr 100 milhões de robôs ‘tuitando’ a cada minuto que não é para crer em Deus e o brasileiro seguirá, em sua grande maioria, acreditando em Deus.

Um político não tem grande visibilidade nas redes por causa das redes. Ele a tem porque representa algo que é importante para a sociedade. Bolsonaro é um sucesso porque tem postura e discurso que seduz parcela de um eleitorado que perdeu a paciência com a política institucionalizada tradicional.

Contrate os melhores e mais criativos profissionais do mercado, invista milhares de reais impulsionando a página, produza filmes de excelente qualidade para o Youtube e dê vasta publicidade ao ideário de Levy Fidélix. O que acontecerá? Nada.

Nas redes, cada um posta o que lhe dá na telha, mas isso não significa que o usuário acredite no que lê, vê ou ouve. Quando se pergunta ao brasileiro, em pesquisas de opinião, em que meio de comunicação ele confia sempre ou quase sempre, os jornais (59%), rádios (57%), TVs (54%) e revistas (40%) aparecem como os de maior credibilidade. As redes sociais marcam 14%, e os blogs apenas 11%. Os dados são da Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada pelo Ibope em 2016.

A praga das ‘fake news’ e dos robôs está acarretando monumental crise de credibilidade nas redes como meio de obter notícias confiáveis. Robôs são contas operadas por softwares que geram artificialmente conteúdo e estabelecem interações com usuários de carne e osso.

Você pensa que está debatendo com um petista, mas na verdade está se relacionando com algum algoritmo hospedado num provedor da Índia.

Os robôs fazem com que falsas repercussões sejam criadas nas redes, de tal maneira que seja possível manipular os ‘trending topics’ e enviesar o debate.

Estudo de casos desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas mostrou que, durante o episódio da convocação da greve geral para 28 de abril de 2017, robôs foram responsáveis por 22,39% das interações entre apoiadores da paralisação. Mais uma prova de que as redes não induzem comportamentos políticos: a greve foi um fiasco.

Paradoxalmente, a modernidade tecnológica prestará um tributo à tradição. Generaliza-se a ideia de que as redes são um espaço de entretenimento, exposição de sentimentos e manifestações de bom (ou mau) humor, mas uma seara perigosa para se obter uma informação ou uma análise política confiável.

Também não será possível identificar, em tempo real, se os grandes movimentos de opinião presentes nas redes são reais ou inflados por robôs que espalham ‘fake news’.

Aí, crescerão em importância e credibilidade os meios de comunicação tradicionais, que construíram sua reputação ao longo de décadas; e os institutos de pesquisas, que mensuram a opinião de pessoas que pensam e sentem, e não de algoritmos fajutos.”

Voltando aos descendentes de Alexandre, resta uma dúvida: diante de tanta falta de credibilidade, por que as “fake news” atrapalharam tanto as eleições norte-americanas?

Primeiro, porque elas ainda não estavam sendo levadas tanto a sério, como se não pudessem ser tão nocivas. O desastre dessa eleição serviu como alerta, pelo menos… Segundo, conforme a molecada macedônia, porque “não há povo mais ingênuo no mundo que os americanos” (reportagem disponível na GloboNews)…

Finalmente, fica a incógnita quanto ao grau de senso crítico do brasileiro, especialmente em ano eleitoral (ou falta de senso…). De qualquer maneira, por todos esses fatores, estudiosos da comunicação defendem que 2018 será o “ano da imprensa”.