Mutirão revitaliza rua no Jardim Gonzaga





Ao som de rap e hip-hop, grafiteiros, professores, voluntários e moradores do Jardim Gonzaga se reuniram no bairro em ação de revitalização de um quarteirão da rua José Pires Corrêa, durante o domingo, 4.

O evento, organizado pelo GGIntJR (Grupo Gestor Interinstitucional da Justiça Restaurativa de Tatuí), em parceria com empresas privadas e membros da sociedade civil, teve como objetivo “melhorar a autoestima dos moradores da comunidade e gerar o sentimento de comunidade”.

Ao todo, foram beneficiadas as fachadas de 17 residências do quarteirão, compreendido entre as ruas Antônio Silvério Fernandes e Isabel de Lima Soares.

Algumas casas receberam floreiras verticais e muros se tornaram grandes telas, onde grafiteiros pintaram paisagens, personagens e mensagens de solidariedade.

Há pouco mais de três meses, a maior parte dos muros do quarteirão revitalizado nem tinha reboco. Os tijolos expostos às intempéries mostravam a precariedade das habitações da comunidade de baixa renda.

A realidade do quarteirão começou a mudar em pouco tempo, com os convites aos moradores para participarem das reuniões da Justiça Restaurativa.

Apesar de manter reuniões mensais na localidade há um ano, a participação da comunidade do próprio bairro era pequena, de acordo com a coordenadora do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) Norte, Débora Cristina Franco Nunes Barros.

“Nós percebemos que estávamos fazendo várias coisas para a comunidade sem os próprios moradores. Então, começamos a convidá-los para as reuniões”, contou.

O Cras Norte funciona no bairro há três anos. Segundo Débora, o tempo de trabalho, apesar de ser pequeno, foi suficiente para criar vínculos com as famílias e facilitou a adesão dos moradores ao projeto de revitalização.

“Temos várias parcerias. Tem voluntários que dão aulas de kickboxing, capoeira. Fizemos algumas aulas de alfabetização de adultos na vila Angélica. São parcerias com vistas a melhorar a comunidade”, explicou.

Com a maior proximidade, foi possível ouvir as demandas dos moradores. Uma das maiores reclamações era a situação das ruas. A ideia de revitalizar as fachadas das residências partiu dos próprios moradores.

“Aí, surgiu a oportunidade, por ser um bairro com alta vulnerabilidade e ser chamado de favela por algumas pessoas, que citam o tráfico de drogas. A ideia da própria comunidade era melhorar a primeira rua e, daí, ir espalhando para o restante do Jardim Gonzaga”, argumentou.

As reuniões da Justiça Restaurativa têm a participação de professores da Fatec (Faculdade de Tecnologia) “Professor Wilson Roberto Ribeiro da Silva” e da Faesb (Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara).

Da primeira instituição, surgiu a ideia de reunir grafiteiros para darem “cara nova” aos muros; da segunda, o reaproveitamento de paletes usados para a construção de floreiras verticais.

“Nós queremos tirar a referência ruim que tem sobre o bairro, melhorar as casas, o comércio local e, com isso, dar referência turística, de ser um lugar conhecido por ter diversos grafites e ser bonito”, explicou.

Segundo a coordenadora do Cras Norte, o evento de domingo foi apenas o começo do processo de renovação do bairro, que foi batizado como “Novo Jardim Gonzaga”.

“Agora, eles estão limpando o bairro, estão cobrando uns aos outros. A criançada parou de jogar lixo nas ruas e está ficando tudo mais bonito. Colocamos lixeiras nesse quarteirão, e isso deve colaborar com a limpeza”, afirmou.

A ação social ainda teve o custo reduzido em R$ 5.000, arcado por empresas da cidade, como a Caetano Materiais para Construção, a View Informática, Nicosa, Cybelar, Pavanelli Materiais para Construção, que doaram sacos de cimento, cal, tinta para paredes e material para argamassa.

Entidades como o Sindmetal (Sindicato dos Metalúrgicos de Tatuí e Região), a Amart (Associação dos Artistas Plásticos de Tatuí e Região), a Casa Publicadora Brasileira, a AmaTatuí, Cosc (Centro de Orientação Social da Comunidade) e o Laboratório de Convivência também colaboraram, com sprays e latas de tintas. A Faesb doou os vasos utilizados nas floreiras verticais.

“Teve quem deu cimento, areia, colaborou organizando os artistas. Teve a contribuição de cada um. Não é só um projeto da Justiça Restaurativa. É da comunidade, e temos a ideia de fazer em todo o bairro e levar, ainda, para outros lugares da cidade”, adiantou.

Os próprios moradores rebocaram as fachadas das casas no decorrer das últimas semanas, em esquema de mutirão. O material utilizado foi doado por casas de materiais de construção.

“Um morador sabia fazer serviços de pedreiro e conduziu os trabalhos de rebocar os muros. Ele ficou responsável pela turma. Queremos que as pessoas se ajudem e criem o sentimento de comunidade”, declarou.

O projeto de revitalização foi coordenado pelo juiz de direito Marcelo Nalesso Salmaso, que é o coordenador da Justiça Restaurativa.

“Buscamos fazer com que as pessoas pensem quais são os problemas e as molas propulsoras que acabam fazendo com que algumas partam para a violência. Como antídoto a isso, queremos a união da comunidade, para que ela se empodere e, a partir daí, ela mesma possa resolver os próprios problemas”, explicou o magistrado.

