Dr. Carlos de Campos, presidente de São Paulo, e vô Juquinha





Pelo estado de direito e a ordem institucional. Os 150 anos de nascimento do governador músico

 

Minha filha Marta foi à casa de meus pais, após o falecimento de Maria Lucia, minha mãe. Fotografou documentos antigos e muito bem guardados de meu avô Juquinha, principalmente as correspondências trocadas entre tropas do exército brasileiro de Minas Gerais enviadas às cidades fronteiriças e estacionadas no Estado de São Paulo. Ele havia sido enviado de Minas para o Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro, de onde as Forças Armadas comandavam tropas mineiras e legalistas de São Paulo, contra a chamada revolta de 1924. A intenção dos rebelados era depor o presidente da República, Artur Bernardes, e, em São Paulo, o governador (então presidente do Estado) doutor Carlos de Campos, que havia tomado posse apenas dois meses antes da eclosão do movimento. Um dos telegramas enviados a meu avô pediu que fossem passadas às famílias de alguns oficiais informações sobre seu bom estado de saúde, contendo os endereços de suas respectivas famílias, na capital paulista, para que essas ficassem menos aflitas, diante do temor de que poderia sobrevir o pior.

O Palácio dos Campos Elísios, sede oficial de onde despachava o então governador, sofreu intenso bombardeio rebelde, e um de seus filhos teve ferimentos por estilhaços. Campos levou sua família para longe, escolhendo a estação de trem de Guaiaúna, então da Estrada de Ferro Central do Brasil, como refúgio e sede provisória de governo, na Penha paulistana. As tropas federais acampavam nos entornos da estação, sede improvisada do governo. Era nas plataformas da gare que as forças oficiais legalistas faziam primeiros-socorros e distribuíam víveres para a população (“Revista da Semana”, 09/08/1924). No dia 27 de julho, o jornalista Paulo Duarte, amigo e colaborador do musicólogo Mário de Andrade, intermediou um pedido de cessar-fogo de 48 horas para negociar a rendição dos sublevados, que queriam em troca a anistia pelos crimes da rebelião. Carlos de Campos tinha estopim curto, e vendo que a revolta já estava dominada mandou o seguinte recado (cit. lit.): “Vocês parecem que estão fazendo causa com os revoltosos… Em vista dos termos desta carta vou mandar aumentar os bombardeios. A granada será a resposta”.

Em 8 de agosto de 1924, o coronel Joviano Mello, comandante do 5º Batalhão, enviou a meu avô uma carta em que informava ter se apresentado com cerca de 800 soldados em Ouro Fino, sul de Minas, ao general Martins Pereira, que havia ocupado Mogi Mirim, Itapira e Jaguari. Pereira, acossado, foi para Espírito Santo do Pinhal. Logo, nova derrota. Abandonou a cidade, depois de encurralado pelo cerco da chamada “Coluna da Morte” do rebelde João Cabanas, que ocupara Itu. A “Coluna” não tinha um contingente ou armas em quantidade suficiente para os embates, e sobre ela conta-se um episódio pitoresco: os rebeldes teriam desfilado em um comboio ferroviário exibindo armamentos e soldados, tendo à frente um poderoso canhão de 155 mm. Detalhe: feito de uma tora de peroba escurecida com piche, mas que bem servia, de forma teatral, a uma simulação de poderio bélico. Meu avô Juquinha, encarregado das comunicações entre as tropas de Minas e os legalistas de SP, respondeu às indagações do coronel Joviano Mello, e, de forma bem sucinta, passou por bilhete uma ordem lacônica do ministro da Guerra Fernando Setembrino de Carvalho (o documento, infelizmente, está muito pouco legível). Lembro-me de ouvir de meu avô causos sobre bilhetes passados às escondidas nos vagões dos trens da estrada de ferro – histórias que para mim, criança, soavam como filmes de ação, aventura.

Assim, da capital da República, Rio de Janeiro, eram monitoradas as tropas de Minas, que defendiam o presidente Artur Bernardes, e especialmente na região davam respaldo ao presidente do Estado de São Paulo, doutor Carlos de Campos, que haveria de governar a cidade de março de 1924 até sua morte, em 1927. (Cinco anos depois, em 1932, meu avô, à frente do 12º Batalhão de Infantaria, uniu-se novamente aos paulistas, na revolução constitucionalista. Se vivo, Carlos de Campos teria sido, com certeza, um quadro civil fundamental ao movimento).

Homem cultor das letras e artes, Campos ganhou um busto, hoje exposto no Palácio dos Bandeirantes, estátua repleta de símbolos, como ramos de tabaco e café e uma harpa, o que bem ilustra tanto seu civismo quanto cultura. Foi ele quem deu início ao projeto de construção da estação ferroviária Sorocabana em São Paulo, em 1925, obra inaugurada em 1938, em plena era Vargas. Posteriormente, recebeu o nome de Júlio Prestes, que governou o Estado até 1930. Em 1997, a estação viria a acolher o mais imponente auditório de concertos do país: a Sala São Paulo, em cujo saguão há uma placa em homenagem ao ex-governador doutor Carlos de Campos. Da mesma forma, foi-lhe feita justíssima homenagem em Tatuí, cujas primeiras instalações definitivas foram inauguradas em 1969 pelo governador Abreu Sodré, honrando a famosa escola de drama e música criada por lei em 1951 e instalada em 1954 na cidade: uma placa dá o nome ao CDMCC, ou Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, compositor de sólida formação, autor de trios, duos e óperas como “A Bella Adormecida” e “Les Deux Mères”. Um homem que é página da história da democracia e da música deste país.  Em 2016 se comemora seus 150 anos de nascimento, portanto nada melhor do que justas homenagens.