Escritor tatuiano conquista prêmio em festival de poesia de Cerquilho

Tatuiano conquista 28,7 pontos dos 30 possíveis com a interpretação da obra 'Realidade Pararela' (foto: arquivo pessoal)

O escritor Gabriel Coelho Bastos, 26, conquistou o terceiro lugar e um prêmio de R$ 1.000 no 31º Fepoc – Festival de Poemas de Cerquilho, que aconteceu na sexta-feira da semana passada, 25 de outubro, no Teatro Municipal da cidade vizinha.

Na ocasião, 20 autores de obras inéditas, de diversas cidades da região, foram selecionados nas modalidades composição e interpretação. O tatuiano concorreu com a obra “Realidade Paralela”, na categoria interpretação, e conseguiu alcançar 28,7 pontos, dos 30 possíveis.

Bastos, que é cego, destaca que a obra retrata experiências pessoais e situações vividas no cotidiano das pessoas com deficiência visual, “como se o autor estivesse experienciando um sonho que traz a esperança de uma nova realidade”.

De uma forma lúdica, o texto ainda reforça a necessidade das condições de acessibilidade e da inclusão social, além de mostrar as competências e potenciais das pessoas com e sem deficiência.

“Grande parte da poesia eu fiz inspirado em mim mesmo, em experiências que aconteceram comigo, por ser uma pessoa que não enxerga. Nela, eu falo que sonhei com uma realidade paralela, onde muitas coisas estariam diferentes do que estamos vivendo agora”, comentou o autor.

O escritor conta que as inscrições começaram em setembro e que o texto foi escrito para o concurso um mês antes do prazo para o encerramento da entrega dos trabalhos.

“Um dia, me levantei bem animado e escrevi o poema; depois, passei uns dias com síndrome de perfeccionismo, comecei a corrigir, modificar alguns detalhes do texto, e só enviei nos últimos dias do encerramento da inscrição”, contou.

Esta é a segunda vez que o tatuiano participa do Festival de Poemas de Cerquilho. Na edição passada, em 2018, ele conseguiu a nona colocação, também na categoria interpretação, com a poesia “Estrada”.

“No ano passado, fiz uma poesia com menos compromisso. Na verdade, foi só para conhecer como era o concurso e sentir como seria minha participação. Foi neste ano que decide me inscrever para valer”, ressaltou o escritor.

Bastos competiu usando o pseudônimo “Lucas Frobisher”, nome adotado por ele em homenagem a um sobrinho, a um irmão (que morreu antes que ele pudesse conhecer) e a um personagem fictício da série britânica “Doctor Who”.

“Lucas era o nome de um irmãozinho que perdi e é de um sobrinho, que é meu afilhado e, praticamente, a minha metade. Frobisher era um pinguim do Dr. Who que podia assumir qualquer forma. Ele é tipo um camaleão e foi pensando nisso que criei este meu sobrenome, porque não tenho uma forma fixa de escrever, sempre me reinvento”, explicou.

O autor começou a escrever de forma profissional há aproximadamente dois anos, mas conta que, “com sentidos e a criatividade aguçadas”, produz contos, crônicas e poesias desde os sete anos de idade.

“Minha cabeça sempre foi muito acelerada, eu não tinha onde colocar tanto pensamento até que experimentei escrever o que eu sentia e os sonhos que tinha durante o sono – a cada noite era uma aventura. A sensação de externar minhas ideias começou a me aliviar e fez com que eu me apaixonasse pela escrita”, acrescenta.

De acordo com o escritor, os textos têm temas variados, mas sempre trazem algo sobre as vivências pessoais do autor, que, na hora de escrever, já assumiu personalidades de crianças, idosos, mulheres e robôs.

“Gosto de variar também e falar de outras pessoas, mas costumo, salvo raras exceções, dar finais bem positivos aos meus textos. Gosto de ver os personagens se dando bem. Na nossa realidade, vemos um mundo com uma postura triste, mas eu gosto de retratar o lado oposto”, afirma.

A divulgação dos primeiros textos produzidos foi realizada no ano passado, com uma coletânea intitulada “Cartas na Gaveta”. O livro, com 85 páginas, foi lançado em formato digital, por meio da plataforma “Kindle”, e está disponível para venda no site www.amazon.com.br, por R$ 8,99.

Segundo o autor, a obra reúne 29 poesias em estilo de autobiografia, produzidas ao longo dos anos e que estavam “engavetadas” em uma pasta, sem nenhuma expectativa de que pudessem se transformar em livro.

“São cartas e pensamentos que eu havia guardado em uma gaveta e que só agora eu os libertei. Na seleção, inclui texto que falam da inocência da infância, passei pelos conflitos da adolescência, pela tristeza e, depois, cheguei à fase da libertação”, revela o escritor.

