‘Golpe Baixo’ no coitadismo

Autor de dois romances com a primeira edição esgotada e peças teatrais premiadas, o jornalista Ivan Camargo tem o humor como predominante em todos os trabalhos literários.

Com essa mesma linguagem, o livro “Golpe Baixo” reforça a verve bem-humorada do escritor. A obra, a quinta editada por Camargo, tem data de lançamento marcada para o dia 8 de agosto, às 20h, no MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”).

O evento fará parte da Semana “Paulo Setúbal”, iniciativa muito próxima à própria história profissional do autor. Camargo é editor e jornalista responsável do jornal O Progresso de Tatuí, lembrando que partiu do bissemanário o movimento que veio a dar origem à semana.

Por ocasião da morte do escritor tatuiano Paulo Setúbal, em maio de 1937, o periódico encampou a proposta de uma homenagem póstuma.

A obra a ser apresentada na cidade é resultado de pouco mais de dois anos de dedicação. Igualmente, fruto de uma inquietação que acompanha o autor há um bom tempo. Camargo tem produzido uma série de trabalhos que, de um lado, fazem rir e, de outro, provocam para uma discussão sobre o “politicamente correto”.

No novo livro, o autor questiona e satiriza o “coitadismo”, por meio de contos que refletem situações cada vez mais recorrentes no dia a dia.

A obra soma uma série de “histórias quase apolíticas e nada corretas” – descrição, aliás, que daria nome ao projeto. Originalmente, o livro teria o título “Nem Te Contos – Narrativas Quase Apolíticas e Nada Corretas”.

Por sugestão da Editora Kazuá, o nome foi modificado para “Golpe Baixo”, o mesmo do sexto conto da obra. Curiosamente, o texto não é o que motivou o trabalho e nem abre o livro.

“O primeiro texto fiz por bronca, para amenizar o incômodo com o discurso politicamente correto. Mas, como não deixei de ficar incomodado, continuei escrevendo”, contou.

O autor Ivan Camargo

De modo simples, o apanhado de contos representa uma espécie de brincadeira com situações que resultam em distorções da realidade, mas que propiciam reflexão séria. A proposta é que o leitor perceba o quão ridículo podem ser determinadas posturas. “O politicamente correto é cômico, porque é uma aposta na retórica, hipocrisia pura”, acrescentou.

Neste sentido, a série de contos – que busca discutir os “limites do humor” – reforça a identidade de Camargo enquanto autor.

A obra denota não só coerência sobre a temática que perpassa todos os textos, mas evidencia o proselitismo de quem se esconde por trás do “coitadismo” para obter vantagens, além de instigar discussão sobre a liberdade de expressão.

Os contos “O Correntista”, “Manifestações de Desejo”, “TOC de Ninfeta”, “Sabor de Saudade Suja”, “Três Amigas”, “Golpe Baixo”, “A Última Flor do Macho”, “Beijo o Gay?” e “Memórias da Pior Idade” apresentam situações e personagens distintos. Mas todos têm, em comum, o viés “politicamente incorreto”.

Destes, apenas um texto traz uma experiência vivida pelo autor como pano de fundo. “Presenciei uma situação real no Rio de Janeiro e, a partir daquilo, ‘passei para a ficção’”, relatou.

O conto relacionado a ele não foi o ponto de partida para o livro. A obra começou a ser escrita a partir de uma brincadeira, com base no livro “O Alienista”, do escritor Machado de Assis.

O texto também readapta uma cena da peça “Até que a Morte nos Enlace”, premiada pela UBE (União Brasileira de Escritores), do Rio de Janeiro. Pela obra, o jornalista recebeu o “Prêmio Dias Gomes”, na categoria teatro, em 2011.

“No primeiro conto, fiz uma brincadeira com o eufemismo, que é essa coisa de colocar de uma forma amena determinadas classificações e situações para, supostamente, abrandar o real problema”, descreveu.

Por tratar do politicamente correto de forma mais explícita, o conto de abertura – que retrata um advogado especialista no “coitadismo”, que muito embasa as ações de supostos danos morais – é considerado um resumo do trabalho.

Em outras palavras, mostra ao leitor a que veio o autor. “É mais uma forma de apresentação da intenção do livro. Depois desse texto, a questão fica mais implícita ao longo dos demais”, explicou.

As questões abordadas pelo jornalista, envolvendo classe social, deficiência física, “gênero sexual” e outros tatos “ismos”, são todas tratadas com bom humor. Os textos, no entanto, mostram-se no liminar entre o escrachado e o jocoso, mas sem serem chulos.

“Não gosto de apelar. Não tenho nada contra palavrão, mas acho que é um riso muito fácil. É mais difícil marcar o humor em meio a situações não tão explícitas. Ainda mais sem ser mal interpretado. É complicado trabalhar com humor atualmente”, opinou.

Apesar de evidenciar a hipocrisia que busca censurar o humor, “Golpe Baixo” não se aprofunda nas discussões sobre minorias. Tampouco reduz as lutas legítimas de classes por mais direitos ou melhorias de condições de vida.

