‘Doc’ de cineasta de Tatuí­ vence o Muvi

 

Um prédio em ruínas, uma janela “dominada” pela natureza, jeitos e um vocabulário incomum. Esta é a atmosfera do curta-metragem “Armazém do Limoeiro”, documentário do cineasta tatuiano Filipe Augusto, vencedor de festival em Portugal.

O filme, com 18 minutos de duração, levou o prêmio no palco internacional do Muvi (Festival de Cinema sobre Música). Considerado um dos mais importantes eventos de música no cinema, o Muvi aconteceu entre os dias 29 de novembro e 5 de dezembro de 2016.

Ele representou a primeira premiação do trabalho de Augusto em parceria com o também cineasta Fábio Bardella.

Formado em cinema pela Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, o tatuiano assina a direção de fotografia do documentário. O trabalho nasceu de uma sugestão apresentada por Bardella, diretor do curta. A ideia era retratar o clima bucólico de um armazém dos idos de 1900, buscando o “real sentido da palavra”.

As filmagens tiveram início em 2009, tendo como cenário o Armazém do Limoeiro, estabelecimento que deu nome ao documentário. “Ele foi rodado entre Jundiaí e Itu, que é onde fica a venda”, contou Augusto. Bardella visitou o lugar a convite do colega de curso, com quem dividia moradia na época da graduação.

“Ele (Bardella) frequentava o local desde quando era criança e me chamou para conhecê-lo. Quando estive lá, vi que o lugar era incrível”, disse Augusto.

Para retratá-lo em vídeo de maneira fidedigna, Augusto e Bardella começaram uma árdua tarefa. “Ficamos lá, por seis meses, para podermos pegar intimidade com as pessoas, e criarmos um clima diferente”, disse.

O resultado pode ser classificado como um “documentário sensível e não institucional”. A razão é que o “Armazém do Limoeiro” é um trabalho que retrata não apenas o local de compra de produtos de primeira necessidade, mas apresenta o modo de vida do caipira, seus costumes e uma tradição que está morrendo.

“O filme é contemplativo, tem menos diálogos e mais imagens. Optamos por essa dinâmica por conta da história da decadência da cultura caipira”, explicou.

Símbolo de uma geração, o “Armazém do Limoeiro” é um exemplo do fim de um ciclo histórico. Na época do Brasil imperial, as famigeradas “vendas” preenchiam um importante papel para a sobrevivência de quem vivia no interior.

Com o passar dos anos, a expansão das estradas de terra seguidas pelas rodovias, a abertura de ferrovias e a expansão da industrialização – que modernizou a produção de modo geral –, comércios como o armazém foram sendo sufocados.

Tanto que o empreendimento situado entre Jundiaí e Itu (mas que fica nos limites da segunda cidade) fechou as portas no fim de 2016.

Curiosamente, na mesma época, Bardella e Augusto concluíram o documentário. “Acredito que isto é uma obra do destino”, disse o cineasta tatuiano.

Também por isso, o documentário é considerado um dos últimos registros em vídeo do modelo de cultura caipira. “O armazém ficava numa região que era rodeada por casas de colonos. Ele era como um grande supermercado da época, porque atraía pessoas de várias partes do Estado. Ocupou papel de destaque por ficar numa região nobre do país”, recordou o cineasta.

A cidade de Itu é tida como o “berço da República” por ter sediado assembleia na qual foi fundado o PRP (Partido Republicano Paulista). A legenda engrossou movimento político na chamada “Convenção de Itu”, culminando na proclamação da República, em 1889.

O filme do tatuiano, porém, não visa retratar o “passado de glórias” da região. Busca, por meio da “beleza das imagens” e da narrativa com poucas palavras, explorar o modo de vida caipira. “O foco não é o local, apesar do nome. Priorizamos mostrar a cultura típica do lugar que se acabou com ele”, explicou.

A linha narrativa do documentário prioriza personagens que frequentaram, por anos a fio, o local. O efeito é o mesmo que o gerado pelo documentário “Edifício Master”, dirigido pelo cineasta Eduardo Coutinho.

O trabalho apresenta o antigo e tradicional edifício situado em Copacabana, no Rio de Janeiro, com 12 andares, 276 apartamentos conjugados e 500 moradores.

“O prédio tem nome, mas a ideia do vídeo é priorizar as pessoas que vivem nele. O mesmo fizemos no nosso trabalho, que é mostrar os frequentadores do armazém e quem vivia no entorno. Elas são as verdadeiras personagens”, explicou Augusto.

Descrito como um documentário instrutivo e contemplativo, “Armazém do Limoeiro” apresenta as diversas facetas do modo de vida do caipira. Da “correria” do movimento na venda aos finais de semana ao marasmo dos dias de semana.

Para conseguir captar essa atmosfera, Augusto contou que a equipe preferiu dividir os dias de gravação. As filmagens aconteceram três vezes durante a semana (segunda, quarta e sexta) e duas nos finais de semana (sábado e domingo).

O trabalho foi finalizado na metade de 2016. Em setembro do mesmo ano, Bardelli e Augusto inscreveram-no no Muvi, realizado em Lisboa. Lá, o documentário ganhou o prêmio do júri. O resultado saiu no dia 5 de dezembro, quatro dias depois de o trabalho ter sido exibido no evento internacional.

A premiação se soma aos destaques registrados por Augusto na carreira. Filho do advogado Marcelo Ferreira e da decoradora Malu Ferreira (falecida há dois anos), o tatuiano já conquistou menção honrosa de melhor fotografia por conta do clipe “Verão na VR”, do Sistema Negro, grupo de rap de Campinas.

No documentário, Augusto priorizou a captação da “essência do ambiente”. “O desafio da direção de fotografia é registrar o que se propõe sem perder a naturalidade”, contou.

O trabalho consiste na compensação da luz, por conta da diferença de sensibilidade entre a lente de uma câmera e do olho humano, e na dramatização.

Esse conjunto, que se soma à técnica, foi premiado pela crítica do festival em Portugal. O evento registra vários destaques, sendo eles para fotografia, trilha sonora e direção, entre outros. “Todos são importantes, mas ser escolhido pela crítica tem um valor maior para nós”, disse o tatuiano.

O Muvi teve primeira edição em 2014, sendo realizado entre 3 e 7 de setembro. Na ocasião, registrou presença de 2.000 pessoas, 78 filmes (entre longas, curtas e vídeos musicais), quatro concertos, quatro apresentações e quatro “djsets”.

Na segunda edição, de 1 a 7 de dezembro de 2015, estiveram presentes 3.200 pessoas. Foram exibidos 192 filmes e realizados sete concertos, quatro exposições e quatro apresentações. Em 2016, o único festival de cinema específico sobre música em Portugal aconteceu no Cinema São Jorge.