Golpe do motoboy

Parece inacreditável, mas, na prática, não o é. Têm sido frequentes e numerosos os estelionatos por meio do chamado “golpe do motoboy”, em Tatuí, inclusive. O Progresso tem publicado diversas ocorrências desse tipo – a mais recente, na edição de quarta-feira, 22.

Nesse mesmo dia, Isabela Perrella, advogada do escritório Aith, Badari e Luchin, divulgou artigo sobre o assunto – também encaminhado ao jornal -, em que acentua a condição de as vítimas serem, majoritariamente, da terceira idade – o que por si só já deveria caracterizar algo agravante quanto a esse tipo de crime.

Aponta ela: “É crescente o número de correntistas de instituições financeiras, principalmente aposentados e idosos, que têm sido vítimas da fraude popularmente conhecida como o ‘golpe do motoboy”.

“Nesse golpe, ‘falsos’ funcionários do banco entram em contato com o correntista e informam que o sistema detectou uma suposta compra com características fraudulentas em sua conta bancária e questionam a sua veracidade”, segue a profissional.

Por se tratar de “falsa” compra, o cliente acaba negando-a, momento em que o suposto funcionário do banco informa sobre uma “fraude” no cartão e sugere o cancelamento por meio do telefone da central de atendimento, localizado no verso do cartão.

Na mesma ligação, os estelionatários mencionam dados pessoais da vítima, como nome, CPF e instituição financeira. Na sequência, o golpista orienta o aposentado a realizar a ligação posterior, na qual deve confirmar dados pessoais e questionar as compras indevidas no cartão.

“Então, neste intervalo de tempo, do término de uma ligação para a discagem de uma nova, estes criminosos ‘prendem’ a linha de seu telefone, de forma que a ligação posterior, que o correntista acredita ser direcionada ao banco, fica novamente sob o controle dos golpistas”, detalha Isabela.

Nesse instante, é indicado que a vítima digite a senha do cartão, levando todos os dados a ficarem expostos e permitindo que o golpista faça as transações comerciais.

A vítima ainda é informada, pelo golpista, de que o cancelamento do cartão será efetivado “por motivos de segurança”. Para tanto, contudo, solicita ao cliente que envie o cartão à agencia bancária, mantendo o chip, junto com uma carta escrita de próprio punho narrando o ocorrido, para que seja realizada “sindicância”.

Para essa necessidade – de levar o cartão até a banco -, é que, de maneira inusitada e inacreditável, entra em cena o “delivery” bancário, com a disponibilização de um motoboy para a retirada do objeto na casa do cliente.

“Ocorre que o cancelamento de fato não ocorreu e o motoboy que retira o cartão na residência do correntista é o próprio golpista, que, na sequência, realiza diversas compras, empréstimos e saques na conta bancária”, explica a advogada.

Ela lembra que, ao descobrir que caiu no “golpe do motoboy”, o correntista solicita ao banco o real bloqueio do cartão e o cancelamento das compras realizadas pelos golpistas. “Contudo, na maioria dos casos, a instituição bancária rejeita a solicitação e o consumidor tem que arcar com o prejuízo”.

Dessa forma, muitos correntistas estão recorrendo à Justiça para pleitear o cancelamento das compras e empréstimos, bem como a devolução de valores sacados ou pagos.

“É possível também solicitar, liminarmente, a suspensão das cobranças até o término da ação, não correndo durante esse período, caso seja deferida a liminar, juros sobre o débito”, ressalta a advogada.

“Na maioria dos casos, a liminar é deferida, sendo confirmada ao final do processo, condenando o banco a cancelar o valor cobrado e a devolver os valores pagos ou debitados da conta do correntista”, segue ela.

Ainda haveria possibilidade de condenação por danos morais, “tendo em vista o transtorno passado pelo correntista, o abalo psicológico sofrido, além de ter todos os seus dados pessoais e bancários expostos a terceiros que o utilizam de má-fé”.

Não obstante tudo isso, a orientação é para que o consumidor, no momento de se desfazer do cartão, corte-o ao meio, inutilizando a tarja magnética – e também, quando possuir, corte ao meio o chip.

“Adotando tal procedimento, as chances de qualquer fraude diminuem consideravelmente. Também é recomendável nunca entregar seu cartão para qualquer funcionário”, orienta – claro, tudo isso além de registrar o boletim de ocorrência.

A advogada conclui lembrando que, no momento, o “golpe do motoboy” é o mais utilizado por quadrilhas especializadas em aplicar estelionatos em pessoas da terceira idade.

Em momento tão estranho, em que se busca criminalizar – ou mesmo desqualificar – tantas conquistas civilizatórias, ao mesmo tempo em que se tenta flexibilizar regulamentações que podem potencializar a violência – como a posse de armas, por exemplo -, o conceito de justiça apresenta-se cada vez mais pálido.

Se não há conciliação, bom-senso e ética nem mesmo entre quem faz, impõe e zela pelas leis, que se pode esperar de criminosos? Nada… Já não há qualquer pudor em se atacar velhinhos! Qual será o próximo passo? O “golpe do jardim da infância”?

Lamentavelmente, foi-se o tempo em que roubar doce da boca de criança era apenas metáfora. A realidade contemporânea é que ninguém está mais seguro: idosos, mulheres, crianças…

E pior: esta grave situação abre oportunidade a quem defende supostas soluções tão mágicas quanto drásticas, partindo de uma nova “roupagem de bangue-bangue” – em que todos andam armados, de preferência com fuzis – até um novo golpe de estado – decerto porque, em uma democracia, não se pode matar indiscriminadamente e, óbvio, porque a solução para tudo estaria no gatilho de uma arma…

Sim, muitos podem ter, com razão, vontade de matar golpistas que lesam inocentes pessoas da terceira idade, mas muito melhor seria que essa crise fosse menos dramática (gerando tanto despudor generalizado) e, ainda, que os grupos mais vulneráveis deixassem de ser as vítimas preferenciais – o que perece estar muito distante da mira deste pais.