“A comunidade sabe que, unida, dá conta de resolver todos os problemas. É essa a ideia da Justiça Restaurativa”. Os diálogos sobre as ações uniram “visões de mundos diferentes” e complementares, dos integrantes do núcleo gestor e da comunidade.

“Eles (os moradores e integrantes) correram atrás de tudo isso, fizeram a parceria com os artistas. Sabemos que a beleza traz a autoestima e que o belo está muito ligado ao conceito do correto, ao bem-estar, desde sempre na história da humanidade”, acentuou o juiz.

Salmaso afirmou ter esperança de que, com a melhora da autoestima da comunidade, problemas como violência entre vizinhos e criminalidade sejam menores no futuro.

“Quem sabe num futuro não tão distante o bairro se torne um ponto turístico do grafite e traga movimento e geração de renda para o comércio local, além de novas oportunidades”, ponderou.

A união para a melhoria do Jardim Gonzaga trouxe “reforço” de Itapetininga para Tatuí. O engenheiro agrônomo Ivan de Maria vive na cidade vizinha e é professor do curso de agronomia na Faesb.

Em duas ocasiões, o especialista, que já participara das reuniões da Justiça Restaurativa, deu aulas em uma oficina de paisagismo aos moradores do bairro.

“Surpreendeu-me a participação deles. Não esperava tanta gente nas aulas. Unimos-nos para que o trabalho saísse dessa forma. Ensinei que cuidar do meio ambiente, reaproveitando os materiais, é cuidar da própria saúde. Acho que é bem positivo para os moradores”, disse o docente.

Na oficina ministrada pelo agrônomo foram ensinados os meios de reaproveitamento de materiais. As floreiras usadas na revitalização do quarteirão da rua José Pires Corrêa foram pintadas e preparadas pelos próprios alunos, a partir de paletes ou pneus usados. Outro grupo de voluntários fez o trabalho de fixação das floreiras nos muros.

A dona de casa Maria Luzinete Oliveira da Silva se empolgou com as floreiras na calçada da casa onde mora há quase 40 anos com o marido. A fachada da residência dela ganhou novos ares com o reboco e a pintura do muro, que nunca fora finalizado por falta de condições financeiras.

Com a ajuda da vizinha, a comerciante Matilde da Silva Ribeiro, a dona de casa preencheu de terra a floreira vertical e o vaso feito com três pneus de automóvel e caracterizado como sapo.

“Acho que fui a primeira a ter as floreiras prontas. A Matilde fez o sapinho e colocou aqui na frente. Compramos as flores e plantamos. Acho que o pessoal daqui da rua não botava fé que iria ter essa transformação no nosso quarteirão. E, graças a Deus, teve”, afirmou.

Segundo a moradora, antigamente o bairro tinha aparência de estar desamparado. O quarteirão onde foi realizada a revitalização tinha diversos veículos abandonados, que deixavam a aparência pior.

Segundo Maria Luzinete, se não fossem as reuniões da Justiça Restaurativa no Cras Norte, o bairro estaria do mesmo jeito que estava antes. A opinião é compartilhada pela vizinha Matilde.

“Deu uma ‘sacudida’ nos vizinhos. Espero que mantenham assim, principalmente na parte da limpeza. O bairro precisava de um ‘empurrãozinho’ para ver se o pessoal animava”, afirmou.

Matilde é proprietária de um bar e não conhecia as reuniões da Justiça Restaurativa no bairro até ser convidada pela coordenadora do Cras Norte para participar.

“Muita gente estava desanimada no início, quando surgiu a ideia (da revitalização), achando que envolveria política no meio. A melhor coisa que fizeram foi deixar os políticos de lado, e os próprios moradores se ajudarem”, argumentou.

Além da revitalização do quarteirão, o evento da Justiça Restaurativa ajudou na criação de vínculos de amizade entre a população do Jardim Gonzaga e os policiais militares.

Enquanto os adultos focavam no trabalho de pintura dos muros, as crianças brincavam em uma viatura da PM. A corporação também enviou um dos cachorros do canil, alvo da curiosidade das crianças.

Nos primeiros minutos, nenhuma das crianças se atrevia a chegar perto do pastor belga da PM. Porém, ao perceberem a docilidade do animal, formaram fila para acariciá-lo.

A PM participa das reuniões mensais da Justiça Restaurativa no Jardim Gonzaga. Durante as conversas, a sargento Elis Roberta de Souza ouve as demandas dos moradores e estabelece um canal de comunicação com a comunidade.

“Esse evento é uma forma de estarmos juntos à população, conhecendo as necessidades deles, mostrando que a polícia está aqui para ajudar a comunidade em outras oportunidades, não só no trabalho repressivo”, afirmou.

Segundo a sargento, a movimentação no bairro faz com que a população volte a sonhar com um futuro melhor e colabora com o planejamento de novas ações no Jardim Gonzaga.

Heloísa Sarubo e Borges, integrante do PLP (Promotoras Legais Populares), comentou que a revitalização do trecho da rua José Pires Corrêa deve “mudar a ótica” dos moradores sobre o bairro, que passarão a sentir orgulho do Jardim Gonzaga.

“Não é só a aparência. Essa mudança social começa aqui, daí não tem limites para acabar. O que tinha nesse bairro no passado era triste. Alguns vizinhos não se conversavam, e, hoje, eles estão se ajudando. O que fizeram aqui foi fantástico”, opinou.