‘Maior produtor’, Expedito de Lima chega aos 77 anos como referência





Dono de uma carreira extensa no cinema amador de Tatuí, Expedito de Lima, 77, é um dos maiores produtores de filmes da cidade. Ao longo de 12 anos de atividades, divididos em dois períodos, o cineasta produziu 19 longas-metragens.

Os filmes de Lima eram esperados e reverenciados pela população. Divididos entre dramas, romances e comédias, as atrações sempre tinham o tempero carregado de grandes ações, tiroteios e ações policiais.

O cineasta local tirava, como se costuma dizer aqui no interior, “leite de pedra”. Com equipe enxuta, equipamentos caseiros e elenco amador, usava da criatividade para extrair roteiros inéditos e efeitos especiais engenhosos.

Nas produções, Lima era, invariavelmente, o ator principal. Acumulava a responsabilidade dramática com a direção de arte, roteiro, maquiagem, continuísmo, figurino, edição e manejava a câmera, quando preciso.

Pronto o filme, batalhava para conseguir locais para a exibição. Praças, salões de festa e até o clube da terceira idade foram palcos para as projeções da Explym Produções.

O interesse de Lima pelo cinema teve início no final dos anos 1970. Incentivado por uma amiga a fazer filmes, ele procurou aparelhagem e informações para se arriscar na sétima arte.

Era época das câmeras Super 8. Revolucionário, o equipamento foi lançado pela Kodak e permitia que cineastas caseiros fizessem filmes com poucos recursos, se comparado com filmadoras de 16 mm ou 35 mm.

“Fui vendo como se fazia, quanto custava. Eu já tinha mais ou menos a noção de como era o cinema. Nessa época, eu fui fazer um curso com (Adolfo) Gianolla, em Sorocaba”, contou.

Entusiasta do cinema, Adolfo Gianolla foi um dos responsáveis pela criação dos Festivais de Cinema Super 8 de Sorocaba, que aconteceram entre 1980 e 1983. O professor de artes sorocabano ministrava aulas de cinema e produzia curtas-metragens.

Após os cursos sobre a sétima arte, o cineasta começou a convidar amigos com quem já tinha trabalhado com teatro para atuarem em filmes. “Tinha um que era fanático por cinema, o Ademar Machado. Ele já filmava com Super 8, mas era aquele mudo. Ele foi o nosso primeiro cinegrafista”.

Trabalhar com Super 8 era complicado. Depois de filmado, um quebra-cabeça era montado cortando, lixando e colando o filme, cena a cena, quadro a quadro. Cada rolo tinha duração de 3,5 minutos, se filmado em 18 quadros por minutos.

“O Ademar quando quis fazer o filme, ele nos disse para fazermos um de dez minutos. Eu disse que não faria um de dez minutos, o tempo era muito curto para contar a história, nem teria graça convidar o povo para assistir o filme curto assim”, disse.

O roteiro de “A Víbora Humana” – o primeiro filme rodado pelo artista – foi uma adaptação da peça “Juca Mané”, de autoria de Lima. Para aumentar a duração, foram acrescentados personagens e cenas. Dos seis atores da montagem teatral foram para 14 na obra cinematográfica. O resultado foi um filme de 1h12.

O longa conta a história de uma fazendeira de “personalidade má, traiçoeira e mentirosa”, amante do próprio cunhado e que se apaixona pelo novo capataz e faz de tudo para conquistá-lo. A “víbora” é interpretada por Neusa Silveira. O marido traído, por sua vez, é representado pelo próprio Lima.

“A gente comprou um projetor pequeno, um rotor para apresentar o filme, mas ele era muito fraquinho. Um amigo nosso, muito abonado, tinha uma aparelhagem boa, que só usava para festas de aniversário. Ele nos ofereceu um projetor Chinon, grande, e uma câmera muito boa”, relembrou.

O empenho de Lima no cinema foi aumentando conforme ficava mais experiente na direção e edição dos filmes. Na primeira fase da Explym Produções, entre 1979 e 1984, foram produzidos dez filmes, uma média de dois por ano.

Um deles, “Estigma da Violência”, foi filmado na cidade litorânea de Iguape. Os participantes do longa-metragem saíram “em excursão” para o município paulista.

Em 1984, o uso das câmeras Super 8 estava superado por uma novidade que permitia gravar e mostrar as filmagens em um televisor. O VHS ocupava rapidamente o mercado que era dominado película de oito milímetros.

“A aparelhagem era muito cara, então resolvemos parar. Ficamos sem fazer filmes por mais de 12 anos. Voltamos em meados de 1997 quando conseguimos uma câmera VHS”, contou.

