Na Carruagem do Silêncio

Instalei-me na carruagem do silêncio, pedi ao cocheiro que conduzisse sem pressa e sem atropelo. Guiasse com delicadeza e ternura, não havia hora de chegada, importante era não ter pressa. Os cavalos que traçassem o roteiro, escolhessem os caminhos, definissem a velocidade conveniente, mas tudo em silêncio, respeitoso silêncio.

Estava terminantemente proibido perturbar o ciciar dos passarinhos, o arrulho das pombas, a cantiga amorosa das cigarras, enfim todos os cantos da natureza que afagam nossos sonhos e iluminam nossas esperanças…

Eu queria ver e ouvir tudo! Afinal, tantas vezes nos distraímos, somos relapsos, frios e indiferentes, nos esquecemos de olhar e ver, com os olhos da alma, o lado belo da vida e do mundo. Ouvir sua música, sua poesia, viver o espetáculo gratuito de todas as luas em todos os lugares. Eu queria admirar as quaresmeiras floridas vestidas de suas cores cambiantes disputando o concurso de beleza com os manacás, roseiras, primaveras e alamandas, os beijos pressurosos das tranquilas borboletas bailarinas e dos buliçosos colibris na manhã estival.

Iniciamos a jornada. Uma jornada sentimental seguindo as regras estabelecidas. Os cavalos pisavam tão macio, tão macio que parecia estarem de sapatilhas. A rigor, não pisavam, faziam cafuné com suas patas delicadas no chão, ao longo do caminho fresco e ensombrado na manhã celestial. Caminhavam e dançavam quase levitando no ritmo alucinante da “Valsa das Flores” de Tchaikovsky que a alvorada derramava nos corações enternecidos.

E o cocheiro fardado mantinha-se sentado, ereto e imperturbável, na boleia, quepe solene, mergulhado numa quietude de estátua, apreciando a coreografia dos misteriosos cavalos alados a puxarem nossa estranha carruagem do silêncio. Creio que ele sonhava acordado em pleno alvorecer do verão. Como é bom viajar assim! Esquecemos as dores e as tristezas.

Mas eis que a viagem chega ao fim. Foi tão fugaz. Foi uma fuga? Vi flores em profusão. Senti aromas na manhã luminosa e ouvi aves canoras saltitando nas ramagens orvalhadas, o sol se levantando placidamente no céu cristalino de janeiro para a alegria das aves.

Desci da generosa carruagem do silêncio, despedi-me do atencioso cocheiro engalanado e dos cavalos alados. Agradeci os inesquecíveis momentos vividos e quando pisei no chão… acordei!