Maioridade de problemas





Enquanto se discute no país, de maneira extremada, o projeto de redução da maioridade penal, em Tatuí, menores são antecipadamente liberados pela Justiça por “falta de vagas” na Fundação Casa…

Recentemente, dois adolescentes aguardavam transferência para internação quando foram entregues para os responsáveis, por determinação da Vara da Infância e da Juventude.

A mãe de um deles, inclusive, procurou a reportagem de O Progresso para reclamar das condições de acomodação da cela provisória da Central de Flagrantes da Polícia Civil.

A mulher, de 39 anos, disse que não achava justo o filho permanecer num local sem possibilidade de banho e que não dispunha de cama.

O filho dela, de 16 anos, fora apreendido num domingo, pela Polícia Militar, na praça Martinho Guedes (Santa), por tráfico. Até a quinta-feira, quando foi liberado, ele permaneceu em cela especial, dividindo espaço com outro adolescente, também solto.

“Ele é meu filho. Faço tudo por ele, mas ele está dormindo no chão, não tem privacidade para fazer necessidades. Há mau cheiro, a comida fica no chão. Ele estava com casca na boca por conta de sujeira”, disse a mãe.

Para tentar encontrar uma solução, a mãe disse que procurou o fórum. Ela aguardava transferência para o adolescente, mas apresentou pedido de liberação, caso a Fundação Casa não disponibilizasse vaga no prazo de cinco dias.

Um dia depois de conversar com O Progresso, ela conseguiu liberar o filho. Anexou, no pedido de liberdade, fotos de restos de comida que levara ao menor. “Consegui tirar do lado de fora”, relatou.

“Pelo fato de pagar, ele tem que pagar. Tudo bem, mas que seja digno”, completou ela, que chegou a conversar com o Conselho Tutelar.

Procurado pela reportagem, o delegado titular do município, Francisco José Ferreira de Castilho, informou que a Polícia Civil apenas cumpre determinação. Ele acentuou que os adolescentes apreendidos permanecem em cela provisória até a liberação de uma vaga na Fundação Casa.

“Se ela liberar, transferimos imediatamente. Se não, aguardam-se cinco dias e o juiz libera os adolescentes. Esse é o procedimento padrão”, descreveu Castilho.

Os menores ficam em cela especial, separados dos demais, e não podem ser visitados pelos parentes por uma questão de segurança e logística. “Eles não têm contato. Ficam próximos, mas em espaços diferenciados”, complementou.

O delegado explicou que o plantão não dispõe de local apropriado para permitir visitas. Disse, também, que a delegacia tem trâmite diferente de uma penitenciária.

“Quando o preso entra no sistema, ele fica durante uma semana sem direito a visita, por uma série de coisas. Aqui, é pela falta de estrutura. Não temos policiais para isso e o local é inapropriado”, argumentou.

Apesar de parentes não poderem ter contato com os menores, Castilho ressaltou que eles têm direito a conversar com os advogados. No caso do filho da dona de casa, a Justiça fez a liberação por falta de vagas.

De acordo com o delegado, a “soltura” não tem sido recorrente em Tatuí. Entretanto, ela é decorrente da superlotação das unidades da Fundação Casa no Estado de São Paulo. “Isso é cíclico. Tem época que interna no mesmo dia, tem época que não. Demora um, dois, ou, então, libera”, concluiu.

Talvez, a idade mínima da maioridade mude, mas, certamente, pelo que se observa, o descompasso entre discurso e prática, entre a legislação e a realidade, não devem se alterar em nada. Que diferença faria, por este exemplo local, a lei possibilitar mais prisões se não há onde prender.

Ah, não se trata de “prisões” – termo politicamente incorreto. Seriam, digamos, centros de reabilitação, de “ressocialização”! Bom, aí, a prática piora. Se faltam vagas no sistema penitenciário – para maiores e menores -, ainda menos eficiente é a reeducação dos apenados com o princípio de prepará-los para o retorno ao convívio social.

O termo “escola do crime” é comum para identificar o sistema prisional brasileiro, que, qual a própria Educação, também carece de vagas, levando às ruas quem ainda deveria permanecer recluso, sendo “ressocializado”, senão, ao menos, mantido no “cantinho do castigo” para “pensar sobre seus atos feios”.

A verdade é que, enquanto faltam vagas para quase tudo, sobra retórica política. Os presídios raramente ajudam os detentos. Longe disto, os capacitam a reciclarem-se como profissionais do crime.

Por outro lado, o que os homens públicos não admitem é que a população não espera das penas que os condenados voltem para a sociedade como pessoas melhores. Quer é punição, “justiça” de verdade!

Todos sabem disto, tanto é que, quando se debate a maioridade penal, ninguém aponta a necessidade de “reeducar” os jovens criminosos de 16 e 17 anos feito adultos, o que se discute é se eles podem ser, ou não, “punidos” como maiores.

Neste ponto, não há consenso – muito embora pareça cada vez mais ridículo o argumento de que alguém com essa idade ainda não saiba o que está fazendo. Contudo, a intenção, aqui, não é aditivar essa polêmica.

O interesse é abordar o assunto pelo fato – eterno – da carência e incapacidade do estado brasileiro para cuidar de seus cidadãos. É também ridículo, por este aspecto, se discutir a possibilidade de prender mais gente sendo que faltam presídios – para maiores e menores, lembrando que “centro de atendimento socioeducativo” não passa de eufemismo ainda mais ridículo.

Entretanto, antes disso – de prisões -, falta é educação pública de qualidade, de tal forma que as crianças, antes de se tornarem menores infratores, tenham um mínimo de perspectiva de futuro.

Por sua vez, não obstante, no meio do caminho – ainda que, lamentavelmente, sem a tal luz no fim do túnel –, se vier a cometer algum crime grave (tirando a vida de outro, por exemplo), é preciso um lugar próprio para colocar o jovem, no mínimo…

Seja para sonhar com a reeducação dele (já que lhe faltou a educação primária), seja para, ao menos, proteger dos criminosos as pessoas “de bem”, que merecem ter um pouco de paz e segurança na vida.