Janine: filósofo no ministério, estranho no ninho ?





Fomos surpreendidos com a notícia da indicação do filósofo Renato Janine Ribeiro, titular em ética e filosofia política da FFLCH da USP, para a pasta da Educação. Doutor, tem o brilho de um mestrado na prestigiosa Sorbonne (Paris I), e, como administrador, a direção de avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fundação ligada ao MEC e órgão de suma importância para a pós-graduação e pesquisa no Brasil. Foi membro da diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Fora isso, o araraquarense de 65 anos não tem experiência como administrador no minado campo político, mas ao revés pesa a seu favor o fato de não ser militante partidário e ter perfil técnico. Sofreu grande influência das ideias de Hobbes (1588-1679), e por meio dele Descartes, Maquiavel e Aristóteles. À primeira vista, seria um perfil mais afeito à área da cultura, mas não se pode tirar-lhe a chance de algum sucesso no MEC por mera antecipação.

A também filósofa uspiana Marilena Chaui foi secretária municipal de cultura de São Paulo (1988-1982). Trabalhei na gestão dela – e afastando desde já surradas discussões sobre sua pessoa ou polêmicas políticas -, e foi uma mestra nos embates, sempre apimentando disputas. Nos anos em que estive com ela na secretaria, disse-me, uma vez, após acalorada discussão: “Dos conflitos emergem as soluções”. Guardo até hoje a frase, talvez saída da principal especialidade da filósofa, Baruch Espinoza (Países Baixos, 1632-1677), assunto de seu livro “Espinoza: Uma Filosofia da Liberdade”. Confessou-me que demorou três meses para entender a diferença entre um memorando, um expediente e um ofício, confidência que fez com naturalidade. Sabendo de suas limitações, chamou para auxiliá-la no gabinete uma pessoa com larga experiência em administração, dando-lhe o poder de executar as ideias que lhe povoavam a mente. Com certa ironia, disse que se chegasse ao limite usaria os seus “poderes imperiais”, mas gostava sempre de ouvir a todos.

Para dirigir o importante Centro Cultural São Paulo, um amplo espaço multidisciplinar de arte, teatros, acervo fonográfico e biblioteca, Marilena chamou outro filósofo uspiano, José Américo Pessanha, que logo seduziu com sua simpatia os funcionários do Centro pelo seu jeito particular de liderar e conversar. Para ajudá-lo, convidou para a diretoria administrativa Maraíza Nascimento, de longa bagagem em gestão pública, rápida e eficiente na engrenagem da prefeitura, conhecedora da máquina, seus meandros e vícios. Era um dos chamados “tratores” da prefeitura paulistana. (Tive a felicidade de tê-la como assistente durante alguns anos na Escola Municipal de Música).

Janine assume no dia 6 de abril, e vai começar batendo de frente com o enorme paquiderme, doente quase terminal que é o MEC. Terá desafios monumentais para enfrentar, como o sucateamento do Fies e do Pronatec, que já demitem “de baciada”, salários de professores achatados, cofres quase vazios e a estrutura surreal. Quer flexibilizar currículos e fazer interagir cultura e educação, entrosando-as – o que por si é bom, já que cultura é o “cabedal de conhecimentos, a ilustração, o saber de uma pessoa ou grupo social”, o que dá vazão ao meu entender de que cultura é o enorme e fértil campo sobre o qual a educação deve ser plantada. (A citação grifada é do velho Houaiss, uma definição simples e correta).

Seu futuro colega da Fazenda, Joaquim Levy, é homem do ramo, mas estranho no ninho político-partidário. Vai fazer à sua maneira e de uma vez muito do que deixou de ser feito há anos, com duro e arriscado ajuste econômico, e para isso mostra independência e força para impor suas ideias, longe do jogo – gostem ou não – da direita ou da esquerda (que, diria hoje Cecília Meireles, “ninguém mais sabe o que seja”). Mas ninguém tem bola de cristal para garanti-lo apresentando rumo mais alentador para o momento trágico em que vive a economia nacional.

Um dos mais elogiados ministros da Educação do passado foi Gustavo Capanema (gestão 1934-1945). Formado em direito e político de carreira, apesar de ligado ao estadonovismo, não hesitou em chamar Lucio Costa e Niemeyer (declarado comunista desde sempre) para a construção do então novo prédio do MEC (1943), com consultoria do francês Le Corbisier, dotando-o de obras de grandes artistas como Portinari e o paisagismo de Burle Marx. Em plena ditadura, Capanema reorganizou o Ministério da Educação e da Saúde Pública em 1937, e criou o Instituto Nacional do Livro e o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, entre diversos outros.

Evitando no mérito de indicações políticas, lembro que foram ministros, começando pelo antecessor de Janine, Cid Gomes, engenheiro e peixe absolutamente fora d’água, Henrique Paim e Mercadante, economistas (o último com experiência de apenas um ano como gestor na Ciência e Tecnologia), Haddad e Tarso Genro, advogados, Cristovam Buarque, engenheiro mecânico, economista e ex-reitor da UnB, só para falar na gestão Lula-Dilma. Se Janine conseguir manobrar as crises do Pronatec e do Fies, as inevitáveis greves, a falta de recursos, e implantar um pouco de seu sonho modificador no MEC, pode ser uma gestão saudável, mas não terá chão para ir além disso. Vai precisar do amplo conhecimento de um Aristóteles, do racionalismo de um Descartes como gestor e de muito Maquiavel dos seus estudos no trato com os políticos. Justo é ter alguma esperança. Pior do que estava não fica.