‘Idade não pesa em nada’, diz Aurora Gonçalves, aos 100 anos





Alegria. Essa é a prescrição da aposentada Aurora Gonçalves da Silva Bosso para os que desejam alcançar a longevidade. Ao completar cem anos de idade, ela reuniu dois filhos, cinco netos, quatro bisnetos e mais de uma centena de amigos para a celebração, realizada há dois meses. Animada, ela afirma que a “idade não pesa em nada”.

Nascida em 13 de agosto de 1915, no bairro Campos Elíseos, em São Paulo, Aurora mudou-se para Tatuí aos 22 anos de idade depois que uma amiga – que era sobrinha de Spartaco Rossi, famoso maestro que atuava no município – a convidou para trabalhar na antiga escola industrial (atual escola técnica Salles Gomes). “Ela disse: Aurora, eu vou sair de Tatuí, você não quer vir para cá?”.

Aurora trabalhou como professora de arte e culinária, lecionando, inclusive, etiqueta. “Eu dava aulas para ajudar as moças a cozinhar, como se portar à mesa, como receber as visitas. Também ensinava o modo de sentar, de conversar”, lembrou a idosa, que chegou a dar aulas para alunas mais velhas que ela, na época.

Ela lembra, orgulhosa, que tem uma sala com o nome dela na escola e recorda nostálgica do dia em que encontrou o compositor Heitor Villa-Lobos, que passou pelo município.

A fama de dona Aurora é grande em Tatuí. Vigorosa, ela impressionou a cidade, nas últimas eleições presidenciais, a dirigir-se até a zona eleitoral para votar. Muitos querem saber qual o mistério para viver tanto e com saúde. A O Progresso, a centenária diz que “ser uma pessoa alegre é o segredo”.

Idosos têm sempre uma história para contar. Seja um causo, uma história de amor ou de dor. No caso de Aurora, são muitas. Uma de suas favoritas é a sua proximidade com a mãe do famoso apresentador de televisão Fausto Silva. “Ele morou aqui do lado quando era criança. Ele tem a mesma idade do meu filho mais velho e brincavam juntos”.

Divertida, Aurora justificou as formas avantajadas do apresentador à comida que ela fazia para ele. “Agora, ele está magrinho”, lembrou a idosa.

O filho mais novo, Estênio Bosso, conta que, quando o pai do apresentador era vivo, há oito anos, a família Silva convidou Aurora para ir à festa de aniversário dele. Mas ela declinou do convite. “A família do apresentador é muito distinta. De vez em quando a gente tem que ficar no nosso canto”, explicou.

Ao lado do filho mais novo, Estênio Bosso, Aurora transpira alegria. Mãe de três filhos (dois meninos e uma menina); avó de cinco netos (três meninas e dois meninos) e bisavó de quatro bisnetos ela soma centenas de amigos.

Questionada sobre a data de seu casamento, Aurora afirma não se lembrar exatamente, mas não se esquece de um detalhe muito importante: “ele era lindo, lindo, lindo”.

O filho Estênio conta que eles se casaram nos anos 40, após se conhecerem na época em que ela saiu de São Paulo, tendo trabalhado na mesma escola. Aurora apaixonou-se pelo marido, Waldomiro Bosso, que era professor de matemática. “Ele chegou para mim e disse: sabia que você é mais bonitinha de perto?”. Eu respondi: “ainda bem”, diverte-se a idosa.

O amor entre Aurora e Waldomiro foi avassalador. Ele já estava noivo na época em que conheceu Aurora. “Estava prestes a se casar, mas ele desistiu do casamento depois que conheceu a minha mãe”, explicou Estênio.

Waldomiro Bosso faleceu aos 67 anos. “Uma pessoa de um livro só”, descreveu o filho.

Antes de sair de São Paulo, Aurora conta que viveu o período da Revolução Constitucionalista de 1932. Ela lembra que presenciou, aos 17 anos, os movimentos ocorridos na época.

“Eu era menina e usava um distintivo de São Paulo e, um dia, o soldado me parou e disse: ‘não usa isso que é perigoso se alguém não concordar com você’”.

Denominado Guerra Paulista, o movimento armado tinha por objetivo a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas. Atualmente, o dia 9 de julho é a data cívica mais importante do Estado de São Paulo e feriado estadual. Ele é considerado o maior movimento cívico de sua história.

Orgulhosa, a idosa conta que as duas netas já estão formadas em odontologia e exercendo a profissão em cidades vizinhas. “Elas são um orgulho para mim. O coração não aguenta”, derrete-se ela.

Lúcida, notou que comentou mais de uma vez sobre as netas para, em seguida, questionar: “eu estou repetitiva?”.

Ela também se emociona ao falar do neto Gabriel e, ainda mais, dos bisnetos – um deles, inclusive, nasceu no dia em que ela completou cem anos de vida.

O único momento triste da entrevista é a lembrança da morte da única filha, Sandra, há 13 anos. Segundo Estênio, foi o maior choque da vida dela.

“Tive uma parte de mim arrancada. Ela era muito carinhosa. Toda vez que ela vinha aqui, ela dizia: ‘mãe, não carregue peso’, ‘mãe, tome cuidado’. Essas lembranças que ficam”, emocionou-se.

Independente

No dia a dia, Aurora mantém hábitos simples. Disposta, ela cuida dos cachorros (são cinco, no total), desenvolve tarefas domésticas e lava roupas. O filho conta que só não permite que ela saia na rua sozinha. “Ela é 90% independente”, contou.

E para quem imagina que a centenária possa ter muitos cuidados com a alimentação, engana-se. Aurora diz “comer de tudo, sem restrição”. “Eu gosto de tudo. Como de tudo”, disse ela que, segundo o filho, também não consome medicamentos.

A disposição de Aurora vai além das tarefas domésticas. A idosa pratica exercícios em aparelho de ginástica que ela mesma comprou. “Faço de vez em quando”, resumiu.

Se o segredo da longevidade está na alegria, dona Aurora promete viver por muitos anos.