Conforme o autor, o livro apenas brinca com questões superficiais que estão sendo levadas muito a sério. Também por isto, mostra que este movimento pode ser danoso.

“Estamos vivendo um momento perigoso no país, porque algo sagrado e pelo qual tanto foi lutado, a liberdade de expressão, está sendo sistematicamente atacada, a pretexto de respeito ao próximo, à privacidade…”, refletiu.

Para o autor, o politicamente correto impõe até algo pior: a autocensura, “pelo receio de que a Justiça venha a servir como instrumento de ganho fácil a supostos ofendidinhos”.

Além disso, expõe outra mazela do momento: a falta de bom humor. Segundo Camargo, o risco existe quando as pessoas se levam “a sério demais”. “Não é necessário confundir as coisas. Você levar a sério as pessoas, seu trabalho, é correto; mas, se levar a sério demais, é ter uma vida infeliz”, ponderou.

Na medida em que leva um pouco mais de graça para as pessoas, “Golpe Baixo” convida a um exercício: “As pessoas precisam aprender a brincar com os seus próprios dramas, suas dificuldades. Quem consegue fazer isso tem uma vida menos complicada, porque todo mundo enfrenta dificuldades. Todo mundo é imperfeito de alguma forma”, opinou Camargo.

Por meio dos contos, o escritor retrata as diferentes situações envolvendo a discussão sobre o limite do humor. Os textos trazem personagens e histórias que representam minorias diversas.

O autor explica que a proposta é demonstrar que as pessoas que fazem parte das minorias podem – e devem – brincar com elas mesmas, ou com os problemas que têm.

“Ao mesmo tempo, acho muito feio quando alguém assume o papel de coitadinho. Nunca admiti assumir esse papel, mesmo agora, quando a política demagógica do assistencialismo garante certas vantagens”, disse, referindo-se a um grave problema de visão congênita que possui.


Lançamento pela internet e na Semana ‘Paulo Setúbal’

Publicado pela Kazuá, o novo livro já está à venda no site da editora, na Livraria Cultura e na gigante norte-americana Amazon, desde o mês passado. Em Tatuí, será apresentado no lançamento.
Nessa noite, o autor recepcionará convidados e demais interessados. “Fiquei muito feliz em poder lançar o livro na Semana ‘Paulo Setúbal’”, comentou. “Para mim, é muito significativo”.
Camargo trabalha, no momento, em outra série de contos, que têm os relacionamentos como tema comum. Nos textos, ele escreve sobre relações que, de uma forma ou de outra, envolvem sentimento.
Atualmente, o escritor participa de um projeto junto à Kazuá. Considerada nova no mercado, a editora abriu as portas, em São Paulo, em 2011, mas já tem grande alcance no país. Em seis anos de atividade, a Kazuá conseguiu um feito e tanto: publicou obras de escritores de todos os Estados do Brasil.
Fundada com a proposta de acolher escritores como se fossem amigos, a editora quebrou um paradigma, como contou o proprietário da Kazuá. Evandro Rhoden explicou que as editoras se dividem em empresas de “bairro” – que publicam obras de determinadas regiões do país – ou as que atendem amigos.
Na contramão destes dois “estilos”, a Kazuá acrescentou uma proposta singular: agregar o máximo possível de autores, estilos literários e públicos, de forma a revelar novos talentos e reconhecer escritores com carreiras sólidas.
Este é o caso de Camargo. O encontro entre o tatuiano e a editora aconteceu por meio de um concurso de nível nacional. O jornalista enviou textos para a Kazuá, incluindo dramaturgia, que despertaram a atenção da editora.
Na ocasião, Rhoden propôs ao tatuiano que integrasse o projeto chamado “Camaradagem Literária”, pelo qual autores experientes orientam os “novatos”.
O empresário também mencionou que a relevância do tatuiano no âmbito regional – e o currículo dele como escritor – atenderam a uma estratégia da editora.
A Kazuá trabalha na disseminação de obras literárias. “É muito importante, para nós, termos autores fora da capital. É sempre bom encontrar quem escreve, e bem. Até por conta disto, construímos um projeto gráfico diferente”, citou.
A capa do livro – que tem fundo preto – apresenta imagens de várias pessoas, captadas em Tatuí, em poses simulando “emoticons”, comuns em aplicativos de celular. Os modelos são pessoas da comunidade, convidadas a partir da proposta da editora de aproximar cada vez mais os escritores dos seus leitores.
Rhoden explicou, ainda, que a aposta da Kazuá no novo trabalho publicado por Camargo está ligada diretamente a dois aspectos. O primeiro é a qualidade literária e o segundo, a importância regional dele, enquanto escritor.
Uma terceira razão – não menos importante – é a temática da obra. “Sem dúvida nenhuma, o livro tem uma leveza enorme e um humor incrível”, acrescentou.
O lançamento de “Golpe Baixo” é antecipado pela internet, com a criação da página pessoal do autor. Camargo organiza um site contendo biografia, trabalhos e críticas a respeito das obras. Além de ter acesso ao resumo dos livros, os visitantes podem adquiri-los pelo próprio site.