Estupros





Conforme tem sido amplamente divulgado pela mídia nacional, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apresentou resultado de pesquisa apontando que 65,01% da população consideram merecedoras de violência sexual as mulheres usuárias de “roupas que mostram o corpo”. Um pouco menos, 58,5%, entendem que, “se as mulheres soubessem se comportar”, haveria menos estupros.

Praticamente em simultâneo à discussão nacional derivada da pesquisa, em Tatuí, aconteciam dois casos de abuso sexual, ambos envolvendo menores de idade.

Dia, 21, guardas civis municipais atenderam denúncia anônima sobre um caso de abuso sexual em uma menina de nove anos. Menos de uma semana depois, dia 27, houve outra ocorrência de suposto estupro, envolvendo uma adolescente de 15 anos.

Conforme o comandante da GCM (Guarda Civil Municipal), Adriano Henrique Moreira, no primeiro caso, uma criança, vizinha da casa onde teria ocorrido o abuso sexual, viu, por cima do muro, o suposto abuso.

A vizinha teria contado para a mãe dela, que foi conversar com a esposa do acusado, um indivíduo de 57 anos. De acordo com o comandante, a suposta vítima mora com o homem e chama-o de “avô”, embora não seja neta dele.

A mãe da suposta vítima teria se mudado para a casa do acusado por conta de um relacionamento com o filho dele. Conforme Moreira, a mãe já tinha a menina, com outra pessoa, antes de se relacionar com o filho do acusado.

A menina teria dito que aquela havia sido a terceira vez em que acontecera o suposto abuso. Porém, o acusado ameaçava a menina de morte se ela contasse a alguém, ainda segundo o GCM.

Conforme Moreira, o homem teria fugido do local quando a Guarda chegou. A menina foi encaminhada à Delegacia da Mulher.

Com a comprovação do abuso, identificado por exame de corpo de delito, na terça-feira, 25, o acusado apresentou-se na Delegacia da Mulher, sendo mantido em prisão temporária.

O outro caso de abuso sexual, contra uma adolescente, teria sido cometido por um rapaz de 21 anos. De acordo com Moreira, guardas estavam em patrulhamento na vila Doutor Laurindo quando encontraram uma menina que aparentava estar passando mal.

A GCM foi ao encontro dela, que disse ter sido vítima de estupro por um rapaz que ela conhecera na internet. Conforme Moreira, a vítima informou que o acusado teria a obrigado a ingerir bebida alcoólica e a fumar maconha.

O comandante disse que o estupro aconteceu no interior de um hospital abandonado. A adolescente sustentou que o acusado teria ameaçado a família dela, caso contasse sobre o ocorrido.

Na Delegacia da Mulher, a menina teria mostrado uma foto do acusado e, segundo Moreira, policiais o reconheceram, porque havia mais denúncias e ocorrências de abuso sexual contra ele, envolvendo adolescentes.

O rapaz foi detido na residência dele e afirmou não ter sido a primeira vez que os dois teriam se relacionado sexualmente, com o “consentimento” da adolescente.

Moreira comentou que o acusado afirmou ter dado bebida alcoólica e um remédio para a menina, os quais, juntos, seriam um “abortivo”, pois a adolescente estaria grávida dele, e ambos não queriam o filho.

O rapaz foi preso, acusado de estupro e omissão de socorro.

A polêmica nacional e os casos locais suscitam algumas questões, entre as quais a de que os estupradores devem ser muito mais afetados pela perturbação pessoal deles que pelo tamanho da roupa e trejeitos das mulheres.

Não fosse assim, como justificar o ataque a crianças? Entender que uma menina de nove anos tem comportamento “insinuante”, ou mesmo que suas roupas são “ousadas”, seria conclusão de alguém tão demente quanto o criminoso.

No mínimo, a pesquisa, neste sentido, falha ao não diferenciar “dois tipos” de estupradores: os tarados convencionais, cuja libido é incontrolável diante das fêmeas que não usam burca, e os pedófilos, em razão dos quais não se pode imputar culpa às vítimas.

Quanto à metodologia da pesquisa, em meio ao turbilhão de opiniões não raro idiotas, há quem critique, até, o fato de os pesquisadores não “informarem” aos entrevistados que estupro é crime… Por conta dessa “desatenção”, o resultado teria sido tão cruel com as mulheres… E, inacreditável, é “autoridade” dizendo isso. Autoridade que não sabe diferenciar entre campanha educativa e pesquisa!

Tendo já transcorrido alguns milhares de anos do período neolítico, em que o acasalamento tinha início pelo uso da clava e pelo puxão de cabelo, convenhamos: é possível crer que algum cidadão ainda pensa que fazer sexo com outra pessoa à força não seja crime?

Outro absurdo de autoridades: há quem entenda que a divulgação dessas ocorrências “atrapalha”. Muito bem. Imaginemos o seguinte: você é pai ou mãe, pagador dos impostos que sustentam os salários dessas autoridades, e, pela opção (ilegal, ressaltemos) de omitir os fatos, tem a falsa sensação de segurança, simplesmente por não saber o que acontece em sua comunidade.

Você, pai, mãe, acharia essa realidade ideal? Reconfortante? Algo pertinente à paz social? Procedimento necessário para conter a sanha da imprensa marrom? Ou, preferia saber que, na pior das hipóteses, seu filho pode ser vítima de algum doente e, assim, se prevenir ao máximo possível?

De qualquer forma, é extraordinário e surpreendente o resultado dessa pesquisa, a qual evidencia o quão ainda é reacionária grande parte da população. E mais: o quanto faz falta a (boa) educação formal.