Família de veterinário morto pela PC pretende estruturar uma ONG

Veterinário distribuía presentes a crianças de família residente próximo à propriedade onde ele morreu (foto: arquivo pessoal)

A família do veterinário Vicente Antônio Elias Júnior, de 31 anos, que morreu no dia 4 de dezembro durante operação da Polícia Civil, cogita montar uma ONG (organização não governamental) para continuar os trabalhos desenvolvidos por ele. É o que informou a irmã, Mariah Roberta Camargo Elias, 24.

Segundo ela, a ideia surgiu após contatos feitos por pessoas a quem o veterinário ajudava, de forma discreta. “Meu irmão sofreu uma fatalidade e, dessa tragédia, a família e os amigos ficaram sabendo do tamanho do coração, da alma e da solidariedade que ele tinha”, contou Mariah.

Apesar de saber da paixão do jovem por animais, a irmã disse que a família desconhecia toda a dimensão do trabalho voluntário desenvolvido por ele.

“O Júnior tinha muito amor pelos animais e pelo próximo. Só que, depois do que aconteceu com ele, muitas pessoas me procuraram para falar como ele as ajudava”, revelou.

O veterinário também contribuía com entidades como o Instituto Luisa Mell, criado em 2015 e que atua, principalmente, no resgate de animais feridos ou em situação de risco. A organização também mantém um abrigo com 300 animais.

“Eu não tinha noção do que ele realmente fazia. Sabia apenas o mínimo. E nós, da família, entendendo a necessidade de colaborar, estamos pensando em mobilizar as pessoas, a ponto de montar uma instituição de ajuda”, explicou.

Segundo Mariah, os primeiros contatos foram feitos pela internet. A irmã conversou com as pessoas ajudadas pelo veterinário na medida em que postava fotos dele. “As pessoas iam comentando e relatando sobre o que ele fazia”, disse.

De acordo com a jovem, para alguns, Júnior doava ração; para outros, remédios. Gislayne Catel, tesoureira da ONG Pró-Animal, estava entre uma das pessoas que recebiam auxílio. A instituição da qual ela faz parte cuida de cães abandonados, resgata animais da rua e evita que sejam vítimas de maus-tratos.

“É essa a finalidade da ONG: resgatar, cuidar e arrumar lugar para os cães. Infelizmente, nem sempre é possível. A maioria das pessoas quer adotar filhotes, que são mais bonitos, e, consequentemente, o abrigo fica superlotado”, contou.

Para manter o espaço no Vale dos Lagos com 65 cães, a entidade precisa de suporte. Júnior contribuía com rações, desde que soube do trabalho desenvolvido por Gislayne. “Eu o conheci quando ele entrou na minha sala de inglês, há três anos. Por ele ser veterinário, sempre esteve disposto a ajudar”, contou.

Em 2017, o profissional auxiliou a entidade a participar do desfile cívico de 11 de agosto. Gislayne explica que o evento representou uma oportunidade de a organização apresentar o trabalho desenvolvido para toda a cidade e, a partir disso, conseguir mais ajuda.

De acordo com Siméia Vanessa Pessoa de Moraes, as ações realizadas pelo veterinário em prol aos animais não se restringiam ao apoio a entidades. “Ele era uma pessoa muito legal, não podia ver um bicho que já corria para ajudar”, relatou.

Funcionária de uma loja comandada pelo veterinário, ela conta que “cansou de ver as vezes em que o ex-patrão tratava de animais”. O empreendimento fica na rua Teófilo de Andrade Gama, na altura do Jardim Rosa Garcia.

“Os animais já o conheciam e iam atrás dele. Ele era como se fosse dono. Mesmo que tivesse saindo para pagar uma conta ou almoçar, ele voltava e colocava ração e água quando via um animal passando necessidades”, descreve.

A exemplo do jovem e para dar continuidade à ação dele, Siméia segue provendo água e alimentação para os animais que perambulam próximos à loja. “Eu continuo, até por gratidão. Assim como ele, eu gosto de animais”, completou.

Roseli Lourenço Gomes também se sente agradecida pela ajuda que recebeu. Ela sofreu um acidente de trabalho e, em razão de complicações, quase precisou amputar a perna esquerda.

Roseli trabalha em uma cerâmica de propriedade da família do veterinário. Segundo ela, o acidente ocorreu em um dia “muito atribulado”. A funcionária havia perdido o pai quatro dias antes da ocorrência. Ela precisou passar por cirurgia, recebendo todo o acompanhamento do veterinário.

“Ele me acompanhou em tudo, até eu poder andar. Sempre pedia foto do meu pé, para ver, e levou-me para fazer fisioterapia. Ficou comigo por quatro anos”, disse.

Para a funcionária, Júnior foi além das obrigações. Roseli conta que o veterinário pagou vários exames e consultas. “Ele era como um filho para mim. Fez muito, inclusive, eu devo a ele o fato de não ter amputado a perna”, acrescentou.

Pelo zelo demonstrado pelo jovem, a funcionária não atendeu aos pedidos de dois médicos. O primeiro, em Sorocaba, havia indicado que o melhor seria Roseli amputar a perna esquerda. Inconformado com o resultado, Júnior encaminhou a funcionária para São Paulo, onde o diagnóstico se repetira.

“Se dependesse de mim, perderia a minha perna, porque cada exame custou R$ 2.000. O Júnior me deu forças. Deu-me conselhos, disse que eu deveria esperar, que estaria comigo e pediu para eu não perder as esperanças”, contou.

Kelen Prado, que conviveu com o veterinário por seis anos, também relata o amor do veterinário pelos animais e o trabalho realizado por ele para ajudar pessoas carentes. “Só tenho coisas boas para falar dele”, disse a jovem.

A moça estava noiva de Júnior e, pela convivência, acumulou histórias. Uma delas aconteceu no retorno de uma viagem. Kelen, a mãe dela, Marilene do Prado Vieira, e o então noivo voltavam de um almoço em família.

Na ocasião, o jovem viu uma cachorrinha no meio da pista de uma rodovia. “Nós pensamos que ela estava morta, até que notamos ela levantar a cabeça”, contou Marilene.

Ao perceber isso, Júnior teria parado o carro e o trânsito para resgatar o animal. “Ele deu a volta e parou a rodovia, os caminhões. Ali, eu vi o amor que ele tinha não pela vida dele, mas, sim, pela dos animais”, enfatizou a jovem.

Segundo ela, o sonho do veterinário era montar uma ONG. Kelen conta que Júnior pretendia cuidar dos animais. “Ele tinha o dom da caridade”, adicionou.

No Natal, a jovem diz que Júnior ainda preparava kits para distribuir a uma família residente próxima do sítio dele. O veterinário entregava presentes às crianças.

“Ele era carinhoso, educado, prestativo até demais. Deixava as coisas dele para fazer a das outras pessoas. Se via alguém com fome, sempre ajudava”, lembra Marilene.

A irmã do jovem explicou que muitos desses relatos só chegaram à família posteriormente à morte dele. Para manter a imagem do veterinário viva entre os parentes e fazer dele um exemplo, os familiares cogitam formar uma instituição.

“Eu quero, realmente, ajudar o próximo, porque foi isso que ele me ensinou”, disse Mariah. “Minha família quer dar continuidade a tudo que ele fez de bom”, completou.

Os interessados em colaborar podem entrar em contato por meio de rede social (Mariah Camargo). Quem preferir pode também ir até a Mariah Home, à rua Teófilo de Andrade Gama, 1.214, ou ligar para o telefone 3205-2466.