Moradora do Asilo São Vicente confecciona e vende bonecas





No quarto de Maria Helena Tristão, localizado num dos corredores do Lar São Vicente de Paulo, há um cartaz branco com um breve resumo da história de vida de “Leninha”, como ela é chamada.

Surda-muda desde que nasceu, ela é a única entre os cerca de 85 idosos abrigados no asilo a ter um texto dedicado a ela. “Ela não tem como contar a história dela para os visitantes”, resumiu a irmã Marcilene Aparecida Coelho Nunes.

Intitulado “Um exemplo de vida!”, os dizeres retratam um pouco do tanto que Leninha tem de história. Interna do asilo desde 1999, ela é conhecida na cidade por confeccionar e vender bonecas.

“Leninha tem 74 anos de idade, é artesã de mão cheia e possui uma alegria contagiante”, diz o cartaz. “As roupas, que ela confecciona com prazer, retratam a alma dela”, continua.

Maria Helena nasceu em 28 de agosto de 1941 em Pereiras, no interior de São Paulo. Filha de Lázaro Tristão de Medeiros e Benedita Maria da Conceição, ela cresceu em Tatuí.

A irmã Marcilene conta que Leninha conheceu, na cidade, uma costureira chamada Adelaide Cornoló de Freitas, com quem aprendeu a arte da costura. Leninha viveu com ela desde os 15 anos.

Segundo Marcilene, Leninha se encontrou entre linhas, agulhas e tecidos. Ela também se encantou com as bonecas e roupas que as vestia. “Ela adora cores vibrantes e estampas variadas”, disse a cuidadora.

Quando a reportagem de O Progresso visitou o asilo, segunda-feira, 19, Leninha vestia um vestido colorido, tênis All Star e faixa de cabelo com alguns apetrechos. A idosa parece se vestir como as bonecas que produz.

A irmã Marcilene explica que Leninha aprendeu a costurar vendo Adelaide trabalhar. “Quando ela veio para Tatuí, começou a costurar e acompanhar a senhora trabalhando na costura. Assim, ela foi se aperfeiçoando”.

Naquela época, a irmã relata que Leninha ainda cuidava de duas crianças, filhos de Adelaide. “Assim que essa senhora faleceu, os parentes dela, sem condições, decidiram encaminhá-la para o asilo, com 58 anos”, contou.

Desde então, Leninha nunca mais largou a costura. Vivendo em um quarto individual, ela fica a maior parte do tempo confeccionando as bonecas. No armário, ela as pendura e expõe o trabalho para venda.

“Quando alguém novo vem visitar o asilo, Leninha é a primeira a pegar a pessoa pelo braço e mostrar as bonecas”, contou a irmã, que acompanha a interna, por ela andar com dificuldade.

O processo de confecção das bonecas começa com a ajuda de voluntários. Segundo Marcilene, uma voluntária vai ao mercado com Leninha e compra as cabeças das bonecas. “Quando é possível, ela vem todos os finais de semana”, disse a irmã.

Marcilene lembra que o asilo recebe doação de retalhos, repassados à idosa para ajudar na confecção das roupas. Para o enchimento, Leninha preenche o corpo das bonecas com espumas de travesseiro.

Já para criar os cabelos, a idosa é cuidadosa. A irmã explica que Leninha costuma variar na confecção dos fios. “Tem algumas bonecas que ela faz com linhas de lã ou barbantes. Também compra o cabelinho com o próprio dinheiro que ela ganha”.

Não são apenas os cabelos que costumam variar. O estilo e o visual das bonecas também mudam. A irmã conta que Leninha também trabalha com bonecos de pano.

“Ela faz com a própria espuma do travesseiro, sem enfeite, sem capa, só mesmo com alguns paninhos em volta, para dar forma ao boneco”, explicou Marcilene, mostrando uma estrela de pano, que Leninha usa para pregar agulhas.

Além dos bonecos, a idosa produz e comercializa panos de prato que ela mesma pinta. A ideia é do próprio Lar, que programou a atividade com a ajuda de uma professora.

“No começo, ela não fazia e ficava 24 horas no quarto, só fazendo as bonecas. Aí, para ela começar outra atividade, colocamos ela para fazer pintura de pano”, explicou a irmã.

Nesse momento, Marcilene faz um sinal positivo para a idosa, que confirma que ela gosta de sua mais nova atividade no asilo. O comércio dos panos vai muito bem, conta a cuidadora.

“Ela até parou um pouco com as bonecas. Antes, o guarda-roupa ficava lotado. Depois que começou a vender os panos, ela diz que faz mais lucro com eles”.

Mas, a paixão pelas bonecas é maior. “Apesar de ter diminuído a produção, ela nunca deixou de fazer as bonecas. Ela tem muita delicadeza no que faz”, elogia a irmã.

Muito independente, Leninha não permite a ajuda de ninguém. “Ela fecha a porta do quarto, e só ela costura. Faz conserto de roupas, gosta de lavar as peças também. Faz maquiagem sozinha”, contou Marcilene.

Vaidosa, Leninha parece se sentir como uma boneca. “Ela não dispensa batom e sombra”, disse a irmã, apontando para a idosa, que confirma a informação.

“Quando chega 16h30, ela começa a se maquiar para ir à missa na capela dentro do asilo. Vai rezar com a ‘Aninha’ (outra interna) todos os dias”, afirmou a irmã.

Trabalhando há quase dois anos no Lar São Vicente de Paulo, Marcilene já ouviu muitas histórias de Leninha através de voluntários que conhecem a idosa.

“Tem um senhor voluntário que disse conhecer a Leninha desde pequena. Ele falou que ela ia quase toda a noite para o cinema da cidade e que adora pipoca”.

A cuidadora conta que Leninha tinha muita amizade com o pessoal da Praça da Matriz. “Como ela morava ali no centro, fez muitos amigos, os problemas dela nunca foram um obstáculo”.

Outra paixão de Leninha, segundo a irmã, é pela dança. “Ela gosta muito de dançar. Às vezes, quando vem um pessoal com música, ela se delicia, uma das mais animadas”, contou.

Apesar dos problemas, Leninha nunca deixou de sorrir. A alegria contagiante, que consta no cartaz à porta do quarto dela, ali se provou com os relatos de quem vive e viveu com ela.