A segunda fase da Explym Produções, entre 1997 e 2003, foi marcada pelo lançamento de nove títulos. Alguns dos filmes investiram na “veia cômica” de Lima, que foi palhaço e comediante na época do circo teatro.

“Eu me inspirei na época do (Circo Teatro) Tareco. Em ‘Vai Fogo, Pimentão’, eu me inspirei no Mazzaropi. Fizemos outra comédia, ‘Rambo Esculachado’, que era uma paródia ao filme do Rambo”, disse.

“Era aquela coisa do ‘quer me acompanhar, acompanha’. Ninguém ganhava nada, era só gostar da coisa e participar. A gente tinha muita amizade e gostávamos de fazer cinema”.

O cineasta afirmou ser bom em efeitos especiais. Nos filmes com tiroteios impressionava os expectadores com latas voando e talhas de barro estilhaçando. Tudo feito com truques e macetes.

“Uma vez levei uma talha de barro para a filmagem e me disseram que o local da gravação tinha água. Eu, para enganar a todos, disse que queria tomar água do filtro, sendo que tinha uma trucagem dentro da talha, que fazia ela furar quando a gente simulava tiros”, lembrou.

O público gostava dos filmes feitos em Tatuí, garante Lima. Às vezes, apareciam críticas, que eram sempre bem-vindas, segundo o cineasta.

“Uma vez fizemos apresentação no clube da terceira idade e reclamaram que o filme era muito sangrento. Eu não faço nada ‘água com açúcar’, não. Os velhos gostam mais de filmes pacíficos”, opinou.

A atividade da Explym Produções findou em 2003, quando Lima fora acometido por uma artrose. Fortes dores nos joelhos o fizeram abandonar o cinema.

“Fui trabalhando até onde dava e ficou difícil. Depois que parei, o pessoal debandou, cada um foi para um lugar. Muitos deles morreram já”, contou.

Início no circo

Nascido em Tietê em 1939, Expedito Lima é tatuiano “por lei”, desde o decreto do título de cidadão tatuiano, em 2002. Na infância, passou por cidades como Laranjal Paulista e Jumirim, antes de “fincar raízes” em Tatuí.

Ainda pequeno gostava de circo, mas foi conhecer como funcionava um quando tinha 16 anos. Era o Circo Teatro Tareco, que estendia a lona em Tatuí.

Durante os quase seis meses de turnê do circo em Tatuí, Lima comparecia diariamente no local. Começou ajudando a armar a lona, virou “peludo” (nome que se dá ao ajudante que monta e desmonta a estrutura circense) e foi alçado a figurante em peças teatrais bíblicas apresentadas no Tareco.

Quando o circo foi embora, acompanhou a trupe por Cerquilho e outras cidades da região, até que a “situação ficou difícil” e precisou voltar para trabalhar.

“Naquele tempo não era fácil fazer circo. Daí, eu decidi tocar a minha vida aqui na cidade trabalhando com carpintaria, já que sabia o ofício. Depois eu casei e a coisa arroiou”, disse.

Mesmo casado, Lima ainda tinha vontade de voltar ao circo e decidiu montar um. Chamou alguns amigos, costurou a lona, de cor amarela, e abriu o Circo Teatro do Alemão, com capacidade de mais de 200 pessoas.

Nos mesmos moldes do Tareco, o circo de Lima não tinha atrações como bichos. Ficaram cinco anos rodando pela região.

“Tinha lugar que dava muito dinheiro, em outros, fracassava. No começo, não tínhamos condução para ir e emprestávamos um carro para fazer o transporte. Depois, a gente comprou um carro”, declarou.

O circo de Lima acompanhou o declive na popularidade da arte no país. “O circo estava em extinção já naquela época. A gente se apresentava às terças, quintas e sextas-feiras e no sábado. No domingo tinha sessão matinê e à noite”.

Com o fracasso do circo próprio, voltou à marcenaria e foi embora para a capital paulista. De volta a Tatuí, abriu a própria oficina, onde trabalhou por muitos anos.

O cineasta chegou a montar uma trupe teatral, chamada GAL (Grupo Artístico Lima). Com peças próprias, rodou a região com apresentações em galpões, cinemas, teatros e salões de festa. O grupo durou dois anos.

“Todo mundo tinha profissão. Tinha mecânico, pedreiro, enfermeiro no nosso grupo. A gente viajava em companhia de uma dupla sertaneja que fazia apresentações junto com a gente”, disse.