Giorge de Santi ocupa subterrâneo de SP com mostra ‘Quilombo Vivo’

Ocupação Casa Amarela Quilombo Afroguarany, na Consolação, funciona em casarão tombado pela prefeitura da cidade de São Paulo (foto: Giorge de Santi)
Da reportagem

Não é errado dizer que o tatuiano Giorge de Santi rodou o mundo, pelo menos com os trabalhos. Fotógrafo profissional, ele produz imagens que já foram expostas em diferentes espaços e suportes. É o caso do novo trabalho dele, “Quilombo Vivo”, que será aberto na Linha Amarela do metrô da cidade de São Paulo.

Com a mostra, Giorge ocupará uma parte do subterrâneo da capital paulista. A exposição, que tem início em fevereiro de 2020, é resultado de vivência artística na “Casa Amarela Quilombo Afroguarany”. O espaço – um casarão tombado como patrimônio histórico – consiste em uma ocupação sociocultural estabelecida em fevereiro de 2014. Giorge chegou à casa no final do mesmo ano.

“Ele tem uma passagem bem contundente pela Casa Amarela”, define Wanessa Sabbath, atriz, produtora cultural e coordenadora do espaço. É ela quem organizou, junto à equipe do Metrô de São Paulo, a exposição do fotógrafo tatuiano.

Wanessa tem experiência no ramo de vendas, com passagens por produtos editoriais do Grupo Abril. Ela chegou ao local a partir de um movimento de ocupação iniciado no Vale do Anhangabaú, região do centro da cidade de São Paulo.

A produtora explica que, antes da Casa Amarela, o grupo de artistas em situação de vulnerabilidade reunia-se ao ar livre. Primeiro, para realizar sarais e encontros; depois, para buscar um espaço em definitivo para se expressar.

Os primeiros encontros aconteceram em 2005, sendo programados por meio das redes sociais. “A mobilização começou pela internet”, conta a gestora.

Naquela época, Wanessa explica que o grupo não se entendia como coletivo, muito embora realizasse ações na praça Ramos de Azevedo. Foi somente em 2011 que o movimento começou a tomar corpo e, em 2013, ganhou as ruas.

Como coletivo, os artistas defenderam causas variadas, em especial, dos índios guarani-kaiowás, do Mato Grosso do Sul, e dos índios kariri-xokó, do Nordeste.

Mas abraçaram, na medida em que os encontros ficaram constantes, os movimentos de “outras tribos”. “Nós nos juntamos por afinidade. Gostamos de trocar ideia, conversar, fazer música e poesia”, descreve.

Durante os encontros, o grupo conversava sobre vários assuntos, como machismo e homofobia. Mas resolveu, em 2013, sair da discussão ao receber crianças nos “rolês”.

“Nós reclamávamos que não tínhamos acesso à cultura e aos meios, mas percebemos que elas, as crianças, também não tinham acesso a nada e que nós é que acabávamos fazendo isso por elas”, contou Wanessa.

Nascia, ali, o embrião das oficinas culturais promovidas pela Casa Amarela. “É o que nós chamamos de política de redução de danos”, enfatiza Giorge.

O fotógrafo conheceu, por exemplo, dois jovens que trocaram o tráfico de drogas pela arte e passou a defender, com os artistas, o direito de utilizar o espaço.

Na Casa Amarela, os artistas “ressignificaram” o trabalho cultural. Definiram, para tanto, que o uso do imóvel deveria ser feito de modo compartilhado. “Todo mundo que sabia fazer algo começou a ensinar”, conta Wanessa.

Começava o trabalho de ressocialização. Além de arte, o grupo passava a oferecer orientações aos jovens e adultos da comunidade, sem obrigatoriedade de frequência.

“Estávamos em processo de pesquisa para entender até que ponto poderíamos ajudar as outras pessoas, até porque, nós também éramos um grupo vulnerável e que precisava de ajuda”, diz a produtora.

Para os artistas e a gestora, a Casa Amarela é um espaço fruto de ocupação e não de invasão. “Existe uma diferença: quando não tem coisas e pessoas é ocupação; quando tem, invasão. Aqui, nós estávamos dando vida ao espaço”, diz.

Apesar de o movimento ser coletivo, a Casa Amarela não impede os artistas de desenvolverem projetos particulares. Wanessa destaca que a intenção da vivência é dar oportunidade de os artistas desenvolverem potencialidades individuais. No caso de Giorge, a convivência despertou nele interesse em retratar o processo de produção dos artistas, no solo e no coletivo.

“Quilombo Vivo” retrata um segundo momento do trabalho dos artistas na ocupação, sendo incluído como uma das produções selecionadas do mês da Consciência Negra. A mostra conta com 76 imagens, em colorido e preto e branco, clicadas com celular. “Ela traz uma perspectiva mais lúdica”, conceitua Giorge.

As imagens percorrerão as estações Higienópolis/Mackenzie e Paulista, em fevereiro e março, e poderão ser vistas até o dia 15 de abril, na Luz.

“Elas não têm nada a ver com o primeiro momento, que era de resistência. As fotografias selecionadas são do artista em essência”, frisa o fotógrafo.

Para a exposição na Linha Amarela, Giorge conta que trabalhou o conceito de desconstrução do pensamento artístico. Por isto, optou por abandonar as câmeras e lentes caras e ficou com o celular.

“Vim desconstruindo todas as técnicas que aprendi nos cursos de publicidade e fotografia e em anos de trabalho no mercado. Nada de parafernálias. Hoje, só utilizo luz natural”, explica.

Para o fotógrafo, este é um processo de produção mais livre. Giorge argumenta que, “sem as amarras dos profissionais de mercado”, ele pode escolher quais recursos quer utilizar para desenvolver o trabalho artístico. “Tudo isto é para dizer que as pessoas podem fazer tudo, mesmo sem recursos”, diz.

A mostra é a primeira aberta pelo tatuiano no metrô de São Paulo. Giorge, no entanto, já ocupou o porão do MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”), e teve fotos publicadas no livro “O Brasil Visto pelos Brasileiros”, produzido em comemoração aos 21 anos da Divine Académie, e exposto em Paris, na França.