Ele ainda destaca que a divulgação do trabalho em livro aconteceu por intermédio e apoio de uma amiga, a qual faleceu antes do lançamento da obra e acabou recebendo uma homenagem por meio da publicação.

“A formatação durou mais de um ano, mas, quando o livro saiu, foi dedicado a uma pessoa muito especial para mim, minha amiga Maíra, que foi a primeira que me encorajou a escrever de verdade. Ela morreu antes de ver meus trabalhos completos, mas me inspirou a começar”, aponta.

O escritor conta que, a partir da edição do primeiro livro, passou a ter mais confiança no próprio trabalho. “Sou muito perfeccionista e nunca achava que o texto estava bom. Chamo essa minha personalidade de noiva neurótica, mas melhorei muito depois do livro”, contou, rindo.

Bastos iniciou os estudos primários no Colégio Ideal de Tatuí, onde cursou até o quarto ano do ensino fundamental. Em seguida, frequentou o Instituto de Cegos “Padre Chico”, em São Paulo, do quinto ao nono ano.

Ainda cursou o primeiro e o segundo ano do ensino médio em duas escolas de Santo André (“Dr. Américo Brasiliense” e “Professora Inah de Mello”) e concluiu o nível médio em Tatuí, na escola estadual “Deócles Vieira de Camargo”.

Em 2012, ingressou no curso de ciência da computação na Unip, em Sorocaba, tendo concluído a graduação em 2017, quando passou a escrever. Segundo o autor, foi durante o curso que ele descobriu que queria profissionalizar-se na escrita.

“Fui para lá porque gosto de computador, mas depois descobri que não é do computador que eu gosto e sim das coisas que ele tem e que me pode oferecer”, adicionou.

Ainda conforme o escritor, a poesia despertou o interesse por outra área da escrita na qual está buscando especialização. “Graças à poesia, estou me especializando em marketing digital. Estou utilizando minha escrita e criatividade para ajudar as pessoas a elaborarem uma boa carta de vendas”, conta.

Conforme o escritor, a meta agora é lançar novas coleções, produzir novas histórias por meio de contos e crônicas, continuar participando de concursos e se aprimorar na área de marketing digital.

Além disso, o autor mantém um perfil no Facebook com o pseudônimo e publica semanalmente novos trabalhos em diversos estilos literários. “Já estou trabalhando em quatro textos e tenho muita coisa guardada que pode ser publicada em livro. A intenção é continuar e me aperfeiçoar cada vez mais”, concluiu o escritor.

Realidade Paralela

Ontem eu sonhei com uma realidade paralela

Onde um sorriso fácil não era confundido com ingenuidade,

Onde boas ações andavam de mãos dadas com a sinceridade

Onde chorar não era visto como um ato de fraqueza.

Ontem eu sonhei com uma realidade paralela

Onde o louco e o ousado eram tidos como realeza,

Onde todo “se” era certeza,

Onde as coisas eram tão “mais” que não havia espaço nenhum para aquele cara chato chamado “mas”.

Ontem eu sonhei com uma realidade paralela

Onde conversar sobre os escândalos das celebridades e sobre a chuva de amanhã não era o foco principal do dia de hoje,

Onde a nossa tristeza era remediada com uma volta de bicicleta e não interpretada como frescura ou falta de Deus no coração,

Onde frases como “Hey, devemos ter mais empatia, viu?” não precisavam ser repetidas feito mantras.

Ontem eu sonhei com uma realidade paralela

Onde cada “lá lá lá” foi trocado por um livro,

Onde os quadros e as poesias abriram mais portas do que os carrões e os ternos bonitos,

Onde um mero número entre 0 e 10 provou-se pequeno demais para resumir as qualidades de um estudante.

Ontem eu sonhei com uma realidade paralela

Onde as pessoas enfim compreenderam que eu nasci cego, não surdo,

E perguntaram “Qual é o seu nome?” ao invés de “Qual é o nome dele?”,

“O que você vai querer jantar?” ao invés de “O que ele vai querer comer?”.

Ontem eu sonhei com uma realidade paralela

Onde o povo não oferecia curas milagrosas para a minha supostamente terrível enfermidade,

Onde a falta da visão ou de uma perna não impedia ninguém de ingressar numa faculdade,

Onde a honra não era reconhecida somente depois da trigésima briga nos tribunais.

Ontem eu sonhei com uma realidade paralela…

Onde nem mesmo precisei escrever estes versos enormes, repetitivos e sem rimas

Para provar ao mundo que sou uma pessoa tão normal quanto as outras…

Bem, normal apesar da minha paixão quase doentia por gatos, Jornada nas Estrelas, theremin e poemas sem fim.