‘Intolerância’ determina crimes em Tatuí­





Intolerância e violência feminina. Estas são as duas principais causas de crimes violentos contra a vida que vão a julgamento na comarca de Tatuí. Os dados, disponibilizados pelo Ministério Público local, indicam os dois principais motivadores de homicídios e tentativas de homicídios nos últimos cinco anos.

As informações estão embasadas em atas das sessões do tribunal arquivadas no fórum. A motivação das situações, no entanto, são resultado de pesquisas do promotor Carlos Eduardo Pozzi, titular do Tribunal do Júri da comarca desde maio de 2010.

Dentre as 86 denúncias assinadas por ele, que resultaram em processos criminais a serem julgados pelo tribunal, 52,32% correspondem a casos de intolerância, 27,9% estão relacionados à violência doméstica e outros 16,27% são resultado do tráfico de drogas.

As pesquisas foram iniciadas pelo promotor a partir de uma constatação: a pauta de julgamentos e, consequentemente, a quantidade de crimes contra a vida eram grandes em 2010.

“Confesso que tomei um susto quando cheguei aqui e olhei a pauta de julgamentos do tribunal do júri, na minha promotoria. Tentei imaginar a razão, em especial, do município de Tatuí ter um acervo do tribunal do júri tão grande, e fiz um levantamento do possível motivo desses crimes. Tentei verificar o que faz com que alguém tente ou mate outra pessoa na cidade”, afirmou.

A comarca de Tatuí envolve, além do município sede, as cidades de Cesário Lange, Capela do Alto e Quadra, onde as estatísticas de crimes como homicídios e tentativas de homicídios são irrelevantes.

Dos 86 casos analisados, 45 são de situações de intolerância, envolvendo vinganças, discussões ou motivações passionais.

“São, em geral, problemas de relacionamento entre pessoas. Uma passa a não respeitar a existência da outra. Intolerância é o não respeitar as diferenças, e ela está presente em brigas de bar, divergências políticas ou religiosas, e banalidades, como futebol por exemplo”, cita.

A situação se repete em nível nacional. Tanto que o Ministério Público do Estado de São Paulo lançou, em 2012, a campanha “Conte Até 10”, visando a reduzir os casos de intolerância.

No último mês de setembro, uma nova campanha educativa com o mesmo objetivo, denominada “Quem se dá bem com gente se dá bem na vida”, foi lançada.

Os 24 casos de violência doméstica têm 22 inseridos na Lei Maria da Penha (de violência contra a mulher) e dois qualificados como feminicídio, agravante reconhecido pelo Código Penal neste ano, que aumenta a reprovação ao fato.

“São casos nos quais a vítima, mulher, foi morta simplesmente pela condição de mulher ou por menosprezo ao gênero feminino. E já tivemos dois casos denunciados desde a promulgação da lei, em março deste ano”, relata.

O promotor também observa que o aumento dos casos a partir de 2011 chama a atenção. No momento da entrevista, inclusive, um processo sobre a mesa dele, de tentativa de homicídio contra uma mulher, seria incluído na Lei Maria da Penha e denunciado.

Quanto aos casos envolvendo tráfico de drogas (14 no total), dez estão relacionados a vingança, dois com dívidas de drogas e dois com o que é descrito como “tribunal do crime”.

“Um desses casos, inclusive, já foi julgado e trata-se de situação que ocorreu no bairro Santa Rita, onde a vítima, suspeita de praticar um crime, teve o caso apurado pelos criminosos, ela foi julgada e executada. E um dos familiares da vítima foi condenado porque tinha vestígios de pólvora na mão e foi reconhecido”, comentou o promotor.

Para o membro do Ministério Público, o número de casos envolvendo tráfico de drogas poderia ser maior, não fossem as dificuldades em se elaborar provas, sobretudo em se obter testemunhas.

“Tivemos, no mesmo período, um total de 150 arquivamentos. São casos de suicídios (em cinco anos foram mais de 20 situações na cidade), legítima defesa ou situações nas quais não há provas, e eu peço o arquivamento”, contou.

“Existem mais ocorrências relacionadas ao tráfico, tenho certeza, mas nem sempre a polícia consegue testemunhas. O tráfico gera, na comunidade, um temor tão grande que é estabelecida a lei do silêncio. Por medo de retaliações, as pessoas não querem servir de testemunha”, relatou.

Por conta do temor, as denúncias registradas ocorrem por meio de outras provas, quando contundentes. Em um dos casos, por exemplo, um idoso foi morto vítima de bala perdida, durante uma execução.

O autor do disparo, um chefe de quadrilha local, acabou sendo condenado pelos dois crimes, posteriormente. “Condoído com a situação do idoso que faleceu, o autor do disparo determinou que um dos comparsas concedesse cestas básicas à família do morto. A polícia captou a conversa, o que foi prova determinante para a condenação no tribunal do júri”, relembra o promotor.

Trânsito

Dentre os casos denunciados pelo promotor, estão, ainda, três relacionados ao trânsito. São situações de motoristas embriagados ou que desenvolveram comportamento grave, que acabaram levando pessoas à morte.

Para o promotor Pozzi, algumas das situações registradas como culposas (quando não há a intenção de matar) podem ser denunciadas como dolosas (quando há intenção de matar).

“Ao analisar os detalhes da situação, percebemos que a atuação do réu foi tão grave que ele acabou agindo imprudentemente e assumindo o risco daquele resultado. Eu denunciei três casos por homicídio doloso e, inclusive, em um deles, houve uma condenação”, relata.

O caso foi julgado no ano passado e, nele, um bancário foi condenado por dirigir embriagado, na contramão, na rodovia SP-127. No acidente, uma criança de dois anos faleceu.

“Ele ainda recorreu, mas a condenação foi mantida. Foi a primeira vez na minha carreira, e que eu tenha notícia em Tatuí, que um homicídio doloso por direção teve uma condenação. Isso indica que a sociedade de Tatuí reconheceu que, em determinados casos, o crime é doloso”.

“Em algumas situações, a pessoa não quer matar, mas o comportamento é tão grave que ela assume um risco de matar. Depois desse julgamento, vieram outros quatro casos semelhantes”, afirma.