É, tem muitos brasileiros vivendo na Europa!





Viagens ao exterior hoje são bastante comuns. O desenvolvimento dos meios de transporte fez com que as distâncias ficassem menores, não geograficamente, mas reduzindo o tempo despendido em viagens. Outrora, uma viagem da Europa para o Brasil demorava alguns meses. Hoje, de avião, leva algumas poucas horas

Em um passado relativamente recente, uma pessoa que viajasse de Tatuí até São Paulo, de trem, merecia até despedida com lenços e lágrimas na estação da Sorocabana. Havia grande isolamento entre cidades e regiões. Um retorno, em muitos casos, aconteceu com banda de música. Agora, tudo é rápido e com muito menos glamour. Em um só dia, viaja-se por diversas cidades.

Pois bem, no final dos anos 50 ou início dos 60, doutor Fernando Guedes fez uma longa viagem pela Europa, começando por Portugal, passando por Espanha, França, Itália, Alemanha, Bélgica e Inglaterra. Foi motivo de muita conversa na cidade. Pudera, viagens ao exterior eram caras e raras, e nesse caso foi especial, pois alugou um automóvel em Portugal para viajar pelo velho continente.

Se atualmente as pessoas nem ligam para quem foi ou não viajar ao exterior, quando esse tatuiano retornou, constantemente reunia-se com amigos para contar o que viu por lá e mostrar algumas fotografias que clicou nos pontos turísticos mais conhecidos. Todos admiravam com uma pontinha de inveja.

Um desses amigos era Euchário Holtz, que, apesar de ter condições econômicas suficientes para bancar uma viagem à Europa mesmo nessa época, difícil e cara, o temor de balançar em um navio cruzando o Atlântico impedia realizar tal passeio. Mesmo depois, com o desenvolvimento da aviação, achou melhor ficar aqui em terra mesmo.

Viajava pelos mapas e pela literatura. Euchário conhecia detalhes de todos os países devido ao hábito da leitura. Então, ouvir a descrição de quem observou ao vivo alguns dos locais mais importantes do mundo era muito prazeroso.

Então, certa noite, reunidos na Praça da Matriz, diversas pessoas, entre eles o doutor Milton Franco, Euchário e outros amigos ouviam o doutor Fernando contar sobre a viagem.

Todos estavam maravilhados com a narrativa. Como se tratava de ouvintes muito instruídos, sabiam muitos detalhes daqueles locais pelos quais doutor Fernando passou. Quando foi explicar a viagem pelos Pirineus, a cordilheira que separa a Península Ibérica da França e faz a fronteira natural entre esse país e a Espanha, para ilustrar geograficamente o local, ele fechou a mão esquerda e, deslizando o indicador direito desde o punho até o topo da mão fechada, descrevia mais ou menos assim:

– Aqui embaixo é a Espanha! – apontou para seu punho. – Aqui são os Pirineus! – apontando o topo do punho, enquanto todos os olhares observavam seu dedo deslizando e subindo até o nó dos dedos. – Deste lado é a França! – ao mesmo tempo em que descia o indicador pelos dedos fechados da mão esquerda, sempre acompanhado pelos olhares atentos dos ouvintes.

Como não economizava palavras e explicava detalhes, aos ouvintes parecia quase que recitava um poema. Estavam interessadíssimos. Atentos.

Nisso, um dos ouvintes saiu um pouco de lado e puxou Euchário pelo paletó. Insistiu até que ele teve de sair também e perder parte daquela narrativa que mais parecia um poema ou uma pequena odisseia. Ele também queria pincelar sobre o assunto com seus conhecimentos, já que apenas o doutor Fernando falava. E disse ao Euchário:

– Você sabia que tem muitos brasileiros vivendo na Europa? – perguntou ao Euchário, pronto para encompridar o assunto.

Ah, mas de todas as qualidades que Euchário tinha, a paciência nunca foi uma delas.

– Ô ‘mardição’! Me interromper para fazer essa pergunta! Ah, se eu tivesse um armamento! – resmungou, chiou e voltou ouvir a descrição da viagem, mas perdeu justamente a descida dos Pirineus e a entrada na França, deixando um tanto sem jeito esse seu amigo, que também retornou à rodinha de amigos.

Depois desse fato, quando alguém interrompia alguma coisa que Euchário estava interessado, já resmungava:

– Ô ‘mardição’! É, tem muitos brasileiros vivendo na Europa mesmo! – com seu humor peculiar, finalizava todas as interrupções, levantando risos dos amigos.