Impeachment motiva palestra em Tatuí­ e discussão sobre legalidade

 

A motivação, os agentes que atuaram para o impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff, e as questões jurídicas envolvendo o processo. Esses são alguns dos pontos que compuseram palestra promovida pela Faesb (Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara) e ministrada por profissionais convidados.

O evento aconteceu na noite de segunda-feira, 17, com participação de alunos da instituição. Também aberto à comunidade (o público foi convidado a doar um litro de leite para acompanhar as explanações sobre o tema), ele é resultado de trabalho do Nicea (Núcleo de Iniciação Científica e Apoio Pedagógico), da Faesb, comandado pela professora Carla Alessandra Barreto.

A advogada Ellen Caroline de Sá Camargo Almeida de Souza e o professor e mestre em história Carlos Augusto de Campos Valio, Cacá, falaram sobre a Constituição Federal de 1988, a democracia representativa e os atores políticos e poderes envolvidos nos processos abertos no decorrer da história do país.

“Esse é um assunto que ficou mais em evidência nos últimos meses. Imagino que, para o curso de direito e a comunidade, é de boa valia”, opinou Ellen.

A advogada apresentou “um apanhado a respeito da visão jurídica” sobre o impeachment. “Falei do que está acontecendo, dos motivos e quais os termos usados para que o processo de deposição ocorresse”, apontou ela a O Progresso.

Já o professor fez um resumo histórico sobre as deposições registradas no decorrer dos anos e sinalizou para “novos caminhos possíveis”. “O tema é essencialmente política com foco na democracia representativa em crise”, explicou o docente.

Cacá abriu o evento falando dos acontecimentos críticos mais recentes no país. Conforme ele, por definição, o impeachment é um processo político regido pela Constituição. Entretanto, no episódio mais recente (em agosto deste ano), o professor destacou que “houve a interferência de outras forças”.

Cacá sustentou que elas atuaram de forma “muito importante”. Entre elas, destacou: setores da sociedade, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo); a opinião pública nacional e internacional; a mídia; e os partidos de oposição ao PT (Partido dos Trabalhadores).

“Tem uma pegada muito política, usando como argumento jurídico a previsão de um processo de impeachment via Constituição de 1988”, vaticinou.

A participação da política se dá na decisão final sobre a destituição de um representante eleito pelo voto popular. No caso do impeachment, como explicou a defensora, a sentença prevista em lei é dada por “pessoas que não são juízes”.

De modo a tornar o assunto claro, Ellen fez uma análise sobre o que, efetivamente, é um impeachment. Também abordou a história do processo, o surgimento dele no país e a aplicação. Falou, ainda, a respeito dos afastamentos do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, e de Dilma Rousseff.

Na opinião da advogada, o impeachment é um processo que “pode ocorrer com qualquer outro presidente que pular fora da linha”. Ellen também disse que, apesar de parecer extraordinária, a deposição é até “habitual na história do país”.

A explicação é a “idade da democracia” a contar da saída dos militares do poder. Conforme Ellen, o Brasil teve poucos presidentes após o período da ditadura, que durou 21 anos. Dos cinco que governaram o país como civis, dois foram depostos.

Um terceiro impeachment, anterior à ditadura, ocorreu no país. Entretanto, sem sucesso. O professor de história lembrou que Getúlio Vargas também sofreu, em 1954, um processo que acabou rejeitado por 136 votos contra 35 e 40 abstenções.

Cacá disse, também, que há outros momentos, dentro da história republicana do país, de instabilidade política, com ameaça de cassação, tentativa de golpe e golpes de Estado efetivados. “De uma forma mais rápida e dinâmica, abordei esses momentos mais delicados da nossa república”, descreveu.

Da mesma forma que na opinião pública, o impeachment provoca dúvidas sob o prisma jurídico, como ressaltou a advogada. Ellen afirmou que o processo é complexo e diferente dos usuais, o que pode dificultar uma análise mais precisa.

“Ele é distinto de uma ação que alguém ou algum parente de uma pessoa já sofreu. Como tem muitos detalhes, às vezes, confunde”, comentou a palestrante.

No caso mais recente, que tirou Dilma Rousseff do comando do Brasil, Ellen acrescentou que outro fator foi determinante: o fato de o Senado ter decidido pelo impeachment mas mantido os direitos políticos da ex-presidente da República. “É a primeira vez que isso acontece”, ressaltou.

A advogada afirmou que a comunidade jurídica não sabe ainda quais serão os efeitos desse ato para o país. Classificou, também, essa decisão como meramente política.

“Não tem nada de jurídico nessa interpretação do Senado. No meu entendimento, não deveria ter sido feito assim, mas isso é o bonito do direito: as coisas podem se transformar quando há uma boa tese para ser defendida”, disse.

Outro aspecto dessa decisão, para a advogada, é que ela pode reforçar a tese de golpe defendida pela legenda da ex-presidente da República. Ellen, porém, afirmou que essa tese tem de ser “vista com muito cuidado”.

Conforme a advogada, não há que se falar em estratagema, do ponto de vista jurídico, uma vez que o processo de deposição foi legalizado conforme a legislação e com interferência do STF (Supremo Tribunal Federal).

“Mas, isso não significa dizer que, politicamente, não foram feitas estratégicas que possam ter causado um golpe”, afirmou a defensora. Ellen ressaltou que, no caso deste ano, houve atuação de Ricardo Lewandowski, presidente do STF e que presidiu a sessão que culminou no fatiamento da sentença contra Dilma.

Para o professor de história, a divisão das votações no julgamento de afastamento definitivo da ex-presidente tornou o processo especial. “É uma exceção. O impeachment vem junto com a cassação dos direitos políticos por oito anos. Isso abre discussão para saber se, realmente, ela cometeu crime de responsabilidade fiscal, ou se não cometeu. É uma brecha”, encerrou.