Henrique Autran Dourado





Stanislaw Ponte Preta era o pseudônimo adotado por Sergio Porto (1923-1968), jornalista, escritor, compositor (quem não se lembra do memorável “Samba do Crioulo Doido”, título que hoje seria alvo de campanhas “politicamente corretas”?). Publicou dois volumes do “Febeapá” (1966/1967) – título que tomo emprestado por extenso neste artigo -, uma coleção de besteiras então em voga pelo país, no pós-golpe de 64.

Sergio morreu aos 45 anos, pouco antes do recrudescimento da censura e do regime pelo AI-5, e fez de suas troças bem-humoradas ao besteirol nacional de então uma arma camuflada contra a ignorância e a manipulação de informações pela ditadura e seus filhotes. Febeapá vale ser lido, quase idoso de meio século, especialmente durante esses novos tempos em que o desfile de frases e absurdos linguísticos e políticos tem agredido nossos olhos e ouvidos.

Minha homenagem serve como recomendação de leitura, extensiva ao divertido “Tia Zulmira e Eu”. Famosa também era a seleção anual de vedetes em “As Certinhas do Lalau”, do diário “Última Hora”. No Febeapá, Stanislaw narra casos hilários, como o de um delegado de BH que mandava prender quem gritasse mais de três palavrões em um estádio, durante uma partida de futebol.

Prudentemente, o consumo de vodca foi proibido por um secretário de segurança mineiro para evitar qualquer costume comunista no Brasil. E, pasme, mandaram prender um tal de Sófocles (nascido quase sete séculos e meio antes) por considerarem sua peça teatral subversiva. Febeapá, do Stanislaw, é uma coleção de absurdos ditos ou escritos, compilados e organizados com grande humor.

Hoje, tenho urticária quando leio ou ouço certas tolices de escola primária. Recuso-me a falar “presidenta”, mesmo se entendessem também a flexão a “gerenta”, “superintendenta”, se por decreto fosse possível mudar a ortografia brasileira – assunto já por demais (de) batido.

Luiza Erundina, após tomar posse na Prefeitura de São Paulo, em 1989, mandou trocar todas as placas de “Gabinete do Prefeito”, na portaria e dentro do Palácio das Indústrias, corrigindo-as para “da Prefeita”. Certíssimo: prefeito, governador, deputado e senador flexionam, sim senhor (ou senhora).

Quase tive catapora dia desses ao ouvir “mulher sapiens”, quando a palavra latina “homo” se refere a indivíduo da espécie humana, e não ao sexo masculino, o macho. Esse “homo” latino nada tem a ver com macho, e sim com a raça humana, daí ser hilário alguém dizer “mulher sapiens”.

 E quase me faz arrancar os cabelos ouvir falarem “feminicídio”. “Homo” é palavra que vem do grego “homós”, significando “o mesmo, igual, comum”, nada tendo a ver com o homem-macho! Se sairmos das línguas latinas, que trouxeram o “homo” do grego, fica mais fácil entender: em inglês existe “man” para homem, e “homicide” para homicídio, nada a ver com homem. Em alemão, homem é “mann”, e homicídio é “mord”. Igualmente, “homólogo” é “concordante”, “a mesma coisa”, e homocêntrico é sinônimo de concêntrico, “que tem o mesmo centro”. Nada de “homem”!

Nesse ritmo de verdadeiro estupro linguístico, em breve vão querer dizer “feminissexual”, para se referirem à mulher homossexual. Nas demais línguas latinas, o francês se aproxima do português, com “homme” e “homosexuel“. Já em italiano existem diferenças, a exemplo de “uomo” e “omossessuale”.  E “homofobia” é aversão por quem é do mesmo gênero, seja masculino ou feminino. E quando Balzac (1799-1850) escreveu “La Comédie Humaine” referiu-se a toda a humanidade.

Essa visão incestuosa e superficial da nossa língua, além de levantar ilações absurdas sobre machismo onde ele não existe, leva ainda a outras aberrações. Há quem questione o porquê de se falar “pátria” e não “mátria” (machismo, devem pensar os órfãos de melhores estudos). Pois pátria vem do latim “pater” (terra, solo), e só passou a significar país na Idade Média. E é palavra feminina, pelo contrário, nada tendo a ver com pai ou homem. “Patrimônio”, da mesma raiz, vem de terra, propriedade, ideia da antiguidade, e nada tem de machismo: as propriedades de um homem e ou de uma mulher são seu patrimônio. As palavras latinas pater e mater vêm do mesmo sentido hebraico de Adão e Eva, Adamah e Avaah, que significam terra e vida (a terra fertiliza a vida, daí os nomes simbólicos do primeiro casal sobre a terra).

O antigo Código Civil chamava “pátrio poder” (em latim, “patria potesta”) o que hoje se chama “poder familiar”, direito que é exercido tanto pelo homem quanto pela mulher – ou apenas um deles, conforme a causa da separação, caso haja risco para a integridade física ou psicológica da criança. A perda desse direito é decretada em juízo juntamente ou após a perda da guarda do menor por uma das partes.  A origem arcaica da expressão, dos tempos em que a criança era uma espécie de propriedade dos pais. Aquele “pátrio poder” nada tinha a ver com o sexo de seu titular, a Justiça podia concedê-lo em favor da avó da criança, caso julgasse que nenhum dos genitores teria como exercê-lo, ou por risco iminente ao infante – e avó não é pai nem mãe, para lembrar o óbvio ululante!

Em Portugal, terra patriota que tem algumas particularidades inteligentes em sua rica língua de mãe-pátria (que bela expressão!), o termo foi trocado em 2008 por “responsabilidades parentais”. Pois patriota é quem ama sua pátria, terra, torrão, solo. Sejamos patriotas e respeitemos o idioma de nossa mãe gentil: pátria amada (no feminino!), Brasil!